A exótica matemática golpista

Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho

 

Após terem desferido um golpe de estado contra a democracia e usurpado o poder, não é de admirar que eles se voltassem contra a matemática. O golpe agora é sobre a aritmética primária. Temer, na China, afirma que não há protestos, são apenas “40 pessoas que quebram carro”.  Será que estamos vendo coisas, e que os milhares que todos nós enxergamos nas ruas, na verdade, se reduzem a poucas dezenas?

Mas, se for assim, a repressão policial está mais delirante ainda, porque envia centenas de policiais, que disparam dezenas de bombas de efeito moral, e de gás lacrimogêneo, sem contar as milhares de balas de borracha, contra a bagatela de 40 pessoas.

Do mesmo calibre de veracidade que as afirmações de Temer, parecem ser as alegações do ministro da cultura, Marcelo Calero, vaiado e desmoralizado em um evento no Festival de Cinema de Petrópolis, no Rio de Janeiro, agora na sexta-feira, dia 02.

Sobre o episódio, o alto dignitário da cultura no país, que deve ter disputado o cargo com outro eminente intelectual, Alexandre Frota, deixou um depoimento que vale registrar e comentar. Cito resumidamente e faço algumas considerações a seguir:

Calero explicou o acontecimento em seu perfil afirmando que “um cidadão, acompanhado de outros cinco, iniciou um tumulto, com as ações e palavras agressivas e intimidatórias que fazem parte do repertório desse pessoal. A União Juventude Socialista – UJS reivindicou a organização e execução do ataque”. Sem descer do salto, continua ele, demonstrou sua indignação com toda dignidade, ou seja, “com altivez”. “Fiquei penalizado com o fato de que essa meia dúzia deixou as produtoras do evento constrangidas e lamentando o ocorrido. Mas não se abalem! Esse pessoal não quer saber de cultura. Eles não se conformam com a democracia. Querem fazer valer a todo custo a sua verdade particular”.

Ele diz que “um cidadão acompanhado de outros cinco, iniciou um tumulto”. Vejam como a matemática do golpe é um ramo inovador. De fato, se aquele que começou, “um cidadão”, estava acompanhado de outros cinco, então o tumulto foi iniciado não por um, mas por seis. O curioso é que assistindo ao vídeo, não parece que estamos ouvindo um coro de seis magras vozes, mas um verdadeiro trovão orfeônico, daqueles que Villa-Lobos orquestrava com milhares de vozes nos anos 30.

Mas o ministro do culto, digo, da cultura, prossegue: O episódio foi obra da “União Juventude Socialista – UJS”. Ele não percebe que assim se contradiz. Se isso fosse verdade, ficaria difícil aceitar que “um cidadão acompanhado de outros cinco” começou tudo. Provavelmente, essa União Juventude Socialista, fosse ela a organizadora, disporia de muito mais voluntários para formar o coro orfeônico contra o ministro já que, como todo mundo sabe, os jovens afluem aos milhares em eventos com autoridades do golpe presentes, para vaiá-las.

E isso talvez ocorra porque, tendo vivido nas duas últimas décadas em regime democrático, e aprendido a gostar da democracia, essa geração tenha muito apreço pelo regime político que os golpistas querem arruinar. Aliás, isso nos ajuda a questionar a última e mais prendada pérola pronunciada pelo ministro.

“Mas não se abalem! Esse pessoal não quer saber de cultura. Eles não se conformam com a democracia. Querem fazer valer a todo custo a sua verdade particular”.

Notem, o ministro nos convida a não nos abalarmos com os que não se conformam com a cultura e a democracia. Como?!?!? Isso não é um absurdo ?!?! Nada deveria nos abalar mais do que os que não se conformam com a democracia. Os que dão golpes, por exemplo. E por isso são chamados de golpistas.

O ministro convida seus eleitores a não se abalarem com ataques à democracia e à cultura. Isso já seria estranho, dito por qualquer um envolvido com políticas culturais. Mas, quando é um ministro da cultura quem o diz, mais do que abalo, sofremos um choque que nos lança na maior perplexidade.

Mas é isso mesmo: os golpistas não se abalam com ataques à cultura e à democracia. Se se abalassem, não o fariam, pois são eles mesmos os que nesse momento atuam para destruir a democracia e a cultura no país.

O ministro diz que manteve a altivez. Bem, isso é interessante. No vídeo o vemos fazendo com as mãos um gesto que lembra muito aquilo que na Globo se chama o “núcleo popular” da novela. Se quando o ministro mantém a altivez, segundo ele mesmo diz, representa o ‘popular’ estereotipado da Globo, imaginem quando está à vontade e pode relaxar.

Bem, diante de tudo isso, não nos assombra que o ministro das relações exteriores, José Serra do Pré-Sal, tenha procurado minimizar os protestos no Brasil. De uma maneira cômica, aliás, que terminou dizendo o contrário do que pretendia. Diante da pergunta de um jornalista na China, o ministro simulou desentendimento:

“Manifestações onde?”, questionou Serra. “No Brasil”, respondeu a jornalista. “Mini mini mini mini mini mini.”

Estranha essa compulsão a repetir o “mini”, não? E muito exótica essa matemática do golpe.

Bajonas Teixeira:
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