STF aderiu à sanha punitiva e ao Estado policialesco, dizem advogados

Brasília - Supremo Tribunal Federal (STF) julga como deve ser o rito de tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso Nacional (José Cruz/Agência Brasil)

Foto: José Cruz/Agência Brasil

por Brenno Grillo, no Conjur

A advocacia expôs nesta quinta-feira (25/2) a sua indignação com a decisão do Supremo Tribunal Federal que abriu precedente para prisão antes do trânsito em julgado. Durante três horas, grandes nomes da classe criticaram a corte em evento promovido na sede da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil para lançar um manifesto contra o entendimento.

As críticas apresentadas vão desde decisão “tecnicamente infantil” até “inaceitável e inconstitucional violência” aos preceitos fundamentais da Constituição Federal. Alguns ministros, principalmente os oriundos da advocacia, foram citados por advogados como exemplo de decepção em relação à sentença proferida na semana passada.

A cada fala, uma forte salva de palmas marcava a resposta do público às palavras dos discursantes, que reafirmavam a necessidade de a advocacia assumir as rédeas da situação e mostrar sua resistência frente à atitude da corte. Um dos presentes chegou a interromper o discurso do ex-presidente da OAB-SP João Roberto Egydio Piza Fontes para dizer que o Supremo “vomitou” o entendimento que tem sido tão questionado.

Em suas primeiras palavras, o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, afirmou estar surpreso com a mudança radical na visão garantista da corte e que, apesar de muitas conquistas da democracia brasileira terem partido do STF, ele repudia a decisão sobre o trânsito em julgado. “Está se consolidando um caminho perigoso em nossa democracia.”

Segundo Marcos da Costa, a decisão do STF mostrou que não há cláusula pétrea inafastável. Ele também destacou que a sentença apresentada causa estranheza porque o próprio Ministério Público não recorreu da sentença anterior que permitia ao réu recorrer em liberdade, mesmo com a condenação em segundo grau. Ressaltou ainda que, ao contrário de algumas informações veiculadas na mídia, o réu do caso analisado pelo Supremo não era rico, e sua defesa foi pro bono.

Ao ler trecho da decisão que condenou o réu, Marcos da Costa criticou o fato de a condenação em segundo grau ter sido baseada em citações genéricas, que buscam mais dar uma resposta à sociedade do que apresentar argumentos jurídicos sólidos. “O Supremo deve refletir sobre os riscos e caminhos que resolveu trilhar”, disse.

A busca em dar respostas à sociedade, que chegou até a ser citada nos votos de alguns ministros do Supremo, foi mencionada exaustivamente pelos advogados para mostrar o que eles consideram ser um absurdo. “Até as pedras da Praça dos Três Poderes sabem que não se deve ouvir os conselhos da voz das ruas”, afirmou Piza.

Já o conselheiro federal pela OAB-SP Luiz Flávio Borges D’Urso lembrou que a “voz das ruas já condenou Cristo e elevou o nazismo”. “Quem tem que ouvir a voz das ruas é o Congresso, o STF tem que ouvir a voz da Constituição.”

Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, foi mais longe e afirmou que apenas casos notórios, que destoam da realidade carcerária brasileira, são usados para justificar decisões como a tomada pelo STF. “Nossa massa carcerária não é formada por ‘lava jatos’, Abdelmassihs e Pimentas Neves […] O Supremo errou feio”, disse.

Para o presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), Carlos José, o Cajé, a pressão da opinião pública é o único fator que pode ser usado como explicação para a mudança repentina de entendimento do STF. “Raramente o Supremo comete um erro deste tamanho, e este foi catastrófico.” Ele também diz que o placar da votação no caso (7 a 4) mostra sinais de uma divisão na corte, opondo os garantistas e os que buscam mais efetividade.

Sanha punitiva e estado policialesco
Os advogados presentes no evento também foram unânimes ao afirmar que o STF cedeu à sanha punitiva que o Brasil tem apresentado nos últimos tempos e que está sendo formado um Estado policialesco. Para João Piza, esses acontecimentos e as atitudes resultantes desses atos exemplificam os tempos “sombrios e difíceis” vividos pela advocacia.

O presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Leonardo Sica, lembrou que o o STF sempre funcionou como freio da instabilidade política do país, mas com essa decisão a corte parece ter assimilado esse problema, que terá efeitos sobre o sistema de Justiça. “O Supremo abandonou sua função contramajoritária. Se for assim, podemos substituir os 11 ministros por 11 cidadãos.”

Leonardo Sica ressaltou ainda que os advogados têm sido xingados e chamados de defensores de bandidos. Seu desabafo foi, minutos depois, complementado por D’Urso: “É dever do advogado recorrer”.

O ex-presidente da OAB-SP Antônio Cláudio Mariz de Oliveira disse que a decisão do STF representa uma escalada vingativa e punitiva desejada pela população, que é um sintoma de fuga em relação aos índices de criminalidade. “Mais uma vez a ordem e as entidades representativas dos advogados se colocam na vanguarda [por contestarem o entendimento do STF].”

Ainda nesse sentido, o ex-presidente do Conselho Federal da OAB José Roberto Batochio lembrou que essa busca por justiçamento, defendida pela população, era uma forte marca em sociedades menos civilizadas. O advogado destacou também que a prisão depois da condenação de segunda instância piorará ainda mais o “dantesco” sistema carcerário brasileiro.

Batochio afirmou que o STF praticou “inaceitável e inconstitucional violência” ao alterar o entendimento relacionado à presunção de inocência e que a corte tem fugido de suas atribuições, passando a atuar como legislador. “Se não for para interpretar e unificar o Direito nacional, então para que servem? Somente para sua majestade […] Nenhuma força pode haver, nem a das armas, que substitua a Constituição”, disse.

D’Urso, ao também citar esse tema específico, afirmou que a decisão do Supremo “representa um retrocesso e um desastre humanitário” que se encontra “na contramão do Direito Penal mundial”. “Negar a presunção de inocência não é fechar a porta da impunidade, mas abrir a porta dos erros processuais. Precisa desenhar?”

Clique aqui para ler o manifesto.

 

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