Explicações para grampo de Lula e Dilma são sofismas. Por Marcelo Auler

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Ao dar posse a Lula na manhã desta quinta-feira, Dilma prometeu apurar em detalhes o grampo, que considerou ilegal, da conversa dela com o ex-presidente. Pode começar auditando o Guardião da Superintendência do DPF no Paraná

por Marcelo Auler, em seu blog

Quem conhece o sistema Guardião que a Polícia Federal usa para grampear telefones, não pode deixar de ver como um sofisma – argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, conforme o dicionário do Houaiss – as explicações do Departamento de Policia Federal (DPF), na tarde de quarta-feira (16/03), corroboradas pelo próprio juiz Sérgio Moro, na manhã desta quinta-feira(17/03), ao justificarem o grampo em uma ligação da presidente Dilma Rousseff para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ele foi feito 1 hora e 48 minutos após o delegado da PF Luciano Flores de Lima ter sido comunicado, pela secretária da 13ª Vara Federal, às 11:44, da decisão do juiz suspendendo o grampo. A conversa telefônica de Dilma e Lula ocorreu às 13:32. O delegado poderia ter evitado a gravação. mas não o fez.

Ao dar posse na manhã desta quinta-feira ao ex-presidente Lula como ministro chefe da Casa Civil e ao subprocurador Eugênio Aragão na condição de Ministro da Justiça, a presidente Dilma prometeu apurar detalhadamente este grampo.

“Não há justiça quando as garantias constitucionais da própria Presidência da República são violadas”, disse Dilma.  “Em que se pese o teor absolutamente republicano do diálogo que eu tive com o ex-presidente Lula, eles foram divulgados de forma publicizada”.

“Agora, estaremos avaliando com precisão as condições desse grampo que envolve a Presidência da República. Nós queremos saber quem o autorizou, por que o autorizou, e por que foi divulgado quando ele não continha nada que possa levantar qualquer suspeita. Interpretação desvirtuada, processos equívocos e investigações baseadas em grampos ilegais não favorecem a democracia nesse país”, afirmou Dilma. Um bom começo seria auditar o Guardião da Superintendência do DPF no Paraná, onde o grampo foi feito.Tanto o DPF como o juiz Moro justificaram o grampo com a demora entre a comunicação à operadora e a suspensão da interceptação pela mesma. No despacho assinado na manhã desta quinta-feira (18/03), Moro foi sucinto na questão sem entrar em detalhes: “Entre a decisão e a implementação da ordem junto às operadoras, colhido novo diálogo telefônico, às 13:32, juntado pela autoridade policial no evento 133″.

Já o DPF, na nota, emitida quarta-feira à tarde, expôs:.

Em referência à matéria “PF gravou Dilma e Lula após Moro interromper interceptação telefônica”, (publicada no portal da Folha) a Polícia Federal esclarece:

1 – A interrupção de interceptações telefônicas é realizada pelas próprias empresas de telefonia móvel;

2 – Após o recebimento de notificação da decisão judicial, a PF imediatamente comunicou a companhia telefônica;

3 – Até o cumprimento da decisão judicial pela companhia telefônica, foram interceptadas algumas ligações;

4 – Encerrado efetivamente o sinal pela companhia, foi elaborado o respectivo relatório e encaminhado ao juízo competente, a quem cabe decidir sobre a sua utilização no processo.

Delegado não suspendeu – Trata-se de uma meia verdade. Ou, “argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade”. Afinal, o Guardião trabalha com um sistema de ramais, isto é, possui uma central telefônica com sistema de Discagem Direta de Ramais (DDR). Nele, cada ramal é um canal de gravação e recebe dados de um aparelho interceptado. Isso permite que seu controlador, independentemente da operadora de telefonia, suspenda as gravações.

Ao receber o comunicado da 13ª Vara às 11:44, o delegado Flores de Lima poderia ter procurado o Coordenador Regional de Interceptação  de Sinais (CRIS) da Superintendência do DPF no Paraná – normalmente são dois agentes que dividem a tarefa em turnos, ambos subordinados à delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, chefe do Núcleo de Inteligência Policial (NIP) – para que eles programassem o computador que roda o sistema guardião de forma a não gravar mais do áudios enviados por aquele ramal/canal.

Em casos como este eu nem levaria em consideração a operadora. Sendo uma situação excepcional, a Autoridade poderia solicitar ao Coordenador do Guardião pra programar o sistema para não gravar mais nada, mesmo que a operadora ainda estivesse enviando o áudio para a DDR do Guardião”, explica um policial federal com experiência no caso.

Isto prova que o grampo feito depois de suspensa a ordem do juiz não foi por responsabilidade da Operadora, mas por falta de iniciativa do delegado que recebeu a ordem. Era o mesmo que esteve na casa de Lula para promover a condução coercitiva.

Flores de Lima – que é lotado na delegacia de Santa Cruz do Sul (RS) e está em Curitiba permutado com outro delegado do Paraná que cobre sua vaga no Sul, ambos recebendo diárias – já foi acusado por procuradores da República de vazar uma Operação que vinha sendo comandada pelo próprio procurador geral, Rodrigo Janot. Primeiro ele demorou a encaminhar o caso para o Supremo, embora envolvesse deputados federais. Depois, às vésperas das eleições de 2014, encaminhou diretamente ao ministro Teori Zavascki pedidos de prisão temporária contra parlamentares. Os pedidos foram para Janot que negou-os. Em seguida a operação vazou e tudo se perdeu, como informou o procurador Celso Três ao jornal Sul 21, em matéria de 23 de outubro de 2014: Procurador que investiga suspeita de fraude no Pronaf afirma que vazamento “acabou com a operação”.

Ele também foi alvo de representação  do Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul (SINPEF-RS) em 2011, por fazer promoção pessoal, em uma entrevista a uma revista gaúcha com o título”Luciano Flores de Lima, o ‘cara” da PF”. A denúncia acabou arquivada pela corregedoria segundo relata o Site 247 – “Delegado que coordenou ação contra Lula já foi denunciado pro promoção pessoal”.

Além da “falha” profissional de não  suspender a gravação, ele é criticado por seus colegas que lidam com este tipo de trabalho, por não ter encerrado seu relatório com o que foi captado até às 11h44min, sem incluir a gravação da conversa da presidente.

O juiz Moro também vem sendo criticado por ter dado divulgação ao grampo, embora nele apareça a presidente Dilma que tem direito a foro privilegiado, no Supremo. Disse que o fez, em nome do “saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal“.

Mesmo que ele não tenha grampeado a presidente da República, no momento em que a voz dela apareceu, juristas garantem que era seu dever respeitar as  limitações que a lei lhe impõe. Ou seja, agir como previsto na Constituição, deixando ao Supremo Tribunal Federal (STF) a análise do diálogo e a decisão sobre a sua divulgação. Afinal, como ele próprio admitiu no despacho da manhã desta quinta-feira (17/03) para rebater acusações da ilegalidade, caberá ao Supremo Tribunal Federal, quando receber o processo, decidir “definitivamente sobre essas questões”. Se ele reconhece que é ao STF que cabe decidir definitivamente, deveria preservar-se deixando aos ministros daquela corte a avaliação sobre a importância da fala e a conveniência de torná-la pública. Sua decisão, portanto, aparentemente teve motivação mais política do que jurídica, já que a divulgação pode até atrapalhar o processo, tornando a prova imprestável.

Ao justificar-se, ele recorreu  também a um exemplo norte-americano: “a circunstância do diálogo ter por interlocutor autoridade com foro privilegiado não altera o quadro, pois o interceptado era o investigado e não a autoridade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente. Ademais, nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido”.

Curiosamente, no Jornal das 10 da GloboNews de quarta-feira, o novo ministro da Justiça, o subprocurador da República Eugênio Aragão, usou do mesmo fato – encontro fortuito de provas – para indicar caminho inverso. Ao descobrir o possível envolvimento  da presidente deveria ser imediatamente remetido para a análise do Supremo e do Procurador Geral da República.

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