Portugal contra a austeridade: Governo conservador está com os dias contados

Por Carlos Eduardo, editor-assistente do Cafezinho

Aproveitando o embalo do filme “As Mil e Uma Noites”, do cineasta português Miguel Gomes, que critica os efeitos da crise econômica mundial sobre os mais humildes e a política de austeridade implementada em Portugal pela coligação de centro-direita PSD/CDS, e em exibição na 39a Mostra Internacional de SP, vale acompanhar o que se passa no outro lado do Atlântico com nossos irmãos lusitanos.

A mídia brasileira pouco fala da crise econômica vivida por Portugal, considerada por muitos como a pior de sua história. Dados divulgados este mês pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) — uma espécie de IBGE português — mostra que o país tem hoje a terceira pior taxa de desemprego da Zona do Euro, perdendo apenas para a Grécia e Espanha. Quase metade dos desempregados (47,4%) procura trabalho há mais de dois anos sem sucesso, o segundo pior registo da série história do INE, fundado em 1935.

A política de austeridade defendida pelos conservadores e implementada a partir de 2011 foi tão desastrosa, que mesmo com a vitória da coligação PSD/CDS há pouco mais de um mês, elegendo o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, a direita em Portugal não alcançou maioria no parlamento e deve cair nas próximas horas.

O Partido Socialista fechou nesta segunda-feira (9) acordos com o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista os Verdes, para um governo de coligação pensado para os próximos quatro anos. A união das principais forças políticas de esquerda em Portugal foi considerada histórica e a nova aliança já entregou nesta terça-feira (10) quatro moções de censura separadas, que deverão derrubar o atual governo de centro-direita.

Abaixo segue notícias da AFP e RTP.

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Governo conservador de Portugal está com os dias contados

Por Brigitte Hagemann, para AFP

O novo governo conservador de Pedro Passos Coelho apresentou nesta segunda-feira seu programa ao Parlamento, onde a esquerda tem maioria e está decidida a provocar sua queda para negociar com Bruxelas uma flexibilização das políticas de austeridade.

A coalizão de direita do premiê Passos Coelho está por um fio, após perder a maioria absoluta nas legislativas de 4 de outubro. Após os contatos do fim de semana, o Partido Socialista tem o apoio do Bloco da Esquerda e do Partido Comunista para fazer o Executivo cair e substituí-lo no comando do país com uma coalizão de esquerdas inédita em 40 anos de democracia.

Costa, ex-prefeito de Lisboa, tem a intenção de apresentar uma moção de censura contra o governo na terça-feira, quando terminar o debate sobre o programa.

Caso esta moção prospere, o executivo, promotor de uma política de rigor fiscal muito impopular na legislatura passada, deverá se demitir onze dias depois de sua formação, tornando-se o mais efêmero na história de Portugal.

Diante desta perspectiva, Passos Coelho declarou que a política “irrealista” de um possível governo socialista poderia causar “a ruína de Portugal” e “ameaçar a recuperação das finanças públicas”, durante um debate parlamentar marcado por duras discussões entre direita e esquerda.

O secretário-geral do Partido Comunista, Jeronimo de Sousa, respondeu que a política de austeridade realizada pela direita desde 2011 “destruiu a vida de milhões de portugueses”.

Costa não deixou de repetir que um futuro governo dominado pelos socialistas respeitará as normas europeias, em um país que saiu em maio de 2014 de um plano de resgate financeiro de três anos, vinculado a um amplo pacote de recortes.

No entanto, o Bloco de Esquerda, que pede para renegociar a dívida, e o Partido Comunista, partidário de sair do euro, não dissimulam suas divergências com os socialistas, mais cuidadosos em não confrontar Bruxelas.

A vida de um governo de esquerda em Portugal “não será fácil”, reconheceu no domingo Catarina Martins, porta-voz do Bloco de Esquerda, vinculado à coalizão Syriza, no poder na Grécia.

“Estaremos expostos a uma pressão enorme de parte de uma Europa dependente na causa da austeridade e dos grandes grupos financeiros internacionais”, advertiu.

A esquerda portuguesa quer relançar a economia aumentando a renda dos portugueses, pondo fim aos recortes nos salários dos funcionários em 2016, descongelando as pensões ou aumentando o salário mínimo de 505 a 530 euros mensais.

Com isto, confia em melhorar a atividade e como consequência as finanças públicas, um âmbito no qual o PS espera rebaixar o déficit público a 2,8% do PIB em 2016. Ao mesmo tempo, os socialistas defendem uma leitura “mais inteligente e flexível” das normas fiscais europeias, que propõem um déficit inferior a 3% e uma dívida pública limitada a 60% do PIB.

O programa de esquerda suscita preocupação no mundo das finanças. “Portugal não deve dar marcha a ré e se tornar a Cuba da Europa”, adverte Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

“Unida em sua oposição ao atual governo, a aliança de esquerda não parece duradoura” devido às divergências entre seus componentes, avaliam analistas do banco alemão Commerzbank.

Este temor dos mercados se traduziu em uma queda da bolsa de Lisboa, que fechou nesta segunda-feira com prejuízo de 4,05% e um aumento da taxa de juros dos bônus portugueses a 10 anos, que subiu para 2,83%, contra 2,68% na véspera.

O presidente conservador, Aníbal Cavaco Silva, se mostrou a princípio muito crítico a união de uma esquerda “incoerente”, que poderia, com suas políticas, provocar “consequências financeiras, econômicas e sociais graves”. No entanto, moderou seu discurso nos últimos dias.

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Esquerda francesa saúda acordo em Portugal

Do RTP Notícias

As principais forças políticas da esquerda em França saudaram hoje o acordo de governação alcançado em Portugal pelo Partido Socialista, Partido Comunista, Bloco de Esquerda e Partido Ecologista os Verdes, sublinhando a “alternativa à austeridade”.

“Esperamos que a esquerda unida possa encontrar uma alternativa política à austeridade e à política levada a cabo pelas forças conservadoras em Portugal”, disse à Lusa o secretário nacional do PS francês para a área internacional, Maurice Braud, acrescentando que o acordo “é muito positivo porque envia um sinal à Europa da necessidade de políticas que tomem em consideração a vontade do povo”.

Em comunicado de imprensa, os socialistas franceses apelaram ainda a “todos os partidos de esquerda na Europa para apoiarem a formação de um governo de esquerda em Portugal para sair da austeridade e encontrar um desenvolvimento solidário e sustentável”, argumentando que “ao ultrapassar as divisões históricas, as forças de esquerda de Portugal dão o exemplo”.

Também o Partido Comunista Francês (PCF) considerou que o acordo de esquerda em Portugal corresponde às “aspirações crescentes de mudança” na Europa.

“Saudamos a atitude responsável do PCP e do Bloco (de Esquerda) que assumiram posições charneira que permitiram criar condições para uma maioria durável baseada num programa anti-austeridade e felicitamo-nos que o PS tenha excluído a hipótese de se aliar à direita”, declarou à Lusa Anne Sabourin, responsável pelas questões europeias do PCF.

O `Parti de Gauche` (Partido de Esquerda) também considera que o acordo de esquerda em Portugal “poderá indiciar um início de mudança no socialismo europeu”,

Eric Coquerel, coordenador político do partido, disse à Lusa que “o povo votou contra a austeridade e agora é preciso ver se o programa da aliança está ao nível das esperanças populares. Nos últimos anos, os partidos socialistas têm-se adaptado à austeridade em vários países europeus. Agora, é preciso ver se esta aliança constitui, de facto, uma viragem à esquerda”, acrescentou.

Pelo partido ecologista Europe Écologie-Les Verts, o porta-voz Julien Bayou disse à Lusa que o acordo de esquerda em Portugal é “uma excelente notícia” que mostra que “há uma força pro-europeia de esquerda que vai poder começar o braço-de-ferro contra a austeridade”.

“Esperamos ser cada vez mais numerosos na Europa a recusar a austeridade que nos é imposta e que faz tão mal ao povo e à construção europeia. François Hollande tinha prometido renegociar o Tratado Europeu e não fez nada. Ontem foi a Grécia, hoje Portugal, amanhã será talvez a Espanha e esperemos que, em breve, seja a França a ter força para travar a austeridade”, concluiu.

 

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