Delação contra Temer: mais uma isca da Lava Jato

Arpeggio – Coluna Diária do Editor – Edição extraordinária – 07/08/2016

Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho

Eu não caio mais nessas pegadinhas da Lava Jato.

Quantas vezes Aécio foi delatado? Perdi a conta. O que aconteceu? Nada. Ou melhor, Aécio tem hoje mais poder que nunca. É governo. Ao invés de ser “o primeiro a ser comido”, foi o primeiro a ser visitado pelo recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

A “delação” de Marcelo Odebrecht contra Michel Temer é uma isca. É a mesma estratégia que a Lava Jato vem usando desde que começou. Quando as críticas começam a se avolumar, de que a operação se tornou partidarizada, que persegue Lula e o PT, ela vaza pedaço de uma delação contra Aécio, contra um tucano qualquer (de preferência, morto), contra Temer…

Aí toda a energia que ainda resta no PT é usada, histericamente, para denunciar a “delação” de Marcelo Odebrecht contra Temer, como se fosse a “salvação”.

Marcelo Odebrecht “implode” governo Temer, gritam as manchetes dos sites antigolpe.

Bobinhos.

Repare bem: é mais um factoide. Michel Temer é um golpista, um traidor, um usurpador. Mas no jantar em questão, ele apenas disse, segundo o que sabemos dessa delação de Marcelo Odebrecht, que seu partido precisava de “apoio financeiro” da empreiteira. Ponto. Ou seja, se se descobre caixa 2 em seguida, não há necessariamente ligação entre o crime e o pedido de Michel Temer, que pode muito bem ser ligado simplesmente ao caixa 1 do PMDB. A Odebrecht efetivamente fez doações generosas ao PMDB.

Entretanto, o único partido cujo caixa 1 é criminalizado é o PT. Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), num gesto de incrível magnanimidade e imparcialidade, quer cassar o registro do partido, com base em “indícios” de que o partido foi beneficiado, “indiretamente”, por recursos da Petrobrás.

Usando esse mesmo joguinho de linguagem, poderíamos dizer que há “indícios” de que a campanha de Aécio foi beneficiada “indiretamente” pela cocaína encontrada no helicóptero dos Perrela…

Um juiz eleitoral ameaçar eliminar o partido político mais importante e mais orgânico de toda a América Latina, uma das legendas de esquerda mais conhecidas do mundo democrático, por causa de ‘indícios” e “relações indiretas” é sinal de que os golpistas perderam todas as estribeiras.

Só mesmo no Brasil… um presidente do tribunal superior eleitoral, órgão que deveria ser responsável por proteger os partidos políticos dos arbítrios de outros setores do Estado, e sobretudo agir com extrema imparcialidade e prudência, tomando cuidado especialmente com os partidos com os quais ele não tem afinidade ideológica, para não ser acusado de estar sendo tendencioso, enceta esforços para cassar o registro exatamente desses partidos.

O timing é perfeito.

Faltam três semanas para a votação do impeachment, que inclusive teve o início da última etapa antecipado para o dia 26, para que a votação final ocorra no dia 29.

Então o que faz a Lava Jato? Usa a Veja para forjar uma delação contra Temer. Repare que não há gravação, não há nada. Há somente um vazamento mal ajambrado, ultra-interpretado, para a Veja.

Não é um recuo da Lava Jato ou da Veja em direção à imparcialidade: é o tensionamento para trás da corda no arco do golpe. Para disparar a flecha do impeachment com mais força.

É tudo tão previsível que eu poderia me trancar num quarto escuro, sem ler noticiário nenhum, sem acesso às redes sociais, atualizando o blog sem ver nada, e mesmo assim poderia narrar os acontecimentos.

A denúncia contra Temer é apenas para limpar o terreno, fortalecer a Lava Jato e enganar o PT.

Semana que vem virá nova bomba contra o PT, talvez vinda do próprio Marcelo Odebrecht, e na semana posterior, a bala de prata, de preferência na sexta-feira, para repercutir no sábado e gerar, domingo, um programa no Fantástico, produzindo uma atmosfera emocional pró-golpe no Senado, assim como aconteceu na Câmara.

Quando eu converso com alguns veteranos do PT ou ex-figurões do governo, ou com a própria Dilma, eles sempre repetem que “não acreditam” numa conspiração cartesiana, racional. Acham que tudo acontece meio por acaso.

Novamente: bobinhos.

Por isso mesmo houve o golpe. Porque o governo Dilma e seus quadros conduziram o governo mais ingênuo da nossa história republicana.

Claro que há acasos, nem tudo pode ser controlado. As linhas centrais da narrativa golpista, porém, estão amarradas com muita firmeza ao mastro de uma estratégia única, escrita ou por um grupo específico ou, aí sim poderia concordar com essa teoria do caos, produzida pelas circunstâncias.

Há alguns dias, Dilma Rousseff tuitou o seguinte:

É inacreditável o grau de adesão da presidenta à narrativa golpista.

A Lava Jato já está em sua 33ª ou 34ª etapa. Tem dois anos já. É uma das operações mais longevas e abrangentes da história da polícia federal.

A operação já destruiu a engenharia nacional; está prestes a destruir nossos projetos nucleares; devastou o setor de navegação; paralisou quase todas as grandes obras de infra-estrutura; é responsável por uma reviravolta na política da Petrobrás, que agora se tornou privatista, derrotista e colonial; avançou sobre os centros de pesquisa da Petrobrás no Fundão.

A Lava Jato forneceu toda a gramática e conteúdo necessários para a construção do discurso golpista.

Apesar disso tudo, Dilma diz o golpe foi dado para “evitar a continuação da investigação”?

É o contrário, Dilma. O golpe foi dado por aqueles que pretendem transformar o Estado nacional numa grande Lava Jato, ou seja, num Estado de Exceção, num Estado Policial, sempre tendo como justificativa o problema da corrupção, que é a justificativa de todas as ditaduras reacionárias.

As acusações contra os arbítrios da Lava Jato são inúmeras, documentadas. Sergio Moro já explicou que precisa da “ajuda da mídia” para levar adiante o processo, e teve mesmo, do jeito que a gente viu, promovendo todo o tipo de perseguição, humilhação, vazamentos seletivos, abuso de prisão preventiva, que foi usada como forma de tortura prisional.

Lula está entrando com uma ação na ONU contra a Lava Jato; contratou um dos melhores advogados do mundo em direitos humanos.

O Brasil precisa de investigações contra a corrupção, conduzidas com responsabilidade, sem destruir empresa nenhuma, sem abuso de prisões preventivas, sem conspirações para derrubar governos e roubar o voto,  tocadas por juízes imparciais, e que o juiz que investiga não seja o mesmo que julga. Que o juiz não trabalhe em conluio com a imprensa, promovendo todo o tipo de jogo sujo de vazamentos seletivos.

Ou seja, o Brasil precisa  de investigações, juízes, promotores, delegados, que tenham o perfil exatamente oposto ao da Lava Jato.

As investigações tem de continuar sim, Dilma. Não a Lava Jato, mas contra a Lava Jato. Temos que investigar a Lava Jato, o que está por trás de uma operação que produziu destruição econômica, caos político, golpe de Estado e, ao cabo, levou ao poder um bando de corruptos, incluindo seis ou sete ministros indiciados pela própria… Lava Jato.

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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