A “arapongagem” está de volta

por Denise Assis, especial para O Cafezinho

Qualquer semelhança com o período da ditadura, da “arapongagem” e da bisbilhotice, não é mera coincidência. O documento enviado ao Colégio Pedro II do Humaitá, onde apareceram, nesta semana,  cartazes de “Fora Temer” e faixas penduras nos muros com os mesmos dizeres,  não deixa dúvida. Sim a “vigilância” está de volta, trazendo a ameaça dos “infiltrados”, e da desconfiança. Naquela época, bastava apontar o dedo para o inimigo, o vizinho incômodo ou o colega antipático chamando-o de “comunista”, para que sua vida se tornasse um inferno. Era virada pelo avesso e o sujeito tinha que se apresentar às autoridades, a fim de tentar provar que não devia o que cobravam. Não estava ligado à “subversão” e tampouco era ligado ao “partido”.

Para fazer esta verdadeira varredura na vida dos cidadãos, foram criados os serviços de inteligência, que levantavam a “ficha” dos suspeitos de serem “traidores da pátria”. Difícil saber se o cara da mesa ao lado no bar onde se tomava o cafezinho era ou não um “tira” ou um “informante”. Infiltrados na vida civil, eles circulavam por todo o lado. Sempre alerta, em trajes civis. O namorado da sua irmã poderia ser um deles. O cara engraçado da turma, também.

A prática, a julgar pelo documento, parece mesmo reativada após a recriação, pelo governo que tomou o poder, do Gabinete de Segurança Institucional. Ao novo equipamento de inteligência  colou-se um subtítulo, o de “órgão essencial da Presidência da República”, com as seguintes funções:

I – assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições;

II – analisar e acompanhar questões com potencial de risco à estabilidade institucional;

III – coordenar as atividades de inteligência federal;

IV – realizar o assessoramento pessoal em assuntos militares e de segurança;

V – coordenar as atividades de segurança da informação e comunicações; e

VI – zelar, assegurado o exercício do poder de polícia, pela segurança pessoal do Chefe de Estado, do Vice-Presidente da República e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência da República e de outras autoridades ou personalidades, quando determinado pelo Presidente da República, bem como pela segurança dos palácios presidenciais e das residências do Presidente e do Vice-Presidente da República.

Os dispositivos acima, a nomeação de Sergio Westphalen Etchegoyen – cujo sobrenome causa arrepios e remete imediatamente para os tempos barra pesada da ditadura, em que seus parentes se projetaram nas praticas repressivas – e a restauração, em tempos de golpe, do Gabinete de Segurança Institucional levam a uma triste conclusão: há no ar uma ameaça à liberdade.

Durante as pesquisas dos crimes cometidos durante a ditadura, a Comissão da Verdade do Rio localizou um conjunto de documentos que chamou a atenção. Uma lista com 411 nomes de pessoas lotadas nos vários ministérios e órgãos públicos dá conta de que, embora já desempenhassem funções específicas nos serviços das diversas esferas de poder, elas foram recrutadas para levar “um a mais”, no Serviço Nacional de Informações, o SNI.

Algumas, ao serem requisitadas, tinham sua vida vasculhada também, pois se de algum ponto surgissem denúncias a seu respeito, só depois do “nada consta” eram cadastradas e incluídas no “pro labore”. Discretos, silenciosos e solícitos, suas atividades compreendiam não perder uma conversa ao telefone, dos colegas de repartição, um comentário sobre o que faziam em seus finais de semana, ou sobre que tipo de gente frequentavam em sua vida social. Como sombras, os “infiltrados” faziam o serviço sujo da “deduragem”, e acrescentavam aos seus proventos, salários paralelos.

Confira o ofício na íntegra:

 

Redação:
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.