Teologia da prosperidade: o fim da igreja

Por Eder Casagrande, colunista de religião do Cafezinho

Domingo de manhã. Céu azul. Depois de duas conduções José chega a seu destino. Atrasado, encontra um lugar vazio e senta-se. – Que parte que tá?, pergunta ao amigo do lado. – Começou falar agora pouco, respondeu-lhe baixinho. O lugar está lotado. Só um desavisado faltaria hoje. Corria o olhar pela igreja. Coração batia forte. Se acomodou na cadeira apoiando suas coisas no colo. Fixou o olhar na frente, onde falava o pastor.

Os dizeres “Sê tu uma benção”, projetados no telão do púlpito, davam o tom do culto. O pastor, homem alto e robusto, exibia uma pele bem cuidada e dentes fortes. Demonstrava, pelo vigor físico e a disposição em caminhar de um lado pro outro enquanto falava, que o café da manhã fora farto. Mas seu jeito simples de falar, recheado de jargões e expressões populares, aproximava-o da mentalidade do povo, incluindo José. – Oh meu fio, tá pensando que eu estudei? Tá pensando que meu paizinho e minha mãezinha tinha grana? Não, amados! Tudo que eu conquistei foi Deus que me deu através da igreja. Com muito choro, muita oração. Toda vez que eu pensava em desistir, que..que eu falava pra Deus que não ia suportar, a oração da igreja me dava força e eu seguia minha remada. Porque Deus me fez uma promessa, que se eu fosse firme e fiel, eu ficaria por cabeça e não por cauda. Deus é bão irmão! Deus é bão irmã! Acredita na promessa do Pai. Cadê o demônio agora?, concluiu em tom irônico, arrancando risadas e glorificações da multidão.

Com os olhos ligeiramente marejados, José exprimia “améns” e suspirava, crendo que a pregação era dirigida exclusivamente a ele. Entre aleluias e labachéias vindas do povo, prosseguia o pastor. “Você tem acompanhado em nossa igreja, milagres, curas, prosperidade, gente que prosperou, gente curada das drogas…e o passaporte “sê tu uma benção” é uma espécie de carnezinho que as pessoas vão receber em casa, e todos que tomarem posse, todos que abrirem o coração e abraçar essa causa, vão ter passe livre. Você vai ter direitos porque Deus vai te dar vitórias, porque não é pra mim, não é pra homem algum. Têm dois números de conta nesse carnezinho, Banco do Brasil e Bradesco, e ambas as contas são da igreja, em nome da igreja, recursos para a igreja. Esse carnezinho você vai receber em casa ou em uma de nossas igrejas, e diferentemente dos demais você vai ajudar diretamente na conta da igreja, só pode depositar direto na conta da igreja. O valor é de 70 reais, é uma oferta simbólica…e você que ama a obra de Deus, ama a Deus, ama às pessoas, você que ama o próximo e vê o resultado que essa obra tem proporcionado, as transformações de vidas, você vai participar dessa campanha. No momento em que você tocar no carnê, será abençoado, tá determinado”, concluiu. Abriu a bíblia e pregou Eclesiastes capítulo 11, verso 1: “Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás”.

Testemunhos de cura e prosperidade financeira, e louvores pra dispensar à multidão comovida, completaram a manhã.

José despediu-se dos amigos, pegou seu carnê da benção com 12 parcelas de 70 reais cada, e dirigiu-se ao ponto de ônibus. Ainda esperava a condução quando viu o pastor indo embora em seu carro importado. Abençoou-o com uma oração pequena.

Embora não perceba, José é tratado como um “medonho herege”, e queima na “fogueira” da farsa, que é a teologia da prosperidade, todos os dias. Seus inquisidores, quase todos de origem simples, enxergaram na igreja o melhor negócio de suas vidas. Mas não fora apresentado a José as raízes históricas da teologia da prosperidade. Ele não conhece seus criadores e divulgadores, como Essek W. Kenyon e Kenneth Hagin, não discerne a elaboração intelectual que procura transformar os ensinamentos de Jesus e da igreja dos apóstolos em uma visão antropocêntrica, onde não é o homem que serve a Deus, mas Deus que serve ao homem. Não lhe ocorre, ou não lhe é fator impeditivo, que sua relação de cliente em busca de um serviço, mantida com a igreja e com o pastor, descaracteriza a essência da fé que professa. Mas o Macedo (a quem ele chama de bispo), o Valdomiro Santiago (a quem ele chama de apóstolo) e o R. R. Soares, ele conhece muito bem e os tem em estima.

“Essa igreja com “i” minúsculo, esvaziada de Evangelho e de uma espiritualidade sadia, nada tem a ver com a definição de Igreja (com “I” maiúsculo) encontrada no Novo Testamento – que é o encontro com Deus e uns com os outros em torno do Nome de Jesus e em acordo de fé com o Evangelho, o que faz de todo Encontro Humano, em fé, um encontro-igreja” (CAIO FÁBIO, 2005, glossário).

José desce do ônibus, cumprimenta Dona Maria, sua vizinha, e entra em casa. Sua mulher e seus dois filhos o esperam pro almoço. Empolgado, mostra o carnê pra mulher e diz que a benção está decretada. Ela sorri enquanto prepara o prato das crianças, nos dois cômodos de sua casinha.

 

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Eder Casagrande:
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