Exclusivo! Lula: “estamos vivendo um estado de exceção”

Espresso Político  – Coluna Diária do Editor – 28/07/2016

Lula: O Brasil vive um estado de exceção

Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho

O Cafezinho tem a honra de publicar, em primeira mão no Brasil, uma entrevista exclusiva de Wellignton Calasans, correspondente do blog na Suécia, e comentarista de política internacional para rádios africanas, com o ex-presidente Lula.

O que vemos é um Lula extremamente sensível às questões geopolíticas envolvendo o Brasil e consciente das brutalidades judiciais crescentes que se levantam contra sua pessoa, brutalidades que expressam o medo das elites reacionárias de que o povo escolha novamente um programa de governo que privilegie os mais pobres e tenha como norte uma postura internacional soberana.

Lula, todavia, se mostra bastante convicto de que ainda é uma figura política necessária ao cenário eleitoral de 2018, e afirma que continua aprendendo com a vida. “Pode ficar certo que se eu tiver que voltar, eu voltarei muito melhor do que eu fui”, assegurou ao jornalista Welligton Calasans.

O presidente lamenta o viralatismo do governo golpista, tentando fazer o Brasil retomar a postura colonizada e subalterna que manteve durante séculos, e que foi um dos fatores responsáveis por nosso subdesenvolvimento. E sugere responsabilidade aos golpistas quando pensarem os Brics, que nunca foi, segundo Lula, uma estratégia para se afastar diplomaticamente das nações ricas, mas uma maneira de fortalecermos os países em desenvolvimento e trazermos mais estabilidade econômica e política ao mundo.

Lula denunciou ainda o “Estado de Exceção” vivido no Brasil, com judiciário, ministério público e polícia federal agindo em conluio com uma “imprensa autoritária”, rasgando a Constituição e envergonhando o Brasil lá fora.

O golpe travestido de impeachment e a perseguição judicial a si e a seu partido são a expressão mais concreta desse Estado de Exceção.

O presidente observou que a “elite brasileira não sabe viver democraticamente numa sociedade em que ela não governe”.

É importante lembrar que hoje, diante da perseguição ilegal e antidemocrática que vem sofrendo das castas burocráticas, Lula entrou com uma ação-denúncia nas Nações Unidas.

Trecho da entrevista:

(…) nós temos um comportamento autoritário da imprensa brasileira, nós temos um comportamento equivocado de setores do Ministério Público Brasileiro, nós temos um estado de exceção com o comportamento da própria Polícia Federal, então nós estamos vivendo uma coisa nova no Brasil. Você sabe, o Brasil tem uma democracia muito nova. Ou seja, se nós pegarmos a indicação do Sarney pelo colégio eleitoral depois da morte do Tancredo Neves, 1985, nós temos 31 anos de democracia; se a gente pegar dia 5 de outubro de 1988, quando foi aprovada a Constituição, nós temos 28 anos de democracia. É muito novo. E parece que a elite brasileira não sabe viver democraticamente numa sociedade em que ela não governe. Ou seja, ela só acha que democracia é quando ela governa. Quando um partido como o PT ia completar 16 anos de governança, com uma mudança extraordinária na qualidade de vida do povo brasileiro, com uma evolução de conquistas da sociedade brasileira, eles resolveram então antecipar e dar um golpe como estão dando agora. Por isso, eu acho que nós estamos vivendo quase que um estado de exceção mesmo. Eu diria uma situação que envergonha o Brasil no mundo, porque o Brasil não está nem respeitando internamente a Constituição nem está respeitando a democracia.

O áudio completo da entrevista pode ser ouvido no link abaixo:

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Transcrição completa da entrevista:

Wellington Calasans: A nossa entrevista é para a rádio Kairós, de Angola, e também para a rádio Nacional, de Moçambique, e rádio Jubilar, de São Tomé e Príncipe [e divulgada, no Brasil, em primeira mão, pelo blog O Cafezinho, no Brasil]. Antecipadamente, agradecemos e esperamos que essa nossa conversa possa servir para o esclarecimento de alguns pontos que chegam aos angolanos e africanos de língua portuguesa de maneira pouco clara.

Vamos começar a nossa conversa falando sobre a parceria histórica entre Brasil e Angola e demais países de língua portuguesa no continente africano. O governo que está interinamente no poder tem promovido e anunciado o afastamento da política diplomática que foi iniciada no seu governo e estendida para o governo Dilma Rousseff de aproximação com o continente africano. Todos nós sabemos que houve um crescimento considerável nos negócios entre Brasil e Angola e também entre Brasil e outros países africanos durante seus dois mandatos como presidente e, como eu falei, também no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff. Presidente Lula, como explicar o recuo na atuação do Brasil no continente africano já anunciado por este atual governo, que é interino?

Lula: Olha, primeiro, eu queria cumprimentar os ouvintes da rádio que estão nos ouvindo em Angola, em São Tomé e Príncipe, em Moçambique. E queria dizer pra você que é com uma certa tristeza que eu assisto de vez em quando o discurso de gente do governo golpista que é preciso diminuir a ação do Brasil com a África, com a América do Sul e que o Brasil precisa fortalecer sua relação com a Europa e com os Estados Unidos, como se em algum momento nós tivéssemos tentado diminuir nossa relação com os Estados Unidos e com a Europa. O que nós fizemos, na verdade, foi uma opção de fazer uma política externa menos dependente. Uma política externa mais ativa, uma política externa mais plural. E é por isso que nós tomamos uma decisão, ainda no começo de 2003, logo que eu tomei posse, dia 1º de janeiro, de fortalecer as nossas relações diplomáticas com o continente africano e fortalecer as nossas relações diplomáticas com todo o continente latino-americano. Além de fortalecer com o Oriente Médio, com a China, com a Índia e com outros países asiáticos que nós achávamos importante para o Brasil não ficar dependente de nenhuma parte do mundo. Mas manter contato e acordos comerciais e políticos com todos os países.

No caso da África, de Angola, de Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, o objetivo do Brasil era muito simples. Nós temos uma história muito ligada ao povo africano. Durante 300 anos, o povo africano nos ajudou a construir o Brasil, sendo explorado como escravo. É uma dívida que não é pagável, não é mensurada em dinheiro, em quantidade de moeda. Ou seja, ela só pode ser restituída com solidariedade, com política comercial, com política de desenvolvimento, com investimento brasileiro para ajudar os países africanos a se desenvolver. E é por isso que eu tive muito prazer em visitar várias vezes Angola, Moçambique, duas vezes São Tomé e Príncipe, eu fiz 32 viagens a 26 países [africanos]. Quando eu deixei a presidência, eu fiz 12 viagens a 9 países. E tentamos contribuir para criar uma coisa muito fraterna entre nós e os africanos, uma coisa mais humanista e não apenas uma coisa comercial, aquela relação diplomática, aquilo que todo mundo tem. E eu sinto prazer de ter mantido essa relação com a África e fico muito triste quando vejo o novo governo dizer que vai preferir aumentar sua relação com os Estado Unidos e com a Europa e esquecer um pouco a África e esquecer um pouco também o continente sul-americano. Mas eu estou tranquilo porque o que foi feito é uma marca que não será apagada por um golpe qualquer. Ou seja, o povo brasileiro aprendeu a gostar do povo africano, aprendeu a reconhecer o que o povo africano fez pelo Brasil, qual foi a participação da África no desenvolvimento do Brasil, da cultura brasileira, na música, na arte, na capacidade do povo em ser alegre, ser feliz, é muito do povo africano. Então, eu fazia isso por compromisso histórico, por compromisso ideológico, por compromisso comercial, por compromisso diplomático, porque fazer as coisas na África não é apenas uma decisão diplomática, é uma decisão política, de paixão. Pra cuidar das pessoas mais pobres, ou você tem paixão ou você não cuida. Se você ficar olhando o mundo apenas do ponto de vista financeiro, você vai querer negociar só com país rico. Você tem que olhar o mundo do ponto de vista do desenvolvimento do ser humano, das oportunidades que você possa garantir para que todo ser humano viva dignamente. Era assim que eu via a África e foi assim que eu tentei manter as relações com a África nos oito anos em que eu fui presidente e nos quatro anos seguintes, que eu deixei a presidência. A presidenta Dilma manteve a mesma política. Só que na medida em que a crise econômica foi se agravando, as coisas foram diminuindo. Nós, por exemplo, montamos a Embrapa na África, fizemos a Universidade à distância em Moçambique, fizemos a fábrica de remédios anti-retrovirais, na perspectiva de ajudar o povo africano a combater a Aids, e outros programas que fizemos, como compra de alimentos em outros países. Eu espero que esse governo seja responsável, seja solidário e não desfaça a boa relação que foi construída com a África no período do governo do PT.

Presidente Lula, muito tem se falado do afastamento do Brasil do projeto BRICS, uma parceria do Brasil com a Rússia, Índia, China e África do Sul, que criou uma expectativa muito positiva entre os países africanos, principalmente por ser vista como alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional. Como ficará o Brasil, que o senhor começou a projetar um país com ampla capacidade de ser um grande ator no contexto das nações, sem essa participação nos BRICS?
Lula: É um equívoco quando as pessoas pensam que o BRICS foi criado pra se contrapor às relações diplomáticas tradicionais existentes no mundo. Os BRICS foram criados para criar novas oportunidades a países que foram crescendo no começo do século XXI e que não participavam de instâncias importantes de decisões, não tinham nenhum peso praticamente nas instâncias já criadas. Ou seja, o que nós queríamos era ter um instrumento político-comercial muito forte pra que a gente pudesse nos ajudar mutuamente. Por isso é que China, Rússia, Índia, Brasil e África do Sul se juntaram na construção do BRICS. Criamos um banco de desenvolvimento que já começa a dar os primeiros sinais de importância na medida que começa a liberar recursos para investimento de infraestrutura. E a ideia nossa é fazer com que os BRICS se transformem numa potência mundial. Ou seja, nós temos a União Europeia com toda sua potência, temos os Estados Unidos que, por si só, é uma baita potência, economicamente é o país mais importante do mundo. Mas nós queremos criar uma alternativa que envolve praticamente metade da humanidade, que consome muito, que produz muito, que vai ter muita influência nas decisões de ordem comercial, econômica e política daqui pra frente. Eu acho que os BRICS serão fortalecidos, eu acho que o fato da gente não saber o que vai acontecer no governo provisório não significa que o BRICS vai cair de importância, porque um país sozinho não decide o que vai acontecer no BRICS. Eu acho que quando as coisas estiverem mais serenas, quando estiver mais definido o jogo político no Brasil, a gente também vai ter uma definição mais serena do BRICS, que é muito importante para ajudar no desenvolvimento, sobretudo de países africanos. Não é só os países do BRICS, não é só a China, a Índia, a Rússia, o Brasil, a África do Sul que vão se beneficiar do banco dos BRICS. Não, quem vai se beneficiar são os países que nós queremos ter relações privilegiadas e aí entra praticamente todo o continente africano. Porque nós temos interesse, porque a China tem interesse, porque a Índia tem interesse, porque a Rússia tem interesse de fazer com que o continente africano evolua.

Aliás, é importante lembrar que eu disse que se a gente quisesse resolver o problema da crise econômica que estava surgindo (e se agravou com a queda do Leman Brothers) eu tinha dito que se a gente incluir os países pobres no comércio internacional, se a gente fechar o mercado a gente vai poder resolver o problema da economia. Os pobres serão a solução para a crise econômica que estamos vivendo. Vamos incentivar, vamos financiar o desenvolvimento dos países mais pobres. Lamentavelmente, a gente aprova mas nunca são executadas essas coisas. Então, eu digo que você pode ficar tranquilo porque acho que os BRICS vão continuar tendo muita importância nas decisões comerciais, econômicas e políticas daqui pra frente.

Presidente, visto de fora, o Brasil vive hoje um estado de exceção. Qual será a postura do PT e dos partidos de oposição para que este cenário seja modificado?
L: Olha, eu penso que nós estamos vivendo um estado, quase que de exceção mesmo. Um estado muito delicado, porque há uma tentativa de impeachment da presidenta, ela já foi afastada, e esse afastamento dela já se dá de uma forma equivocada, porque a Dilma não cometeu nem um ato de ilegalidade. A nossa Constituição prevê o impeachment, prevê o papel da Câmara, o papel do Senado, mas quando um presidente comete um ato ilícito, coisa que a Dilma não cometeu. Então, a primeira demonstração de um estado autoritário é a Câmara ter mandado para o Senado o processo da presidenta da República para que ela seja impichada pelos senadores. O segundo ato brutal foi quando o Senado admitiu a admissibilidade do processo, porque para admitir o processo tinha que ter crime e também não tinha crime. E a terceira demonstração de um Estado autoritário é que o Temer não se comporta como um presidente interino, ele se comporta como se já fosse presidente, como se já tivesse consagrado o golpe, como se já tivesse aprovado o impeachment e ainda não foi aprovado. Nós teremos a votação até dia 28 de agosto, quando a Dilma precisa de 28 senadores pra não ser impichada. Ela está trabalhando muito fortemente pra ter 28 senadores e é bem possível que nós consigamos 28 senadores pra evitar que a Dilma seja impichada. Mas o governo já está trabalhando como se o impeachment estivesse consolidado.

Além disso, nós temos um comportamento autoritário da imprensa brasileira, nós temos um comportamento equivocado de setores do Ministério Público Brasileiro, nós temos um estado de exceção com o comportamento da própria Polícia Federal, então nós estamos vivendo uma coisa nova no Brasil. Você sabe, o Brasil tem uma democracia muito nova. Ou seja, se nós pegarmos a indicação do Sarney pelo colégio eleitoral depois da morte do Tancredo Neves, 1985, nós temos 31 anos de democracia; se a gente pegar dia 5 de outubro de 1988, quando foi aprovada a Constituição, nós temos 28 anos de democracia. É muito novo. E parece que a elite brasileira não sabe viver democraticamente numa sociedade em que ela não governe. Ou seja, ela só acha que democracia é quando ela governa. Quando um partido como o PT ia completar 16 anos de governança, com uma mudança extraordinária na qualidade de vida do povo brasileiro, com uma evolução de conquistas da sociedade brasileira, eles resolveram então antecipar e dar um golpe como estão dando agora. Por isso, eu acho que nós estamos vivendo quase que um estado de exceção mesmo. Eu diria uma situação que envergonha o Brasil no mundo, porque o Brasil não está nem respeitando internamente a Constituição nem está respeitando a democracia.

Presidente, o mês de agosto é um mês decisivo para a política brasileira. Na opinião do senhor, há como reverter o golpe em curso?
L: Olha, eu sempre sou otimista e trabalho para que a Dilma possa ter os senadores necessários para evitar a confirmação do golpe. Por isso, nós vamos ter que ter paciência e esperar até o dia 28. Se não acontecer, nós vamos ter que aprender a fazer oposição outra vez no Brasil e fazer oposição com muita responsabilidade, muita consequência, porque nós não podemos permitir que haja nenhum retrocesso nas conquistas que o povo brasileiro teve nesses quase 14 anos de governo do PT.

Presidente Lula, a perseguição sofrida pelo senhor é visivelmente uma combinação de esforços de setores da justiça com a imprensa tradicional para tentar manchar a sua imagem. Como o senhor avalia essa estratégia que tem sido ampliada até mesmo para sua família?
L: Olha, Wellington, com muita tranquilidade, com a experiência que eu adquiri e com a idade que eu tenho de 70 anos. Ou seja, já não me permite mais ficar nervoso e ficar perdendo o sono com o que está acontecendo no Brasil. Mas você sabe que a imprensa brasileira nunca me tratou bem. Desde que eu surgi no movimento sindical, em 1975. Depois não aceitou nunca o PT e não aceitou as minhas candidaturas. Ela tolerava minhas candidaturas, até que eu ganhei as eleições. O que é indescritível é que eles sabem que na história do Brasil, eu fui o presidente que mais fez inclusão social na história desse país, eles sabem o que aconteceu com o povo pobre, eles sabem que eles ganharam muito dinheiro, sabem que os empresários ganharam muito dinheiro. E eles agora resolveram, na minha opinião até pra me jogar na lama, tentando todo e qualquer tipo de acusação contra mim, já faz dois anos e pouco que eles estão fazendo isso e até agora não conseguiram nada, mas continuam falando. E a imprensa toda sabe que isso faz parte de um jogo de tentar criar qualquer impedimento para que eu seja candidato à presidência em 2018. De forma que eu estou muito tranquilo. Quem tem que provar que eu cometi erros são eles, não sou eu que tenho que provar minha inocência. Eles que falaram, eles que provem algum erro que eu cometi tanto no governo como fora do governo. Portanto, eu estou tranquilo, estou, como diria o Chico Buarque, vendo a banda passar. Estou aqui trabalhando, fazendo meu dia-a-dia, agora mesmo vou estar na campanha municipal de quase seis mil municípios do Brasil, eu vou viajar muito o Brasil, vou gravar muito programa de rádio e televisão pra ajudar os nossos candidatos e vamos ver até onde eles vão chegar.

Presidente Lula, mesmo com toda essa perseguição, o seu nome segue como o mais forte para a corrida presidencial de 2018 no Brasil. O que será diferente entre o Lula dos dois mandatos e o Lula do próximo mandato, caso seja confirmada a expectativa das pesquisas de opinião pública?
L: Olha, pode ficar certo de uma coisa: eu digo sempre que eu posso ter as três derrotas que tive (em 89, 94 e 98) ajudaram a preparar minha cabeça pra governar. O fato de eu ter governado oito anos e ter ficado fora oito anos pode ficar certo que me ajudou de forma extraordinária a saber o que tem que ser feito, de que forma tem que ser feito pra melhorar aquilo que eu já fiz de bom, aquilo que a Dilma já fez de bom e aquilo que nós não fizemos. Eu olho muito o que está acontecendo no Brasil e eu fico todo santo dia meditando “isso não poderia estar acontecendo, isso poderia melhorar”, sabe? Pode ficar certo que se eu tiver que voltar, eu voltarei muito melhor do que eu fui.

Presidente Lula, o senhor já admitiu como um dos seus erros a negligência em relação à democratização da comunicação social. Este reconhecimento é um aviso de que, caso volte ao poder, será diferente?
L: Veja, nós tínhamos, em 2010, quando eu deixei a presidência, nós tínhamos deixado pronto o resultado de uma conferência nacional que tínhamos feito sobre a regulamentação dos meios de comunicação. Lamentavelmente, não andou esse processo, ele foi encaminhado ao Congresso Nacional e não se discutiu. Mas veja, nós temos uma regulamentação das comunicações que é de 1962. A gente não tinha internet, não tinha fax, não tinha nada naquele tempo. Então, você não pode no século XXI estar com a mesma regulamentação da mídia que você tinha na metade do século XX, sabe? Então, nós temos que regulamentar, o Congresso Nacional tem que regulamentar. E nós não queremos ter uma imprensa chapa branca, não. Não é pra isso que a gente quer regulamentar. A gente quer regulamentar pra que a imprensa seja efetivamente um instrumento de informação da sociedade, um instrumento de participação da sociedade, em que você não tenha nove famílias dirigindo toda a comunicação no Brasil. Em que você não tenha a imprensa se comportando como se fosse partido de oposição ao governo. Esse não é o papel da imprensa. Então, nós precisamos passar por uma regulamentação e eu posso te dizer uma coisa: é quase que uma questão de necessidade de sobrevivência do Brasil democratizar os meios de comunicação. Faz uma regulamentação. Não precisa pegar o modelo cubano. Pega o modelo inglês, o modelo alemão, o modelo francês, americano, de um país que tenha uma televisão mais sofisticada, mais aberta, mais participativa, aonde o povo possa ter direito de resposta, aonde o povo possa ter o direito de se fazer ouvir. É isso que nós queremos. Ou seja, que a comunicação não seja concentrada na mão de poucas famílias. Aqui, a mesma família tem o rádio, o jornal, tem a revista, a televisão e manda na TV paga, no WiFi, no celular, no diabo a quatro. Não é possível. Precisa regulamentar, sim. Eu sei que tem gente que não quer e quem não quer são os donos. Mas a sociedade brasileira quer. Então nós vamos trabalhar muito pra isso. Pode ficar certo que vai fazer parte do programa do PT na próxima campanha eleitoral à presidência da República.

Presidente Lula, o Brasil esteve entre os países com a população mais feliz do mundo nos últimos anos. O senhor foi o responsável por levar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos para o Brasil. Como se sente ao se ver tão distante desta festa que preparou para os brasileiros?
L: A festa não foi preparada por mim nem pela Dilma. Quando nós ganhamos tanto o direito de fazer a Copa do Mundo quanto o direito de fazer as Olimpíadas no Brasil, o Brasil vivia um momento excepcional, o Brasil era aquilo que a gente chama “o queridinho da vez”. Ou seja, a economia estava crescendo, o Brasil tinha feito políticas sociais que tinham notabilizado o Brasil no mundo inteiro, projetos como o Bolsa Família tinham tirado 36 milhões de pessoas da pobreza, tinham levado 40 milhões de pessoas a um padrão de classe média, sabe, o Brasil tinha efetivamente se tornado um país grande. Nós trabalhamos em 2008 na perspectiva do Brasil chegar em 2014/2015 sendo a quinta economia do mundo, porque já tínhamos passado a Inglaterra. Depois o problema é que os países ricos não souberam tratar a crise econômica surgida dentro dos Estados Unidos em 2007, que depois ganhou a Europa e ganhou o mundo. Eles não souberam tratar isso com a seriedade que tinha que tratar. Com eu disse agora há pouco, uma das primeira decisões que nós tomamos no G20 era não permitir o protecionismo, era aumentar o comércio mundial para que a gente pudesse ajudar os países mais pobres, mas não foi isso que aconteceu. Os americanos ficaram fechados, os europeus se fecharam, ou seja, todo mundo se fechou tentando proteger seu mercado. Foi o primeiro erro. Segunda coisa que nós decidimos é que é preciso manter o nível de emprego. Toda e qualquer decisão nossa tem que levar em conta a necessidade de emprego. O ano passado, na Europa tinha mais de 100 milhões de pessoas desempregadas. Então também não se cuidou disso. Ou seja, no fundo, por falta de dirigentes políticos, porque as decisões passaram a ser terceirizadas, o dado é que para resolver os problemas do sistema financeiro se investiu mais de 13 trilhões de dólares, pra resolver o problema da queda dos bancos europeus e americanos. E até hoje, por exemplo, não tem ninguém preso do Lehman Brothers. Um banco que quebrou e que levou muita gente a quebrar. Ou seja, a irresponsabilidade do subprime, porque os americanos permitiam que seus bancos alavancassem 36 vezes o seu capital líquido, ou seja, no fundo, eles autorizavam que o banco financiasse o que não tinha. E nós discutimos muito isso, mas lamentavelmente não houve decisões. Só pra você ter ideia, sequer as mudanças que nós decidimos para mudar a participação do FMI aconteceu, porque os americanos não votaram no Congresso ainda. Então é muito difícil você tomar decisões a nível mundial entre vários países e não ter uma instância, uma espécie de governança mundial, que poderia ser a ONU, mas como a ONU não está bem representada politicamente, porque a ONU de 48 não é a mesma ONU de 2018. Em 2018 nós precisamos ter o continente africano participando da comissão de segurança da ONU, nós precisamos ter a América Latina participando, nós precisamos ter países importantes como a Índia, como a Alemanha, o Japão, o Brasil, por que só cinco e não 20 países? Então, o fato da gente não ter mudado a governança, a gente não conseguiu diminuir a crise. E chegamos em 2014/15 num clima mais tenso no mundo inteiro, não só no Brasil. Veja o terrorismo na França, na Alemanha, veja a violência nos Estados Unidos, veja a primavera árabe. Ou seja, há um clima tenso na humanidade, na sociedade. E cada vez o planeta Terra vai ficando escasso de matéria prima e a humanidade vai ficando cada vez mais predatória, querendo mais coisas, e há um limite em tudo isso. Eu fico feliz de ter governado o Brasil no momento em que o Brasil era o país mais feliz do mundo, o país mais otimista do mundo. E eu era o presidente mais otimista do mundo mesmo, eu acreditava, tinha convicção de que a gente poderia dar um grande salto de qualidade. A gente ia fazer a Copa do Mundo, as Olimpíadas, a gente tinha feito a descoberta do pré-sal, que é a maior reserva de petróleo descoberta no século XXI e vai demorar pra alguém descobrir na última área a ser explorada que são as águas profundas e nós conseguimos descobrir e o que é mais importante, além de descobrir, nós temos tecnologia e só pra você ter ideia, hoje o barril do petróleo, o custo da retirada do barril a quase seis mil pés de profundidade é 8 dólares. Ou seja, você percebe que a tecnologia deu ao Brasil um ganho extraordinário e tudo isso é um passaporte, é uma garantia de futuro do nosso país. Lamentavelmente, essa alegria não existe mais, mas eu tenho certeza que é possível recuperar a alegria, o prazer do povo brasileiro, aquele sorriso matreiro que só o brasileiro tem, porque o brasileiro é um povo tão extraordinário que ele é capaz de contar piada sobre sua própria miséria, eu acho isso uma coisa excepcional. Por isso, eu continuo otimista com relação ao Brasil, acho que o Brasil tem jeito, só acho que de vez em quando as pessoas tentam dificultar. No caso da Dilma, por exemplo, ela ganha em segundo mandato uma eleição apertada e ela ganha o presidente da Câmara que foi eleito pra evitar que ela governasse, criando pauta bomba todo dia, dificuldade pra aprovar as coisas e chegamos aonde chegamos. Por isso, eu queria dizer aos nossos ouvintes que não percam as esperanças, porque o Brasil vai continuar sendo um grande parceiro da África.

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[Recado aos assinantes e leitores. A partir de hoje, mudamos o nome da nossa Análise de Conjuntura para “Espresso Político – Coluna Diária de Política do Editor”. Com isso, o editor ganha mais liberdade para publicar não apenas análises, mas entrevistas exclusivas, etc. Na atual situação, pretender fazer análises de conjuntura me parece um pouco pretensioso.]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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