Porque a Direita fracassou e o que pode fazer para vencer. Por Osame Kinouchi

Brasília - O presidente interino Michel Temer durante cerimônia de posse aos novos ministros de seu governo, no Palácio do Planalto. À esquerda, o senador Aécio Neves (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

por Osame Kinouchi, especial para o Cafezinho

A Direita fracassou nas eleições de 2014. E não foram por poucos votos. Os votos da Direita só alcançaram um número perto de 50% por causa dos votos de Marina, que em última hora recomendou votar em Aécio. Só tem um problema: Marina não é de direita.

Mas o PSDB também não é de Direita, vamos reconhecer. Sua proposta original, que está em seu nome, é a Social Democracia com Welfare State, não os livres mercados desregulados que nos trouxeram a crise mundial de 2008. E também não é um partido que defende uma moral conservadora, dado que seu ícone maior, Fernando Henrique Cardoso, defende a descriminalização do aborto e da maconha, e mesmo a integração acolhedora de filhos ilegítimos em favor da família brasileira.

Assim, se contabilizarmos os votos reais para a Direita, veremos que é uma parcela minoritária da sociedade, talvez 30% do eleitorado. O resto é constituído de liberais econômicos (que, se forem também liberais em moralidade, não são exatamente Direita) ou Marinistas. Com essa base social não dá para ganhar eleição majoritária, e isso explica o fracasso das quatro últimas eleições presidenciais.

Neste texto analisarei os símbolos e metáforas usados pela Direita e pelos Liberais e em que medida tais elementos de discurso são prejudiciais tanto à causa do Conservadorismo quanto à causa do Liberalismo. Esta análise é feita a partir da Teoria das Metáforas Cognitivas de Lakoff e Johnson, que sugere que existe ampla correlação entre as metáforas usadas por uma pessoa e sua ideologia política.

Símbolos e metáforas são poderosos meios de comunicação por veicularem ideias de forma inconsciente, formando associações, teias conceituais, paradigmas. Se uma pessoa ou político faz alusão à sociedade como um todo orgânico (“não há, ou não deveria haver, luta de classes nem interesses em conflito no Brasil” etc.), se ele diz que cada brasileiro é membro de uma grande família, de um grande corpo social, se usa símbolos da Pátria, teremos uma versão do Organicismo, onde cada pessoa é uma célula que deve viver para manter o equilíbrio da sociedade e os que questionam a sociedade atual seriam células cancerosas. Se, por outro lado, a pessoa se refere à sociedade como uma grande máquina (mecanismos de mercado, movimentos sociais, equilíbrio de forças políticas, pressão da opinião pública, temperatura das ruas etc.), isso reflete uma ideologia Mecanicista e seu repertório conceitual se restringe à Termodinâmica de Máquinas a Vapor do século XIX, nem mesmo chegando às metáforas mais modernas de sociedade como grande computador distribuído em nuvem, rede neural artificial ou sistema dinâmico com avalanches socio-históricas de todos os tamanhos e criticalidade auto-organizada (Self-organized Criticality ou SOC).

Voltemos ao que interessa: como mudar o discurso da Direita e dos Liberais (que chamarei de D&L), para angariar mais votos em 2018, ou antes, se a tese das Diretas Já! vingar? Como fazer para que as metáforas e símbolos usados pela D&L não a prejudiquem tanto a ponto de se perder sucessivamente as eleições? Lembremos que, se a eleição presidencial fosse hoje, estariam no segundo turno Marina e Lula, com certos candidatos do PSDB abaixo de Bolsonaro. Urge portanto repensar o discurso, os símbolos, as metáforas políticas, pois são estes os fatores decisivos para se angariar corações e mentes. Faço a seguir algumas sugestões e recomendações para os meus amigos Liberais e de Direita:

A D&L precisa se descolar do rótulo de partido dos homens brancos ricos do Sul/Sudeste

Para isso sugiro que os partidos de D&L aumentem o número de seus candidatos mulheres e negros e os apoiem o suficiente para sejam eleitos. Precisam também fortalecer os programas sociais e os investimentos no Nordeste, coibindo entre seus partidários o preconceito contra nordestinos e negros nas redes sociais. Se no pós-eleição apareceu revolta e ódio dos sulistas contras os nordestinos, “vagabundos que não trabalham pois vivem do Bolsa Família e sempre votam no PT”, esse ódio deve ser disciplinado e mesmo reprimido no discurso da D&L.  Se a FIESP distribuiu marmita com filé para os participantes do ato na Paulista a favor do Impeachment, o que impede a D+L de financiar a periferia a participar dos protestos, quem sabe com passes de ônibus e pão com mortadela? Isso calaria a boca das esquerdas de que as pessoas na Paulista eram 98% brancas da classe A e B que não votaram em Dilma. A D&L  precisa cair na realidade e entender que as pessoas da periferia não têm dinheiro sobrando para ir para a Paulista de metrô, não tem nem dinheiro para comprar um pão com mortadela. Se a FIESP tivesse feito isso, como fez com as marmitas, seria possível conseguir pelo menos 10% de negros pobres na passeata da Paulista, se não mais.

A D&L precisa se descolar dos religiosos fundamentalistas

Se os votos de evangélicos foi fundamental para Aécio em 2014, lembremos que parte deles vieram de Marina. Os religiosos que apoiaram Aécio ou o pastor Everaldo no primeiro turno são anti-Marina e fundamentalistas (sejam evangélicos, católicos ou espíritas). Ora, ao escolher os fundamentalistas como sua base religiosa, em vez dos religiosos moderados, a D&L obtém mais prejuízos do que lucro, pois afasta (ou pelo menos constrange) as classes A e B, que em geral são mais laicas ou pelo menos não são fundamentalistas. O apoio dos extremistas religiosos afasta também os cientistas (que temem a ascensão do Criacionismo nas escolas), dos intelectuais, dos artistas, dos jovens universitários etc., cujo peso não deve ser subestimado: eles são formadores de opinião importantes nas redes ssociais, especialmente em uma eleição polarizada como será a de 2018.

O movimento feminista não pode ser monopólio da Esquerda

O movimento feminista não pode ser monopólio das Esquerda. A D&L deve contrastar, em relação ao feminismo esquerdista, um novo feminismo liberal, onde as mulheres não são recatadas e do lar, mas sim profissionais conceituadas (CEOs, gerentes, empreendedoras) altamente recompensadas dentro do sistema capitalista, e que podem inclusive ser belas. Os liberais precisam apoiar as mulheres modernas, emancipadas, feministas, de forma clara e explícita, pois elas são a maioria de seu eleitorado nas classes A e B. As mulheres não são monopólio da Esquerda.

O Movimento LGBT não pode ser monopólio da Esquerda

O apoio da direita religiosa conservadora ao projeto da D&L é necessário, pelo menos no sentido de agregação de votos no eleitorado e na Câmara. Não dá para governar sem a bancada evangélica, como bem demonstrou a votação do Impeachmment. Mas, em termos de Liberalismo político, que prega a liberdade e autodeterminação individual, não tem sentido encampar ou se tornar refém de propostas da religiosidade conservadora. Grande parte do movimento LGBT é comandado, e encontra simpatia, nos extratos superiores da sociedade, nas classes A e B, que são a base natural de apoio da D&L. Não convém alienar esses votos, que podem ser decisivos para que o candidato da D&L alcance o segundo turno. Sugiro que os líderes liberais, e mesmo conservadores, tentem arrefecer os ânimos da histeria homofóbica que tem tomado conta do Congresso que os apóia. Seria impensável FHC, Ruth Cardoso, Mario Covas, Serra ou Aécio, se posicionarem contra o movimento LGBT (a exceção é Alckmin, ligado à TFP). Então, que este apóio à causa LGBT se torne público e explicito, a fim de impedir que este movimento seja co-optado pelo PT e PSOL. Os gays não são monopólio da Esquerda!

O Movimento Negro não pode ser monopólio da Esquerda

No Brasil começa a surgir uma classe média negra, cujos interesses políticos e econômicos já não coincidem com a classe C e D negra. Um exemplo é Joaquim Barbosa, mas existem vários outros, com potencial para carregar votos para o PSDB, como Pelé e outros jogadores negros de futebol que enriqueceram rapidamente e são hoje empresários. Mas a D&L precisa usar isso de forma mais inteligente, precisa criar um eleitorado negro de classe média-alta, como nos EUA, onde existem inúmeros negros conservadores que votam no Partido Republicano. A D&L precisa incorporar a simbologia do Black is Beautifiul, que já foi incorporado nas campanhas de marketing (até pela Coca-Cola!) que visam atingir o consumidor negro. Isso já acontece, pois temos limusines negras, SUVs negras, Camaros negros. Valorizar expressões como Diamante Negro (algo muito raro e precioso), Buraco Negro (algo muito poderoso) e Quadro-negro (base da educação brasileira). Valorizar Nick Fury, Pantera-Negra, Falcão, War Machine, Luke Cage e mesmo a Viuva-negra (pelo simbolismo que associa o negro com o belo e o eficiente). Não ficar apenas curtindo o militar patriota Capitão América, o loiríssimo ariano Thor e o bilionário playboy vendedor de armas Toni Stark. Talvez valorizar a capa e o automóvel negros do milionário Bruce Wayne. A cor negra não é monopólio da Esquerda!

Os sem-religião, os agnósticos e os ateus não podem ser monopólio da Esquerda. Embora em termos históricos a Direita tem recebido intenso apoio da Direita Religiosa, não existe nenhum vínculo profundo, conceitual, entre ser religioso e ser Liberal econômico.  Um exemplo concreto é, novamente, o ateu FHC e os cientistas/filósofos ateus que apóiam o liberalismo econômico como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens. Mesmo o conservadorismo político não precisa ser religioso, como bem exemplifica o anti-socialista Nietszche, que considerava a cultura judaico-cristã, com sua utopia social descrita no Velho Testamento, como a fonte de todos os males modernos tais como o Iluminismo, o Feminismo, o Socialismo, o Comunismo e Anarquismo. Na Terra Prometida pelo Deus da Bíblia não existem latifúndios, nobres ou ricos. Para combater na raiz essa cultura igualitária Nietszche cunhou a frase: “Deus está morto”. No fundo, o Deus judaico e o Deus de Jesus Cristo não está do lado da D&L. Logo, a excessiva citação e reverência a símbolos e metáforas bíblicas não interessa ao Liberalismo, pois introduz ideias de igualdade e fraternidade que minam o capitalismo, basta ver a Doutrina Social da Igreja Católica, que é tudo menos liberal-capitalista. O apoio da religião para a Direita deveria ser minimizado, pois o Ateísmo (liberal e moderno) não é monopólio da Esquerda.

A Reforma Agrária não pode ser monopólio da Esquerda

Uma extensa reforma agrária como a que foi feita na Nova Zelândia não apenas efetivou uma grande distribuição de renda e poder mas implantou um sistema de cooperativas eficiente, produtivo e de alta tecnologia. A Nova Zelândia é o maior produtor de produtos lácteos e carne ovina e quinto maior produtor de carne bovina do mundo. Isso para um país com quatro milhões de habitantes! Assim, a D&L não precisa temer a reforma agrária, pois uma boa reforma agrária com fortes cooperativas representa o verdadeiro empreendedorismo capitalista, a verdadeira essência e realização da propriedade privada no campo. Propriedade de poucos e latifúndio não é capitalismo, é feudalismo. Fazer uma reforma agrária com forte cooperativismo nos moldes da Nova Zelândia deveria ser uma bandeira da bancada ruralista se ela fosse realmente capitalista. Justamente por causa de sua reforma agrária, que deu terras principalmente aos brancos evangélicos do interior, a Nova Zelândia é um dos países onde a Direita prospera (e mesmo a Extrema-direita). Reforma agrária não é monopólio da Esquerda.

O Ambientalismo não pode ser monopólio da Esquerda

Verde não é vermelho (sangue), mas também não é amarelo (ouro). O simbolismo do verde precisa ser resgatado pela D&L, mas não na forma do verde-amarelo (das casas de Bragança e Habsburgos, ou da CBF). Devemos incorporar e disseminar a ideia de que o verde da bandeira simboliza as nossas matas, a Amazônia, as terras indígenas. Devemos proteger nossas matas por serem preciosa fonte de capital natural e de potenciais patentes na área de farmacologia. O Turismo verde também é fonte de divisas, e a D&L precisa defender investimentos nessa área, quem sabe com resorts-casinos em terras indígenas que geram muito lucro, à exemplo dos EUA (essa proposta tirará o monopólio do apoio indígena às esquerdas e aos missionários da Teologia da Libertação). Finalmente, o ambientalismo liberal enxerga as oportunidades de mercado para inovação e desenvolvimento de novas tecnologias energéticas e da competição em projetos ambientais privados. O carro elétrico da TESLA é o verdadeiro produto do futuro, um avanço tecnológico que deixa os dinossauros do petróleo para trás. Nada mais natural do que se implantar fábricas de carros elétricos num país com grande potencial hidroelétrico como o Brasil. Além disso, precisamos romper as barreiras comerciais do primeiro mundo aos produtos brasileiros e isso só pode ser feito com legislação ambientalista mais rigorosa. Se defendermos isso, uma parcela dos votos de Marina migrará para a D&L. Ambientalismo não é monopólio da Esquerda!

Pela lista de símbolos, metáforas e propostas que analisei, fica claro que a Direita, os conservadores e os liberais precisam de uma urgente renovação de seu discurso e uma concreta reavaliação de suas alianças de extrema-direita. O apoio da extrema-direita pode parecer eleitoralmente importante, mas sua aliança é fatal: Hindemburg não deveria ter subestimado Hitler. Além disso, existe incompatibilidade lógica, política e mesmo econômica entre extrema-direita e liberalismo: o nacionalismo da direita não se articula com o cosmopolitismo e a globalização liberal. Será que precisamos lembrar dos empresários e banqueiros judeus perseguidos, mortos pela extrema-direita na Alemanha, talvez não por serem primariamente judeus mas sim por serem representantes do Liberalismo econômico capitaneado pela Inglaterra? Para Hitler, o judeu é um parasita social porque vive dos juros e da renda capitalista. Quantos liberais judeus brasileiros e seus colegas  capitalistas participantes de empresas multinacionais sobreviveriam nos tempos de Hitler? Poucos, eu acredito. Mas, se é assim, porque a Direita e os liberais brasileiros deveriam se aliar à Bolsonaro?

Osame  Kinouchi é Professor Associado (Livre-docente) do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo

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