Ser mulher no audiovisual

Por Lia Bianchini, repórter especial do Cafezinho

Vamos fazer um jogo rápido:

Diga-me quem é a pessoa que você mais admira no setor audiovisual. Mas não vale ser homem, nem branco.

Ficou mais difícil, né?

Isso porque a indústria audiovisual está entre aquelas com menor paridade de gênero e cor.

Em 2014, o Centro de Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema da San Diego State University lançou um relatório que aponta que mulheres foram diretoras de apenas 7% dos 250 maiores lançamentos do ano, roteiristas de 11% e produtoras de 23% dessas obras. O estudo não faz recorte de cor.

O problema, porém, não está só em Hollywood. Segundo a pesquisa “A cara do cinema nacional: perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos filmes brasileiros (2002-2012)”, no Brasil, as direções de cinema ficam por conta de apenas 13% das mulheres brancas e os roteiros, com 26% das mulheres brancas. No período analisado, não havia nenhuma mulher negra como diretora nem roteirista na lista de produções da Ancine. E a desigualdade de gênero e cor estende-se por todas as outras esferas que compõem o audiovisual, não só o cinema.

Um setor feito por homens brancos só pode significar obras feitas para homens brancos. As histórias contadas pelo meio audiovisual, sejam quais forem, produzem subjetividade e influenciam na percepção de vida da pessoa que as assistem. Há toda uma disputa de narrativa ignorada e sobrepujada pela hegemonia masculina branca no setor. Milhares de vozes e olhares femininos e negros são excluídos e apresentados às espectadoras e aos espectadores sob o véu da percepção masculina branca.

E não é apenas a narrativa e a representatividade em disputa. Outro grande problema está em quem são os homens que dominam o setor. Não são raros os episódios de atos machistas cometidos por diretores, roteiristas e demais homens ligados ao audiovisual.

No meio do ano, os cineastas Claudio Assis e Lírio Ferreira protagonizaram cenas vergonhosas de desrespeito ao papel da mulher no cinema, em um debate sobre o filme “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert.

Mais recentemente, Newton Cannito, ex-secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, resolveu expor sua opinião contrária às recentes campanhas feministas que têm tomado as redes sociais, chamando o movimento de “feminismo menininha”.

Diante desse cenário de desigualdade e das recentes manifestações descaradas de machismo vindas de homens que representam certa importância no audiovisual brasileiro, as mulheres profissionais do setor decidiram também tornar públicas suas vozes e rechaçar toda discriminação, opressão e sub-representação pelas quais vêm sofrendo.

Reproduzo abaixo a íntegra de carta elaborada por mulheres profissionais do audiovisual, que denunciam o machismo nas palavras de Newton Cannito e o que isso representa às mulheres do setor.

A carta conta com mais de 300 assinaturas. Você pode se unir às vozes dessas profissionais e assinar também.

Aos nossos colegas, trabalhadores e produtores do audiovisual, e a toda sociedade brasileira.

Em razão da recente declaração feita nas redes sociais, pelo ex-Secretário do Audiovisual, senhor Newton Cannito, nós, mulheres trabalhadoras do audiovisual no Brasil, vimos por meio desta repudiar veementemente o desrespeito com que a luta das mulheres por direitos iguais vem sendo tratada por parte dos nossos colegas.

Newton declarou publicamente:

“O feminismo menininha: o movimento feminista menininha se originou logo depois da campanha @meuprimeiroassedio. O principio do femnismo menininha é: como eu sou feminista posso falar mal de todos os homens que já me magoaram. Vou publicizar minha vida privada e dizer que isso é uma causa pública. Nada mais menininha. É o feminismo menininha! E cá entre nós me digam: amigas, será que fui longe demais? Me perdoem vai. @tocommedodemule”

Antes de mais nada, queremos esclarecer que não se trata aqui de apoiar ou não a campanha virtual “#meuamigosecreto”. Muitas de nós não aderiram à campanha. Muitas de nós questionamos o tom da campanha. Assim como muitas outras de nós aderiram e apoiaram.

Dito isso, esta carta repudia – não a concordância ou não a campanha em questão – e sim o tom jocoso e desrespeitoso, em comentário público, por parte daquele que é ex-Secretário do Audiovisual e presença constante em bancas avaliadoras e comitês de seleção de projetos em editais públicos.

Sabemos que o machismo vai muito além desse exemplo específico, e é sobre isso que estamos falando. Ele está incrustado no nosso meio, e muitas vezes em esferas decisivas de poder.

Propomos o exercício de se perguntar quantas mulheres roteiristas e diretoras lançam filmes no Brasil? Quantas mulheres negras roteiristas e diretoras lançam filmes no Brasil? Existe paridade de gênero e raça nas comissões selecionadoras? Existe paridade de gênero e raça na produção audiovisual brasileira?

O audiovisual é formador de estética, opinião e identidade cultural. A situação atual torna o homem branco o maior detentor da produção de cinema e televisão no Brasil. Dados da Ancine mostram que em 2014, apenas 9,6% dos filmes lançados em salas de cinema foram dirigidos por mulheres. Que tipo de identidade cultural estamos ajudando a construir quando o discurso tem sempre o mesmo olhar?

O movimento feminista luta por equidade de direitos e oportunidades na nossa sociedade. Seus caminhos, formas e propostas são variados e absolutamente passíveis de questionamento. Reflexões e ponderações são bem-vindas; comentários que visam humilhar, diminuir e silenciar o feminismo, não.

Por fim, acreditamos que quaisquer discordâncias dos métodos feministas devem ser expressas com o respeito, seriedade e compreensão da importância e história desta luta. E que obviamente o mais importante e urgente é questionar o machismo estrutural de nossa sociedade.

Nós gostaríamos de contar para isso com a contribuição comprometida de todas as mulheres e homens atuantes no Audiovisual Brasileiro.

Caso você deseje assinar esta carta acesse o link e assine virtualmente.

Lia Bianchini:
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