O golpe já foi dado?


 

Faz cinco dias que a presidenta Dilma sumiu completamente.

Seu último twitter é de cinco dias atrás. Não diz nada, como sempre. Apenas traz “fotos da presidenta Dilma no ato #PT35anos, em Belo Horizonte”.


 

Procuro no blog do Planalto, nada de Dilma.

Por lá encontro apenas uma foto de Katia Abreu, ministra da Agricultura, afirmando que não vivemos uma crise de produção de alimentos.

Num momento em que a economia se encontra deprimida, e a agenda política do país se tornou uma sucessão infernal de escândalos, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, diz que o governo proporá “aumento de multa para empregador que não assina carteira”.

Visto que a multa atual não é atualizada há muitos anos, a medida seria até natural. Entretanto, é chocante a falta de noção do ministro – e do governo, de maneira geral – em insistir em agendas negativas.

Que importância tem isso, nesse momento de crise econômica e política?

O emprego formal não cresceu de maneira formidável nos últimos anos?

Ainda no blog do Planalto, esbarro com um exemplo maravilhoso de não-notícia.


 

Ótimo!

Eu queria mesmo lembrar se havia algum ministro do STF para ser indicado neste momento.

Agora sei que tem. E que Dilma não indicou.

A única presença de Dilma no blog do Planalto é informando coisas que ela não fez.

Na Carta Maior, um texto de Inês Nassif sintetiza uma análise que é unânime hoje. Mais que uma análise, é quase uma autópsia.

Eu selecionei alguns trechos:

*

“O preço da inação política

É assustadora a corrosão ocorrida na imagem da presidenta Dilma Rousseff e de seu governo em apenas 41 dias do início do seu segundo governo.

(…)

Assustada com a agressividade da oposição durante as eleições, a presidenta concentrou-se em tentar eliminar as restrições do mercado à política econômica anterior. Acreditou que, agradando o capital financeiro, desarmaria seus oponentes mais sensíveis aos humores do poder econômico. Ignorou o fato de que a agressividade da oposição, e o ataque especulativo à economia brasileira e à Petrobras, não se encerrariam com o fechamento das urnas e a consagração do candidato vitorioso. Isso porque, independentemente da sua vontade ou de sua intenção, tornou-se a grande protagonista de um momento da história em que ocorre uma radicalização visível e grave na sociedade. Quer ela queira, ou não, é a maior líder de um lado dessa disputa, no momento em que o outro lado passou a ter um projeto de poder que lhe é próprio, não admite mais intermediários.

(..)

Quando obteve os votos necessários à sua reeleição, Dilma foi credenciada pelos eleitores para ser a voz deles na disputa por espaço de poder não apenas formal — o da Presidência, com as limitações impostas ao exercício pleno de um projeto de poder consagrado pelas urnas –, mas como líder de um dos lados da luta social incontida na sociedade, que ganhou espaço e substância na luta eleitoral. Dilma desmobilizou a militância e os apoios que obteve na campanha eleitoral, no pressuposto de que isso acalmaria os detratores, sem se dar conta de que abria mão da sustentação social que deu a ela vitória nas urnas, e sem entender que isso não desmobilizaria os setores que a ela se opunham. Esses grupos têm lado definido, estão mobilizados, entenderam que a disputa política não se encerra nas eleições e estão dispostos a pagar — e fazer o país pagar — qualquer preço para tirar o PT do poder.

Em 12 anos de luta contra aparelhos de Estado que se mantêm em permanente conflito com o poder instituído pelo voto, como o Ministério Público, Justiça e Polícia Federal, e de sofrer bombardeios diários e constantes da mídia tradicional, aparelho privado de ideologia mais forte e poderoso que os próprios partidos políticos, não ensinaram o partido que detém o poder que hegemonia eleitoral e hegemonia política são duas coisas distintas. Dilma sofre do mesmo mal. Ela e o PT desconhecem que o voto não passa simplesmente uma borracha no desgaste acumulado nesse período por ataques constantes à imagem (sem reação significativa nenhuma dela ou do PT a qualquer acusação). E que a nova classe média, que reelegeu Lula e elegeu Dilma, e em parte contribuiu para a reeleição da presidenta, entrou no mundo do consumo também como consumidor de uma informação que é produzida pela mesma elite que os manteve fora do mercado durante todo esse tempo.

O processo de desgaste político pode encontrar meios de reparação na ação política do governo e da presidenta Dilma — e se não enxergar o país e a democracia brasileira apenas no âmbito institucional. O desafio de Dilma, nesse momento, não é ganhar aliados discutíveis, mas manter a base de apoio social que deu a ela vitória nas eleições. Com dificuldades institucionais, num sistema político onde cada vez mais os poderes são concorrentes, e cada vez menos cooperativos; numa realidade onde a radicalização dos setores oposicionistas persiste; num momento em que o ativismo policial e judiciário tem servido ao caldo de cultura contrária ao partido que mantém o poder há 12 anos e em que a mídia tradicional reina, absoluta, nos corações e mentes, desmobilizar eleitores, militantes e simpatizantes significa isolar completamente a Presidência da República.

Se a resposta política não for rápida e ampla, todavia, a repercussão sobre os instrumentos disponíveis de gestão das políticas econômica e social será desastrosa. O desgaste político torna o governo muito mais sensível ao ataque especulativo contra a Petrobras. Já é possível antever o próximo ataque, destinado ao BNDES. (…)”

*

É basicamente o alerta que todos os analistas têm feito.

E nada.

Quer dizer, o ministro da Justiça deu uma entrevista à TV Veja…

Os tanques de guerra da mídia avançam rapidamente, e o governo não toma uma iniciativa para contê-los.

É um processo instrutivo, ao menos.

A política, nesses momentos, parece uma coisa sólida, palpável. E a vemos, a política do governo, esboroar-se, dissolver-se, na frente de todo mundo.

A mídia volta a exibir, pela milésima vez, o thriller político estrelado por José Dirceu.

Dirceu, o vampiro, temporada 5, episódio 12!

E agora, teremos novos episódios com outro velho personagem do nosso Breaking Bad tupiniquim: Henrique Pizzolato.

Com um esforço heroico do Ministério da Justiça e da Advocacia Geral da União, esse perigoso personagem da república, esse vilão, que roubou o Visanet, foi enfim preso na Itália e poderá ser extraditado ao Brasil.

O ministro do STF, Luis Roberto Barroso, declara então que, se Pizzolato, não for extraditado, “haverá impunidade”.

No twitter, a frase de Barroso é replicada aos milhões e milhões.

Ai, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro!

O presidente do PT, Rui Falcão, tenta mostrar serviço e convoca uma coletiva dizendo (já não tinha dito isso antes?) que vai processar Pedro Barusco, em função de suas acusações contra o partido.

Barusco, doente terminal, deve estar tremendo de medo desse processo, que provavelmente só irá terminar quando ele já estiver morto e enterrado!

A ameaça de Falcão não mete medo em ninguém, nem nos saudáveis, como Paulo Roberto Costa. Nem nos doentes, como Barusco e Youssef.

A ordem é acusar o PT, aparecer na mídia e ser perdoado pelo Judiciário.

O PT que se dane.

O exército de coxinhas & trolls ganha força, animados com a situação. Eufóricos com o massacre a que o PT vem sendo submetido, começam a soltar verdadeiras pérolas de fascismo.

Ontem, um coxinha (ou seria troll?) frequentador do blog resolveu responder um outro comentarista, que abordava a denúncia de que o judiciário está montando delações premiadas com base em tortura psicológica.

O que me permitiu, ao menos, uma pequena vitória política…


O prestígio do governo e da presidenta se esboroa, o que é um prato feito para o Datafolha jogar ainda mais sal sobre o campo devastado.

Preparem-se para uma nova rodada de pesquisas!

O arsenal da mídia é incomensurável.

O ministro Miguel Rosseto, a esperança de juventude política no governo, terá outra ideia genial. Organizar mais um café da manhã com blogueiros.

Ou seja, nos fará gastar 4 mil reais para acordar cinco ou seis horas da manhã, para ouvir dele que o governo “não irá mexer nos direitos trabalhistas”.

É sempre assim: o governo não irá fazer isso, não irá fazer aquilo.

E o mais importante, a ser publicado com destaque no blog do Planalto: Dilma não nomeou um novo ministro para o STF!

Por falar em ministros do STF, as bruxas de MacBeth devem estar preparando outra mágica.

Os ministros “progressistas”, corajosos, dispostos a enfrentar a mídia, já devem estar mudando de ideia.

Quem é louco de enfrentar a mídia, meu?

A não-extradição de Pizzolato seria “impunidade”, não é, ministro Barroso?

Enquanto isso, o campo progressista, perplexo, tenta se agarrar à denúncia de sonegação da Globo, replicando freneticamente um post do Cafezinho de janeiro do ano passado. O post anuncia a abertura de um inquérito na Polícia Federal.

Sim, queridos, o inquérito foi aberto. Mas já foi arquivado, conforme relatou o Diario do Centro do Mundo.

A vida é dura, meus amigos! Razão tinha Dante, ao nos apontar o aviso inscrito na porta do Inferno: Lasciate ogni speranze, voi che entrate.

Naturalmente, a “imprensa livre” brasileira não deu um pio sobre a abertura do inquérito. Afinal, a Globo é uma empresa sem importância, né?

O Cafezinho, sim, que é importante. Um grande blog político! Se houvesse abertura de inquérito para investigá-lo, por lavagem de dinheiro nas Ilhas Virgens Britânicas, seria capa de todos os portais. A notícia seria replicada aos milhões pelo twitter.

Mas não se preocupem com o Cafezinho também.

O Judiciário já está se encarregando disso, de outra forma. Dentro de dez dias, tenho que pagar uns vinte ou trinta mil reais para Ali Kamel. Em caso contrário, terei minhas contas bloqueadas.

É uma linda democracia, essa que vivemos, com uma liberdade de expressão incrível!

O diretor de jornalismo de uma concessão pública, controlada pela família mais rica do Brasil quer indenização financeira do blogueiro político mais pobre do Brasil.

Por que? Por que ousei fazer uma crítica política ao jornalismo da Globo…

Naturalmente nenhum ministro do STF irá se pronunciar jamais sobre isso, afinal, “se Pizzolato não for extraditado, haverá impunidade”.

Quem será o próximo ministro do STF a escrever o prefácio do novo livro de Merval Pereira, cujo título seguramente será algo assim: “Petrolão, o fim do PT”?

Eu fico imaginando o ódio daqueles magnatas, que construíram uma nova “veneza” em São Paulo, bem em meio à pior crise hídrica da história do estado, contra o “petrolão”.

Vivemos tempos sombrios, meus caros. Uma das poucas esperanças de luta política, a presidenta Dilma, isolou-se em seu palácio de cristal.

O que será da presidenta quando tiver que enfrentar um estádio lotado, nas Olimpíadas, por exemplo?

Enfrentará novamente aquele suave coro do povo bem nascido?

Bem, talvez ela nem esteja mais lá.

Claro, há também uma hipótese, cada vez mais remota, de que o coração valente volte a bater, e Dilma encha o estádio de uma juventude trabalhada na política, que decida mudar o coro dos contentes, e direcionar o xingamento para o outro lado, para o lado das câmeras.

Seria tão lindo, espero estar vivo se isso acontecer um dia.

Enquanto escrevo, vejo que a presidenta postou dois novos textos no twitter.

Os dois são mensagens de pêsames acerca da morte da artista plástica Tomie Ohtake:


É uma boa maneira de usar o twitter da presidência da república, bem sintomático dos novos tempos: necrológios…

Interessante também que a presidenta resolva enveredar, neste momento, pela crítica de arte.

As obras de infra-estrutura sendo interrompidas por esta nova frente política, formada por: agentes da polícia federal que treinam tiro ao alvo usando a foto da presidenta, juízes vingadores, procuradores brilhantes, aristocráticos,  jornalistas sedentos pela chance de bater no PT e crescer aos olhos de seus patrões…

E a presidenta fazendo crítica de arte no twitter.

O mais louco é ver a cidade sendo tomada por hordas de foliões bêbados de alegria. Mas devem ter feito mesmo no Carnaval de 1964.

De qualquer forma, não podemos culpar o povo. Ele faz a parte dele. Votou em Lula duas vezes, em Dilma duas vezes…

O que ele mais pode fazer? O que mais se espera dele?

Que vá às ruas para lutar contra um novo golpe, contra mais uma farsa midiática?

Que farsa, perguntará o povo?

E esse escândalo aí da Petrobrás, dirá o povo?

Ora, o golpe já foi dado.

Os alemães já tomaram Paris.

Só nos resta ouvir Bella Ciao, clandestinamente, e organizar a Resistência.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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