Snowden defende privacidade e liberdade de imprensa

Eis um texto do Snowden, publicado há pouco no New York Times e traduzido para o português por Giovanni Vieira, para lermos e discutirmos.

Snowden defende o direito à privacidade e a liberdade de imprensa, contra as violências do Estado.

Isso vale muito para o Brasil, onde o Judiciário, escudado por uma imprensa que se comporta como máfia, tem praticado violências contra todos os tipos de liberdade: abuso de prisão preventiva, vazamento seletivo de delações premiadas, censura prévia ou mesmo prisão contra jornalistas não-tucanos, multas escorchantes contra blogueiros, sabotagem de empresas nacionais.

Até o habeas corpus, um direito sagrado do réu, de aguardar sua sentença e seus recursos em liberdade, tem sido atacado, e pelas mais altas instâncias do Judiciário, capturadas por essa atmosfera de justiçamento a qualquer preço, característica principal das recentes conspirações midiáticas.

A violência do Estado é parecida em qualquer parte do mundo.

São “autos de resistência” praticados pela polícia, onde agentes promovem um verdadeiro extermínio de jovens nas periferias das grandes cidades.

São processos judiciais completamente midiatizados, tocados sem nenhuma responsabilidade social, quebrando empresas e provocando um efeito devastador dominó em setores estratégicos da economia, gerando demissões em massa.

Enfim, é sempre a mesma hipocrisia: um bando de liberais que defendem o Estado mínimo, mas que, quando assumem o poder, aumentam impostos para os mais pobres e isentam os mais ricos; fazem cortes em programas sociais, mas aumentam gastos em guerras, armas, e construção de presídios; eliminam subsídios para o pequeno empresário, e criam novos subsídios para os grandes bancos.

***

Edward Snowden, ex-agente da CIA e da Agência de Segurança Nacional dos EUA, é diretor da “Fundação Liberdade de Imprensa”.

EDWARD SNOWDEN: O MUNDO DIZ NÃO À VIGILÂNCIA

Indicação de Sergio Caldieri, via email.

Por EDWARD J. SNOWDEN 04 de junho de 2015

THE NEW YORK TIMES

Tradução do inglês: Giovanni G. Vieira

MOSCOU – Dois anos atrás no dia de hoje, três jornalistas e eu trabalhávamos nervosamente em um quarto de hotel em Hong Kong, esperando para ver como o mundo reagiria frente à revelação de que a Agência de Segurança Nacional vinha fazendo registros de quase todas as chamadas telefônicas nos Estados Unidos. Nos dias que se seguiram, jornalistas e documentos publicados revelavam que os governos democráticos estavam monitorando as atividades privadas de cidadãos comuns que nada tinham feito de errado.

Em poucos dias, o governo dos Estados Unidos respondeu fazendo acusações contra mim baseado em leis de espionagem da época da Primeira Guerra Mundial. Os jornalistas foram avisados por seus advogados que eles corriam risco de ser presos ou receber intimação caso voltassem para os Estados Unidos. Os políticos se apressaram em condenar os nossos esforços como anti-americanos e até mesmo de traiçoeiros.

Em particular, houve momentos em que eu me preocupava que poderia ter colocado nossas vidas privilegiadas em risco e a troco de nada – que o público iria reagir com indiferença, ou cinismo, diante das revelações.

Nunca fiquei tão agradecido por estar enganado. Dois anos depois, a diferença é profunda. Em um único mês, o programa de rastreamento invasivo da Agência de Segurança Nacional foi declarado ilegal pelos tribunais e repudiado pelo Congresso. Após uma investigação do conselho de supervisão da Casa Branca constatei que este programa não tinha evitado um único ataque terrorista, e até mesmo o presidente, que certa vez defendeu a sua existência e criticou a sua divulgação, já pedia o seu fim.

Este é o poder de um público informado.

Acabar com a vigilância em massa de telefonemas privados sob o Patriot Act é uma vitória histórica para os direitos de cada cidadão, o mais recente produto de uma mudança na consciência global. Desde 2013, as instituições de toda a Europa têm sido governadas por leis e operações similares ilegais e novas restrições às atividades futuras. As Nações Unidas declararam a vigilância em massa uma violação inequívoca dos direitos humanos. Na América Latina, os esforços dos cidadãos no Brasil levou ao Marco Civil, uma Lei de Direitos da Internet. Reconhecendo o papel fundamental dos cidadãos em corrigir os excessos do governo, o Conselho da Europa pediu novas leis para proteger os denunciantes.

Além das fronteiras da lei, o progresso chegou ainda mais rapidamente. Técnicos têm trabalhado incansavelmente para reestruturar a engenharia de segurança com dispositivos que nos cercam, juntamente com a linguagem da própria Internet. Falhas secretas em infra-estruturas críticas que haviam sido exploradas pelos governos para facilitar a vigilância em massa foram detectadas e corrigidas. Salvaguardas técnicas básicas, tais como criptografia -outrora considerada esotérico e desnecessário – está agora habilitada por padrão nos produtos das empresas pioneiras como a Apple, assegurando que mesmo se o telefone for roubado, sua vida privada permanece privada. Tais mudanças tecnológicas estruturais podem garantir o acesso à privacidades básicas para além das fronteiras, isolando os cidadãos comuns da aprovação arbitrária de leis anti-privacidade.

Embora tenhamos percorrido um longo caminho, o direito à privacidade continua sob ameaça. Alguns dos serviços online mais populares do mundo foram listados como parceiros em programas de vigilância em massa da Agência de Segurança Nacional dos EUA, e as empresas de tecnologia estão sendo pressionadas pelos governos ao redor do mundo para trabalhar contra seus clientes, ao invés de a favor deles. Milhares de milhões de registros de localização de celulares ainda estão sendo interceptados sem levar em conta a culpa ou a inocência das pessoas afetadas.

Nós aprendemos que o nosso governo enfraquece intencionalmente a segurança fundamental da Internet com “portas dos fundos” que transformam vidas privadas em livros abertos. Meta dados que revelam associações e os interesses dos usuários comuns da Internet ainda estão sendo interceptados e monitorados em uma escala sem precedentes na história.
Mestres em espionagem da Austrália, Canadá e França têm explorados tragédias recentes para obter novos poderes intrusivos, apesar das evidências de que tais medidas não teriam impedido os ataques. O primeiro-ministro David Cameron da Grã-Bretanha perguntou: Queremos permitir um meio de comunicação entre pessoas que não sabem ler? Ele logo encontrou resposta para sua pergunta, proclamando que ” por muito tempo temos sido uma sociedade passiva e tolerante que diz aos seus cidadãos: Contanto que você obedeça a lei, vamos deixá-lo em paz”.

Na virada do milênio, poucos imaginavam que os cidadãos de democracias desenvolvidas em breve iriam ser obrigados a defender o conceito de uma sociedade aberta contra seus próprios líderes.

No entanto, o equilíbrio do poder está começando a mudar. Estamos testemunhando o surgimento de uma geração pós-terror, aquela que rejeita uma visão de mundo definido por uma tragédia singular. Pela primeira vez desde os ataques de 11 de setembro de 2001, vemos o contorno de uma política que se afasta da reação e do medo em favor da elasticidade e da razão. Como sociedade, redescobrimos que o valor do direito não está naquilo que a sociedade esconde, mas no que ela protege.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.