Retratos de uma agenda entreguista: Mishell e a volta às margens do Ipiranga

Por Tadeu Porto*(@tadeuporto), colunista do Cafezinho

Gostaria eu, nessas possibilidades quânticas de mundos paralelos ou viagens no tempo, de se aproximar de D. Pedro I e dizer: “Vossa Majestade [a educação atravessa o tempo], sinto muito lhe dizer, mas nessa lógica booleana que o senhor proferiu as margens do Ipiranga estamos mais próximos da morte do que da independência”.

Quase dois séculos passados do dia escolhido para representar nosso “desligamento” oficial da coroa portuguesa, talvez a única independência que o Brasil tenha seja o estádio de futebol onde meu querido Galo derrota seus adversários (caiu no horto, tá morto).

É relativamente factível afirmar que não existe independência no Brasil, afinal não há como aceitar um país efetivamente independente com a desigualdade social que existe aqui, onde parece ser natural que mais da metade da população não possua o essencial dos direitos humanos como, por exemplo, saneamento básico [sei que existe centenas de outros exemplos, como saúde e educação, mas, convenhamos, a falta de rede de esgoto, por si só preenche o argumento].

E o mais simbólico da nossa imaturidade enquanto nação é viver, em pleno 2016, um golpe de Estado que nos atrasa, ainda mais, na caminho em busca da real emancipação. Um grande exemplo disso – além do retrocesso no pouco que avançamos na igualdade social que certamente virá com os cortes dos gastos sociais – está na destruição do nosso mercado de petróleo mediante aplicação de uma agenda liberal, entreguista e fracassada, que só favorece quem já muito ganha com a má distribuição da nossa renda e riqueza: a elite nacional que veste a hipocrisia de verde amarelo enquanto abana o rabo para os EUA como um cachorro  vira-lata.

No mês da independência, não há nada pra comemorar em termos da nossa soberania. A gestão Temer/Parente se prepara para entregar a NTS (Nova Transportadora Sudeste) que, basicamente, controla o escoamento de Gás pelos gasodutos do sudeste. Em outras palavras, ficará nas mãos de multinacionais estrangeiras os “pedágios” que nosso combustível gasoso irá pagar para abastecer industrias, termoelétricas e domicílios no Brasil, e o compromisso social do insumo, que pode ser fonte de energia alternativa, ficará a mercê do lucro de fundos de investimento como o canadense Brookfield.

E, infelizmente, não fica só por aí. Enquanto Temer recebe o CEO da Statioil que ganhou de presente um campo de alta rentabilidade do Pré-sal (uma pechincha de R$ 8,5bi que vale, no mínimo, R$ 22bi), José Serra recebeu o presidente da Shell, cujo diretor de global de Exploração e Produção declarou, sem a menor cerimônia em entrevista ao Estadão, que não pretende continuar com o desenvolvimento da industria naval no Brasil (“No nosso mercado, temos de manter baixos custos, ou não sobrevivemos à concorrência. Costumamos estimular a competitividade da indústria local, mas não estamos em posição de dizer que trabalharemos com qualquer preço.”).

E mais: semana que vem a câmara pode colocar em votação o (PL 4567/16), que entrega efetivamente o Pré-sal, tirando a Petrobrás dos leilões futuros e deixando o caminho livre, leve e solto para as demais petroleiras pegarem nosso óleo bruto e o levarem para casa. Como já foi feito com nosso Pau-Brasil, Ouro, Borracha ou Café, sem deixar aqui um rastro sequer de industrialização.

Ou seja, da cadeia produtiva de petróleo – commodity mais importante do mundo atual – continuaremos dependentes, no mínimo, de derivados (cujo dispêndio prejudicou a Petrobrás no começo da década) e mão de obra especializada (navios e equipamentos voltarão a serem feitos fora do Brasil), sem contar o abandono da geopolítica do óleo e gás (continuaremos com peso insignificante nas negociações mundiais sem ter o poder efetivo da produção, a despeito das reservas enormes).

Michel Temer e a elite política entregam de bandeja toda a estrutura de um país, a soberania e o futuro de uma nação, simplesmente para manter o povo longe das tomadas de decisões estratégicas – não suportam um greve como a dos petroleiros que controlou o preço internacional do barril – e continuar com a alta concentração de renda que permite que seus filhos e filhas, como o Michelzinho, possuam com menos de 10 anos de idade um patrimônio que muitos brasileiros e brasileiras sequer vão chegar perto de ter em uma vida inteira de trabalho.

Apenas um golpe tão baixo, que usou e abusou da mídia para ludibriar a opinião pública, consegue transformar um suposto dia da independência num espetáculo entreguista que angustiante e trágico. Somente essa ruptura institucional, a usurpação descarada do voto popular, consegue colocar em prática uma agenda antinacionalista e autodestrutiva, que não seria escolhida nem para completar aquela peladinha de Futsal com nove participantes.

E se do golpe nascem a resistência e o enfrentamento, tenho sinceras esperanças de ver os filhos e filhas que não fogem a luta se insurgirem contra o eterno Brasil colônia, uma vez que  a escuta do Ipiranga as margens plácidas parece não ter sido suficiente para acordar a população da necessidade de uma independência material.

A luta virá: pela Petrobrás, pela energia, pela água, enfim, pela autonomia e protagonismo do nosso país e pelas mãos de um povo heroico que não deve temer.

Mas enquanto ela não chega, nesse sete de setembro não há muita coisa a celebrar.

P.s. Peço desculpas, esse texto era para ter saído ontem mas tive um contratempo e não consegui postar ;(

Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (SindipetroNF)

Tadeu Porto: Petroleiro e Secretário adjunto de Comunicação da CUT Brasil
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