Discutindo os vícios do sistema penal moderno

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No Nassif, encontro um post indicando esse vídeo-aula com o Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa (TJ/SC). O gancho é a referência à tática usada por Sergio Moro para convencer réus a delatar, a partir de 26m 25s.

Eu assisti a referência e acabei por me envolver com o vídeo e o assisti quase na íntegra.

É uma aula fantástica sobre a realidade do julgamento penal, feita por juiz pelo qual senti grande simpatia.

Para desespero dos trolls e coxinhas, o Cafezinho tem muitos leitores e fãs entre juízes, advogados, juristas, procuradores, e demais profissionais do direito.

Faço parte ainda de um grupo de whatsapp de juristas de esquerda, todos extremamente críticos aos arbítrios e ilegalidades da Lava Jato.

Os trolls e coxinhas querem nos acusar de defender sempre “bandidos”, “mensaleiros”, “corruptos”.

Não.

Somos todos radicalmente contra a corrupção.

E por isso mesmo não queremos que o combate à corrupção seja corrompido!

Não queremos que o combate à corrupção seja manipulado, como se fez tantas vezes no Brasil, para produzir mais corrupção!

É um paradoxo e uma contradição.

Os mesmos que passam a vida acusando o Brasil de ter um Estado paternalista, inchado, que se autointitulam liberais, que acusam o PT ou a esquerda por defenderem um Estado forte, são os mesmos que se aferram aos setores menos democráticos do Estado: os aparelhos de repressão.

Em todos os momentos de totalitarismo, na esquerda ou na direita, os setores do Estado mais crueis, mais nocivos à liberdade, sempre vieram dos aparelhos de repressão: tribunais, polícias e procuradorias.

Em alguns momentos, o Estado é democrático apenas na aparência, mas o autoritarismo se incrusta através da ideologia autoritária das instituições meritocráticas que cuidam do sistema judiciário e penal.

É o que está acontecendo no Brasil.

O Brasil tem aparelhos de repressão repletos de vícios totalitários. Sem contar que nossa referência maior é o Estado americano, que também possui vícios horríveis, mas aos quais eles, os americanos, estão acostumados por serem uma democracia muito antiga e possuírem um sistema de comunicação infinitamente mais plural.

Estou assistindo, na Netflix, a série The Good Wife, produzida pelos irmãos Ridley e Tony Scott.

É uma série fantástica, que mostra as intrigas dentro das procuradorias, a corrupção judicial, e o vale tudo para se privar seres humanos de sua liberdade.

Mostra também como a democracia moderna ainda é imperfeita.

Pessoas são condenadas à morte, ou a penas severíssimas, com base em acusações falsas, montadas por procuradores mais interessados em suas carreiras do que na justiça.

A vida e a liberdade dos indivíduos ficam a mercê de uma guerra de egos entre procuradores, advogados de defesa e juízes.

No vídeo-aula mencionado e reproduzido no início do post, menciona-se uma pesquisa com oito juízes israelenses que revelam o arbítrio que perpassa o sistema penal moderno.

Os juízes tomam decisões vitais para a liberdade de um cidadão com base se estão mais ou menos cansados, mais ou menos com fome.

Isso é democracia?

No Brasil, o problema é trágico.

Centenas de milhares de cidadãos permanecem encarcerados sem uma condenação!

Enquanto isso, as associações de juízes e suas representações sindicais só pensam em elevar seus salários, e ampliar suas gratificações, que já são, de longe, as maiores do mundo!

E agora, para piorar, um juiz do Paraná, com apoio do corporativismo da categoria, se arvora um justiceiro da mídia, punindo antecipadamente a tudo e a todos, determinando prisões preventivas ou provisórias de qualquer pessoa, independente da densidade probatória das acusações. Determina inclusive a prisão de um almirante da Marinha, maior cientista nuclear do país, uma pessoa que, por si só, é uma peça fundamental na economia energética de uma nação de 202 milhões de pessoas.

A prova?

A prova apresentada pelos procuradores e aceita pelo juiz é que este senhor de 76 anos teria recebido, ao longo de seis anos, cerca de 4 milhões de reais.

Ora, cada procurador e o próprio juiz deve ter recebido quantia similar ou mais ao longo dos últimos seis anos!

Se o almirante estivesse atrás de dinheiro poderia ter obtido, num único minuto, trinta, quarenta vezes mais, bastando para isso vender a sua própria pesquisa a países estrangeiros ou multinacionais!

Sergio Moro mandou prender Othon Pinheiro sem que este tivesse qualquer direito à defesa!

Em Minas, um delegado da PF mandou prender um empresário sem sequer uma ordem judicial!

A questão penal, por ser ligada organicamente à liberdade, é uma das questões mais essenciais da doutrina democrática.

É como amante da liberdade e da democracia, portanto, que o Cafezinho permanecerá sempre crítico ao Estado repressor, sobretudo quando, além de repressor, ele se torna conspirador, e tenta invadir e dominar a esfera política!

Quando Millor Fernandes falou que imprensa de verdade tem de ser oposição, ele talvez se expressaria melhor se deixasse claro que o principal alvo do criticismo jornalístico deveria ser o aparelho repressor do Estado.

O Executivo tem oposição naturalmente na sociedade, inclusive institucionalmente, através do Legislativo, sempre composto por forças divergentes entre si.

Quem critica o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal, a mídia, as corporações?

Uma imprensa verdadeiramente democrática tem de ser crítica sobretudo ao Judiciário e ao Ministério Público, porque são as instituições que, por não passarem pelo filtro do sufrágio, e por terem membros vitalícios, mais precisam ser arejadas pelo debate crítico e livre que deveria caracterizar uma democracia!

Os membros de partidos políticos e os próprios membros do governo também deveriam participar desse debate, que não deveria ser tabu, e sim um debate fundamental para o aprimoramento do mundo em que vivemos.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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