Por Leonardo Miazzo, editor geral do Cafezinho
Um dos legados deste golpe de Estado em marcha no Brasil é, sem dúvida, a didática e irrefutável explicação sobre o que significa o termo “jornalismo chapa-branca”. Nem pesquisas de opinião sobre o governo Temer têm sido encomendadas pelos grandes veículos, o que, na prática, apenas confirma que a gestão golpista é natimorta.
Mas a grande mídia, capitaneada pela Globo, continua tentando. Aliás, parabéns a ela, que, mais cedo ou mais tarde, morrerá abraçada a Temer. A mais recente demonstração desse tipo de jornalismo foi a entrevista concedida pelo ministro interino da Cultura, Marcelo Calero, ao jornal O Globo.
A falta de capacidade do ministro é de dar pena, mas há algo mais. Ele chegou ao ponto de criticar os protestos contra o golpe feitos durante o Festival de Cannes pela equipe do filme Aquarius – tanto por artistas, quanto pelo diretor, o cineasta Kléber Mendonça. Aspas para Calero – e prepare o estômago:
“Eu acho muito ruim. Como qualquer manifestação, tem que ser respeitada, isso está fora de questionamento. Agora, acho ruim, em nome de um posicionamento político pessoal, causar prejuízos à reputação e à imagem do Brasil”.
Ou seja: não é a tentativa de golpe contra uma presidenta democraticamente eleita que arranha a imagem do Brasil; o que destrói a credibilidade do país não é o “grande acordo nacional”, envolvendo políticos e juízes, para levar ao poder aqueles que não têm voto; o que causa choque na comunidade nternacional não é nada disso. Imagine…
Mas Calero continua:
“Estão comprometendo (a imagem do país) em nome de uma tese política, e isso é ruim. Eu acho até um pouco totalitário, porque você quer pretender que aquela sua visão específica realmente cobre a imagem de um país inteiro. Eu acho que a democracia precisa ser respeitada e acho que é um desrespeito falar em golpe de Estado com aqueles que viveram o golpe realmente, o de 64”.
Se havia algum resquício de noção do ridículo, ele foi pelo ralo. De novo, o ministro insiste na tese de que a denúncia do golpe compromete a imagem do país. Talvez ele não esteja bem informado – ou, a exemplo do chanceler José Serra, que disse desconhecer a agência de espionagem dos EUA -, esteja apenas demonstrando a sua ignorância em relação ao que acontece no resto do mundo. A cada dia, mais e mais veículos internacionais denunciam o golpe no Brasil e escancaram a conspiração jurídico-midiática em curso no país.
Dar palanque a esse tipo de declaração, sem a devida contextualização e a obrigatória apresentação do contraditório, apenas confirma aquilo que sempre dissemos: imprensa chapa-branca é, na verdade, aquela que se veste de imprensa imparcial. Aquela que, supostamente, tem o monopólio da credibilidade. Aquela que tenta – e consegue – interferir e ditar o ritmo da política. Que transforma julgamentos em espetáculos, que utiliza delações premiadas como cenas de novelas, que abandona todo e qualquer preceito ético em detrimento da manutenção de seu status quo.
Mas, enquanto houver esse espetáculo grotesco, aqui estaremos. Resistindo e denunciando.
Como os artistas fizeram em Cannes.