Corruptos golpistas tentam pôr freio à ditadura judicial

Francamente, não sei o que é pior:

  • se é o autoritarismo enlouquecido de Rodrigo Janot, cujo pedido de prisão dos senadores, agora ficou bem claro, foi baseado puramente em seus delírios de absolutismo político, tentando criminalizar o governo Temer não pelos motivos certos, pelo golpe, pela conspiração (até porque ele, Janot, também participou da conspiração), mas porque Temer “deu cargos ao PSDB” e formou uma base política forte para – supostamente – “barrar a Lava Jato”.
  • ou se é a corrupção devastadora do núcleo duro do governo Temer, formado por todos esses ratos assustados que conspiraram pelo golpe achando que, se obedecessem aos sinais dados pela Globo, seriam poupados.

Ambos são faces da mesma moeda. O autoritarismo gera corrupção, e a corrupção gera o autoritarismo. É uma disputa entre golpistas pelos espólios da democracia.

Houve, de fato, a delação bombástica de Sergio Machado contra o trio maravilha, mas delação virou capim na Lava Jato. Tem delação para todo lado. Há as delações confiáveis, as não confiáveis,  verdades, mentiras e contradições. O que vale, portanto, são provas materiais, como as que o Ministério Público (suíço, é claro) encontrou contra Eduardo Cunha. Cunha, por exemplo, já foi delatado umas vinte vezes, Aécio outras vinte, e não deu em nada.

O pedido de prisão de Janot, porém, não se baseava nas delações de roubos delatados por Sergio Machado, que ainda precisam ser provados, e sim na revelação de que o governo Temer se articulava para mudar a lei da delação premiada, proibir a execução provisória da sentença penal e a alterar o regramento dos acordos de leniência.

Ou seja, Janot queria prender os senadores pelas únicas coisas boas que eles pretendiam fazer. Iria beneficiá-los pessoalmente? Talvez. Não necessariamente, visto o risco que correram, inclusive de serem presos, ao discutirem estes assuntos. De qualquer forma, mudanças legislativas se avaliam por seu mérito universal, independentemente se beneficiam um ou outro.

É assim que funciona a política.

A truculência descontrolada de Janot, pedindo a prisão de senadores com base num grampo imoral, no qual  se descobre que os senadores pretendiam pôr um freio nas conspirações da PGR, prova que o golpe veio mesmo das castas burocráticas, que agora reagem horrorizadas ao observar que aqueles ratinhos corruptos de laboratório (os políticos), que elas achavam ter manipulado tão bem, se articulavam para fugir juntos da gaiola. Literalmente.

Aliás, se Janot fosse valente mesmo, se quisesse fazer um pedido coerente com suas convicções demonstradas em seus comentários sobre Renan e demais senadores, ele deveria pedir também a prisão de Michel Temer; sim, porque o pedido se baseia principalmente na acusação de que o governo Temer, com participação direta do presidente, pretendia barrar a Lava Jato, e menciona especificamente as nomeações feitas pelo presidente interino.

Repetindo: o pedido de Janor está incompleto: de seu raciocínio infere-se necessariamente que ele deveria ter pedido também a prisão de Michel Temer, presidente interino!

As opiniões oficiais de Janot foram expostas num dos documentos divulgados hoje pelo ministro Teori Zavaski, mais especificamente a Ação Cautelar 4.174, que transcreve o pedido de prisão dos senadores, formulado pelo Procurador Geral da República.

O documento pode ser visto aqui, em Slide Share:
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Os trechos que chamam a atenção, e que foram mais reproduzidos na imprensa, são esses:

Ora, mudar a legislação é a função dos… legisladores, independente se isso agrada o Ministério Público ou não.  O trecho que aborda o STF e um suposto acordo entre o tribunal e o governo Temer é esquizofrênico por parte do PGR. Porque o acordo com o STF foi feito, inclusive com o PGR, mas não foi para barrar a Lava Jato, operação que, aliás, cometeu todas as violações possíveis – inclusive a mais infame de todas, que foi grampear a presidenta da república – e nunca foi incomodada. O acordo feito entre o grupo de Temer, a PGR e o STF foi para levar adiante o golpe. Não houvesse tido esse acordo (mesmo que tácito, ele existiu) , o STF teria  afastado Cunha muito antes, teria permitido a nomeação de Lula para o ministério, barrado a votação do impeachment.

Mil coisas poderiam ter sido feitas para se barrar o golpe. Mas o grupo de Temer, PGR e STF agiam como se tivessem, de fato, feito um grande acordão.

O ódio do PGR se dá porque ele descobriu que o núcleo parlamentar do governo Temer estava prestes a lhe trair, rompendo o acordo, fazendo mudanças legislativas que, na prática, reduzirão o poder do Ministério Público e do Judiciário, ampliando o poder executivo.

É uma dessas contradições maravilhosas da história. Mesmo após o golpe, a democracia reage ao arbítrio, por causa de sua característica própria de procurar pôr freios a todo poder excessivo, e o poder das castas burocráticas, lideradas por seus dois braços armados, MPF e Judiciário, se tornou excessivo, com uma profundamente antidemocrática tendência à conspiração. Qualquer Executivo, mesmo um Executivo golpista como o de Michel Temer, procurará, mesmo que por motivos aparentemente egoístas, pôr um freio nesses excessos. O sistema procura a estabilidade, e o poder excessivo das castas é desestabilizador.

O que Temer procurou fazer às escuras, de maneira pouco republicana, em conversas sinistras de bastidores, o governo Dilma deveria ter feito às claras, que é pôr um freio nas conspirações do Ministério Público e nos arbítrios do Judiciário.

O Brasil possui uma Constituição, que tem de ser respeitada. Segundo a nossa Constituição, não se pode torturar ninguém para se obter delação (e prisão preventiva excessiva é tortura); o cidadão tem direito a presunção da inocência, portanto não deveria ser preso antes da condenação em última instância, e não deveria, jamais, sofrer prisão preventiva desnecessária ou fútil; as empresas têm função social, então não deveriam, nunca, serem destruídas para satisfazer a sanha do inspetor Javert; a condução coercitiva deveria ser proibida e tratada como abuso ilegal; e a grampolândia sem limites instituída pela Lava Jato deveria ser severamente coibida, porque a invasão de privacidade promovida por um Estado policial esteriliza a política e mata a liberdade.

Se Dilma e seu ministro da Justiça tivessem tido mais sensibilidade política e criassem um debate sério, crítico, sobre os abusos da Lava Jato – abusos esses que foram em grande parte originados de um cálculo político astutamente pensado para gerar o clima de golpe -, a história teria sido outra.

Existe muita corrupção no Brasil e as instituições precisam combatê-la, mas o método autoritário escolhido pela Lava Jato só tem levado a aumentar o poder dos corruptos. E vai continuar aumentando. Corrupção se combate com democracia, ou seja, com transparência, garantias individuais, respeito à ampla defesa no processo penal, e, sobretudo, respeito ao voto.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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