O Brasil não é para amadores!

Jonathan Meese, artista contemporâneo alemão


 

Ser blogueiro político no Brasil nos torna atores de um filme de ação, do tipo Velocidade Máxima. A quantidade de coisas que acontecem em 48 horas devem corresponder a uns dois anos de vida política na Suécia.

De vez em quando, o acúmulo de notícias a serem comentadas me obriga a adotar um estilo que não gosto muito, o de fazer um pout-pourri com vários assuntos.

Não tem jeito, vamos lá. Os assuntos de hoje são:

1) Nomeação de Michel Temer para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela relação política entre governo e congresso. Temer é o atual vice-presidente da República, além de presidente nacional do PMDB. Ele vai acumular os cargos.

2) A votação da o PL 4330, que permite às empresas contratar, em regime de terceirização, mão-de-obra destinadas às atividades-fim da companhia. Ou seja, amplia, de maneira descontrolada, a terceirização no país, que já é enorme.

3) A compra da BG pela Shell, o que é um sinal poderoso do interesse estrangeiro no pré-sal brasileiro.

4) França concordou em ceder ao Brasil a lista completa dos nomes de brasileiros proprietários de contas secretas no HSBC da Suíça.

5) Uma constatação perturbadora: o doleiro Alberto Youssef, pego nos esquemas do Banestado pelos mesmos procuradores e pelo mesmo Juiz da Lava Jato, usou a sua primeira delação premiada para detonar seus concorrentes; e saiu maior do que entrou. Antes era um doleiro local, depois virou um doleiro nacional. Quem patrocinou, com a cumplicidade do Judiciário e do Ministério Público, a sua ascensão meteórica?

*

Assunto 1: Foi a melhor cartada de Dilma.

Uma cartada tão boa que a gente fica pensando: por que não fez antes? O ministro anterior, Pepe Vargas, representante da minoria da minoria do PT era uma das razões principais do embaraço político em que se meteu Dilma nos primeiros meses de governo. Vargas é gente boa e tal, mas não tinha nenhum peso político para o cargo que ocupava.

Temer, em alguns dias, já conseguiu ao menos uma grande vitória: enterrar a CPI do BNDES, de iniciativa do espertíssimo Ronaldo Caiado, desesperado para desviar as atenções públicas da lavação de roupa suja que presenciamos entre ele e o senador Demóstenes Torres.

Aliás, pela bilionésima vez tivemos prova da blindagem da mídia desfrutada pelos caciques da oposição. Se qualquer homem do PT fosse contemplado com os adjetivos e a acusações que Caiado recebeu de Demóstenes Torres, haveria um batalhão de repórteres investigando a procedência de tudo, fazendo investigações minuciosas, explorando ad infinitum as repercussões junto a outros políticos, produzindo charges, editoriais, etc.

*

Assunto 2: A votação da PL da terceirização voltou a promover um alinhamento ideológico raro no Brasil, e que tínhamos visto no segundo turno das eleições de 2014.

Ficou patente que a esquerda real tornou-se minoria no Congresso Nacional. Já era antes, ficou ainda menor.

Evidencia-se também a importância da comunicação de massa.

À diferença de outros países democráticos, onde há jornais e tvs progressistas com grande audiência, o Brasil sofre com o discurso único da mídia. Todos os canais de TV, todos os grandes jornais, fazem parte do mesmo cartel ideológico, cuja cabeça é a Rede Globo. No dia da votação da PL 4330, o Jornal Nacional noticiou as manifestações organizadas pela CUT em todo o Brasil em tom de sarcasmo. O foco era apenas mostrar a quantidade, e não as pautas. Não houve entrevistas com profissionais especializados em mercado do trabalho, do lado dos trabalhadores, apenas com o lado dos patrões.

As manifestações maiores, como a de Recife, foram exibidas à jato. O foco foi nas manifestações menores, mais simples, com objetivo de desmoralizar o movimento sindical.

Aliás, outra diferença entre o Brasil e outras democracias é que mesmo a direita política defende o direito dos trabalhadores nacionais, até para contrapor-se ao direito de imigrantes estrangeiros. Aqui, não. A direita é entreguista e anti-trabalhador 100%.

Entretanto, foi uma tremenda vitória de Pirro desses partidos, sobretudo por parte do PSDB. Porque deu à esquerda, para os anos vindouros, uma prova física concreta de quem foi se posicionou contra o direito dos trabalhadores, e quem lutou a seu favor.

Outro fator que me chamou a atenção: a direita precisa de lutas rápidas, urgentes, para ganhar suas batalhas. Lembrei-me das privatizações, sempre feitas a toque de caixa, para impedir que a sociedade se organizasse, que o debate fluisse por todos os caminhos.

A concentração dos meios de comunicação em mãos de poucos, e o posicionamento ideológico conservador e anti-trabalhista destes meios, faz com que os debates pela esquerda sejam demorados. A movimentação dos setores progressistas é sempre lenta, porque precisa ser feita quase manualmente, através de encontros físicos, debates presenciais. As informações publicadas em blogs demoram dias, semanas, para atingirem um púbico que a grande mídia atinge em segundos, horas, ou no máximo 2 dias. Mais uma vez, isso me lembrou o segundo turno eleitoral de 2014. Após a passagem do primeiro para o segundo turno, Aécio chegou como vencedor, divulgando pesquisas em que estava até dezessete pontos na frente.

O diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guedes, divulgou pesquisa, através da Istoé, em que Aécio tinha quase 60% dos votos válidos, contra 41% de Dilma. Comentando sua própria pesquisa para a Istoé, Guedes afirmaria: “O tamanho da rejeição à candidatura de Dilma, torna praticamente impossível a reeleição da presidenta”.

Como esquecer aquela capa do Brasil 247, dizendo que Aécio “já está eleito”?


Hoje alguns analistas políticos da oposição falam que Dilma não ganharia novamente as eleições. Ora, porque eles falam isso? Porque a oposição vem fazendo campanha diuturnamente, através da mídia, enquanto o governo manteve, até pouco tempo, um estranho silêncio, como que envergonhado de sua própria vitória, ou como que se fingindo de morto para ver se os predadores passavam adiante, esquecendo-o.

Uma campanha pressupõe a oportunidade de todos os espectros explicarem suas plataformas políticas.

Com a divulgação daquela pesquisa Sensus, a oposição e a mídia tentavam criar um “fait accumpli”, ou seja, um fato emocional desmobilizador, uma sensação de batalha perdida junto a um campo que ainda começava a ser organizar para enfrentar o segundo turno eleitoral.

Na época, eu escrevi que a esquerda precisa sempre de, no mínimo, duas semanas para se organizar, e isso quando há grande tensionamento político, como um segundo turno eleitoral.

A cada vez que a direita estoura um factoide midiático de impacto contra o governo e o PT, o campo progressista precisa digeri-lo, analisá-lo, desmontá-lo, e essa contrainformação demora dias, semanas, meses, em alguns casos até anos para ser devidamente processada e respondida.

A comunicação ainda é o grande trunfo da direita política brasileira, mormente porque, através desta hegemonia, a mídia consegue amordaçar boa parte da classe cultural e da intelectualidade, que vive sob chantagem contínua de entrar para “lista negra”, caso se aventure a denunciar as tramoias da imprensa corporativa.

Nos EUA, Europa e Japão, atores, cineastas e escritores se posicionam abertamente, à direita e à esquerda, sem que ninguém perca o emprego ou seja criminalizado por isso. Aqui a barra é muito mais pesada. Está liberado apenas fazer coro à mídia. O resto é proibido.

*

Assunto 3: A Shell, uma das maiores petroleiras do mundo, comprou a BG, por mais de R$ 200 bilhões, de olho no pré-sal brasileiro. A movimentação, aliada à forte alta nos papéis da Petrobrás, desmonta a mentira que obscuros interesses pretendiam impor no Brasil: a de que nem Petrobrás nem o pré-sal valiam mais nada.

Valem sim, tanto quanto antes, tanto quanto sempre.

A britânica BG era a empresa que, até então, tinha maior presença no pré-sal brasileiro. Agora é a Shell. A notícia prova também que o declínio das cotações do petróleo representou um teste de força terrível para todas as petroleiras do mundo. Foi ele o principal responsável pela queda nas ações da Petrobrás, e e não as delações premiadas, embora o ataque político doméstico à nossa estatal ter sido usado e abusado para tentar vergá-la, ou mesmo como instrumento de especulação para os fundos americanos comprarem barato mais ações da empresa.

Em entrevista recente à Forbes, o CEO da Shell admitiu francamente: “Nós temos que olhar para o Brazil pelo potencial que existe lá. No momento, é provavelmente a mais excitante área no mundo para a indústria de petróleo”.

De qualquer forma, esse é um terreno onde não podemos ser inocentes. É óbvio ululante que há grandes interesses geopolíticos e econômicos de olho em nossos recursos naturais. Sempre estiveram, e não há razão para que não continuassem assim.

Nunca discutimos, por exemplo, a privatização da Vale. Na verdade, antes mesmo de ser privatizada, a Vale já tinha sido vendida a interesses escusos do capital internacional. Durante décadas, o Brasil exportou minério de ferro a preços absolutamente ridículos. Durante toda a década de 90, até a data da sua privatização, a Vale vendia a tonelada do nosso ferro a 15 dólares, em média. O conteiner que levava o ferro brasileiro valia mais que o seu conteúdo. Depois da privatização, misteriosamente, a cotação do ferro explodiu.

Esse é o tipo de coisa que nos faz pensar no moralismo midiático. Medidas como a PL da terceirização ou a privatização da Vale, correspondem a uma transferência de centenas de bilhões de reais do bolso dos trabalhadores, para meia dúzia de bilionários. Enquanto isso, os pistoleiros da mídia cacarejam que o mensalão é maior corrupção da nossa história, que a Lava Jato é a maior corrupção do mundo…

*

Assunto 4: a decisão do governo francês de ceder os dados bancários à CPI do Suiçalão é uma vitória da Política contra o esforço hercúleo da mídia de manter o controle narrativo sobre o escândalo, que envolve barões da mídia e os principais milionários brasileiros.

O Suiçalão vai se fundir, em algum momento, com a Operação Zelotes, porque ambas tratam daquele é o maior crime contra o erário: a evasão fiscal.

Em 2014, segundo o Sinprofaz (Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional), a sonegação fiscal no Brasil atingiu R$ 502 bilhões. Esse número nunca apareceu no Jornal Nacional, nem em nenhum grande noticiário televisivo. A nossa mídia, além de sonegar impostos, sonega informações essenciais ao povo brasileiro. Ela cria, no povo, o sentimento de que os ladrões estão somente no congresso. Não estão. Estão em toda parte. O grosso da roubalheira acontece nas grandes empresas brasileiras, que praticam uma sonegação que não tem paralelo no mundo. Se o povo tivesse acesso a esta informação, haveria mudança no clima político, e uma pressão maior sobre o poder público para apertar o cerco aos grandes sonegadores.

A CPI do Suiçalão e a Operação Zelotes, eu já disse, produzem uma reviravolta no imaginário nacional. E com razão. Elas são a prova viva, palpável, de que o governo Dilma combate a corrupção.

Mesmo a Lava Jato agora pode ser vista de outra maneira: também passa a ser a prova de que há hoje combate real e corajoso contra a corrupção, ao contrário do passado, quando qualquer investigação contra membros do governo ou de partidos governistas, contra patrocinadores de campanhas, contra banqueiros ou milionários em geral, era algo impensável.

Hoje, não. Hoje todo mundo entra na roda. Os donos da RBS, a filiada à Globo, no Sul. A viúva do Roberto Marinho. Os donos da Folha. Banqueiros. Os homens da privatização, como os Steinbruch.

Desta vez, porém, a mídia não faz infográficos, nem produz editoriais inflamados. Os colunistas não tocam no assunto, com honrosas exceções, como Janio de Freitas, Ricardo Melo e a ombudsman da Folha, Vera Magalhães, que acusam a mídia justamente de não estar dando manchetes, nem capas, nem destaque suficiente a um escândalo cujos desvios são dezenas de vezes, ou mesmo centenas de vezes, superiores aos da Lava Jato.

*

Assunto 5: Fernando Brito, meu parceiro de Tijolaço, publicou um post dias atrás que me deixou com uma pulga atrás da orelha. Brito, absorvido pelas dezenas de crises diárias que assolam a nossa política, não voltou ao assunto, mas eu não parei de pensar nele.

Brito aborda o caso do promotor Carlos Fernando dos Santos Lima, que se orgulha, em entrevista para a Folha, de ter mentido aos réus da Lava Jato, tentando arrancar confissões deles.

Lima, assim como o juiz Sergio Moro, tem um longo caso de amor com o doleiro Alberto Youssef. Um era o responsável pelas investigações sobre o Banestado, e já escrevi sobre ele no post “Quem vivia os vigias?“; o outro foi o juiz responsável pelo julgamento de Youssef e por sua primeira delação premiada.

Brito, ao final do post, propõe algumas questões perturbadoras:

“Ou Youssef delinquia nas barbas dos que tinham firmado com ele um acordo de delação, livrando-o da cadeia por bom comportamento que sabiam não ter, ou não se pode deixar de pensar na possibilidade de que tenha se tornado agente, sabe-se lá de quem.

O fato é que, a partir do acordo de delação premiada, Youssef deixou de ser um “ladrãozinho regional” do Paraná, manjado e condenado.

Passou a ladrão nacional, com todas as honras e impunidades por mais de oito anos.”

Pois é.

De fato, tem alguma coisa muitíssimo estranha aí.

Muito, muito, muito estranha!

O promotor Carlos Lima, que posou junto com seus colegas na capa da Folha, como novo paladino na luta contra a corrupção, precisa se explicar.

Sergio Moro, que concedeu a primeira delação premiada a Youssef, também.

Lima investigava José Janene, o deputado federal, líder do PP na Câmara, e parceiro de Youssef na corretora Bônus.

Em 11 de março de 2006, a Folha publica uma matéria na qual Roberto Bertholdo, advogado de Janene, faz acusações gravíssimas contra um esquema montado na 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde teria nascido “a indústria da delação premiada”.

Agora prestem atenção:  segundo Bertholdo, o espertíssimo Youssef entregou doleiros no Brasil inteiro e se apropriou de seus clientes: “Ele opera com um grupo em que agem a Nelma [Penasso Kodama], de Santo André, e o [Lúcio] Funaro, ex-sócio da corretora Guaranhuns. Esse grupo controla 80% do câmbio no país. No esquema federal, a sociedade do Youssef e do Janene na Bônus possibilitava transformar em dinheiro vivo o esquema de corrupção”, afirmou.

Como é que é?

Alberto Youssef teria usado a “delação premiada” para detonar seus concorrentes, apossar-se de seus clientes e sair livre e muito maior do que antes?

Até mesmo os sócios de Youssef rodaram. Ele permaneceu livre, leve e solto.

A delação premiada pedida pelos procuradores e concedida por Moro (os mesmos procuradores e o mesmo juiz da Lava Jato) ajudou Youssef a ficar mais rico e mais poderoso?

Quem ganhou com isso, além de Youssef?

Será esta razão pela qual juiz e procuradores são tão bonzinhos com Youssef? Porque ele sabe de podres do próprio Ministério Público e do próprio Judiciário?

Que esquema era esse na vara criminal de Curitiba, a mesma de Moro, e frequentada pelos procuradores da Lava Jato?

Para fechar o post, ainda espero que a mídia se aprofunde sobre uma outra delação recente de Youssef, publicada na grande imprensa, mas que esta nunca se preocupou em investigar.

Segundo o doleiro, houve um esquema envolvendo a Denatran, órgão ligado ao Ministério das Cidades, sob responsabilidade do PP (principal partido envolvido na Lava Jato). Reproduzo trecho de matéria publicada na Folha um mês atrás:

(…) Segundo Youssef, o órgão [Denatran] fez um convênio com a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização para a instituição passar a fazer um registro específico dos veículos nacionais. Sem concorrência, a Fenaseg contratou a empresa GRF para realizar o serviço.

Segundo consta no inquérito, a GRF era de Carlos Augusto Montenegro, presidente do instituto de pesquisa Ibope, que seria responsável pelo pagamento da propina.

“O negócio teria rendido cerca de R$ 20 milhões em comissões para o PP, montante que seria pago em vinte parcelas”, disse Youssef ao depor. “As parcelas eram pagas por um empresário de nome Montenegro, dono do Ibope.” 

Montenegro, dono do Ibope…

Como Montenegro é amigo da Globo, nenhum repórter se lembrou de ligar para ele para saber o que tinha a dizer. A Globo simplesmente sonegou a informação, na maior cara de pau. A Veja também.

É o mesmo tipo de silêncio que se impôs sobre a delação de Youssef, dizendo que Aécio Neves recebeu, durante anos, uma propina de US$ 120 mil por mês, proveniente de um esquema entre Furnas e a empresa Bauruense. A fonte de Youssef era José Janene, seu parceiro na Bônus.

O Brasil, definitivamente, não é um país para amadores.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.