Rola a bola, chega a tocha e que comecem os Jogos!

Por Luis Edmundo Araujo, editor de esporte do Cafezinho

O presidente interino, golpista, chega sorridente à cerimônia embaixo da terra. Escoltado pelo prefeito, pelo governador em exercício, pelo presidente da Câmara e pelo governador com a cabeça raspada, licenciado por conta de um câncer, o interino discursa com desenvoltura pra plateia restrita, de convidados e jornalistas. Entre loas ao ex-governador ausente, sumido, gesticula e fala do púlpito se virando para todos os lados, ágil, se volta então para o governador licenciado e diz, sorrindo: “o câncer fez bem a você, te deixou até mais bonito”.
Os sorrisos de todos no evento ganham um certo tom amarelado, mas não o do interino, golpista, que continua rindo, feliz da vida até encerrar o discurso e descerrar a placa de inauguração da nova linha do metrô junto com o prefeito, com o governador em exercício e com o governador licenciado, que já havia discursado antes dizendo ter vivenciado, por conta do câncer, “os piores momentos que uma pessoa humana pode vivenciar”. Aplaudido pelos convivas, à vontade ali pelos subterrâneos da cidade olímpica, o interino desce mais um lance de escada rolante pra pegar o trem novíssimo, chinês, e partir com a trupe toda dele em volta, sem antes deixar de prometer que voltaria, sim, claro, para a cerimônia de abertura dos Jogos.
Hoje, seis dias após a inauguração do tal metrô, a bola já rolou, a tocha já chegou e o interino estará daqui a pouco no Maracanã para a abertura da Olimpíada com a vaidade um tanto ferida, talvez, pela ausência recorde de líderes mundiais na cerimônia, mas protegido das vaias pelo sistema de som, o mais alto possível pra evitar o que tem sido inevitável nas ruas, em frente ao badalado hotel Copacabana Palace e até durante o superprotegido percurso da tocha olímpica.
Antes de qualquer vitória nos campos da Rio 2016, de qualquer gol de Marta ou golpe de um judoca militar, antes mesmo da cerimônia de abertura o Brasil já tem seu primeiro herói olímpico, o músico Tarcisio Carlos Rodrigues Gomes, de 31 anos, que achou que era pegadinha mas tinha sido mesmo convidado pra ser um dos 12 mil e tanto carregadores da chama olímpica, e meteu o biquini enfiado de oncinha, escreveu “Fora” numa das nádegas, “Temer!” na outra, pegou a tocha olímpica e saiu andando deixando cair a bermuda, lavando a alma de milhões de brasileiros antes de ter a tocha retirada de suas mãos por agentes da Força Nacional de Segurança, que depois o liberaram pra comemorar o feito com os amigos.

Houve protestos também no futebol, em Brasília, reprimidos com um pouco mais de educação por um capitão da PM enquanto em campo a Seleção Brasileira não saía do 0 a 0 com um jogador a mais que a África do Sul, com Neymar e tudo. Com as mulheres já foi diferente. Tendo Marta à frente, na última chance dela de ganhar o ouro olímpico, em casa, depois de duas pratas, e também Formiga, outra veterana de respeito, a Seleção Feminina venceu a China por 3 a 0 se candidatando a ganhar, logo na estreia, a mais apaixonada torcida dos brasileiros nesses Jogos.

O futebol brasileiro jamais ganhou o ouro olímpico. É o título que nos falta no esporte que é a paixão nacional, e nesse momento de embate entre o interino e a presidenta, de cartas marcadas, sim, previsível, mas ainda embate, a pífia atuação dos homens e a vitória convincente, tranquila, das mulheres já foi bem significativo. Se o primeiro ouro do futebol vier delas, então, será muito mais, não importa que o interino, golpista, continue a sorrir bem humorado, todo desenvolto diante do público seleto, sob o asfalto da Barra da Tijuca.

Que aumentem o som, que comecem os Jogos! Viva Tarcisio!

luis.edmundo@terra.com.br

Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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