É o futuro da humanidade, estúpido

Por Vitor Menezes*

O corte nos gastos é um mantra liberal-empresarial que parece inquestionável em momentos de escassez. Aquela espécie de mal necessário para que os fundamentos da economia sigam sólidos e o País continue a funcionar. Esta é uma percepção matemática cristalina, facilmente exposta em gráficos e planilhas. Não faltam comparações didáticas com orçamentos familiares para que o cidadão entenda que os tempos são difíceis e que é necessário aprovar algo como a PEC 241.

O outro lado dessa lógica é mais difícil de entender e demanda um humanismo profundo, uma visão de longo prazo, que compreende que as regras econômicas não bastam para medir todas as dimensões das relações sociais e, muito menos, prosseguir com um processo civilizatório. Tomado pela rudeza dos números, os tecnocratas não alcançam as possibilidades das mudanças culturais, políticas e de mentalidade em um curso maior da história.

Para um economista ortodoxo, por exemplo, é incompreensível que um mendigo divida um pão. Verão nele um louco desvalido, à beira da morte, que sequer sabe cuidar da própria sobrevivência — o ápice do heroísmo individualista não é saber cuidar de si mesmo? —, e abre mão da quantidade substantiva do carboidrato que o faria manter os sinais vitais por mais algumas horas. Um resto humano que mereceria mesmo a impunidade do gesto flagrado nesta semana, em São Paulo, quando um pedestre bem alimentado e bem vestido chuta, em notório ódio de classe, um morador em situação de rua que estava deitado na calçada.

Em outros tempos, também deve ter sido incompreensível a economistas ortodoxos que a escravidão fosse abolida. Como poderia funcionar a economia se aquela mão de obra essencial passasse a ser remunerada? Devem ter previsto dias difíceis de falências e retrocessos para o País.

O mais curioso é que, mesmo se tivéssemos que nos ater à dimensão econômica como medida última de todas as coisas — metodologia com a qual não concordo, mas, vá lá —, ainda assim o modelo de imposição do estado mínimo faria com que, em um País desigual como o Brasil, fosse reduzida à quase nulidade o fomento de uma economia que vinha crescendo de baixo para cima, nos comércios dos bairros, nas casas de materiais de construção populares, com a enorme ascensão da classe C, como demonstrou o economista não ortodoxo Marcelo Neri, em estudo da Fundação Getúlio Vargas. Além do aumento do acesso ao consumo de produtos, elevou-se o acesso a serviços, o mais icônico deles o das viagens de avião.

E ao contrário dos que acreditam que políticas sociais e de desconcentração de renda produzem “preguiçosos dependentes do Estado”, o que se verificou, no auge dos efeitos positivos dessa política de promoção de justiça social na história recente do País, foi o crescimento do empreendedorismo popular, o surgimento de novos negócios criativos, mais flexíveis e adaptados aos consumidores de menor renda.

O grande desafio brasileiro, portanto, não é econômico, é cultural. É o de superar a mentalidade escravocrata que se incomoda que tanta gente passe a frequentar aeroportos, que não aceita que tanto os filhos dos pobres quanto os filhos dos ricos possam estudar em universidades públicas ou privadas bem ranqueadas, que pare de achar que é preciso cultivar desigualdades para manter a sensação de pertencer a uma elite. No fim das contas, ninguém sai vivo daqui — valei-me meu São Renato Russo — e não “é a economia, estúpido”, é o futuro da humanidade o que está em jogo.

*Vitor Menezes é jornalista. Texto publicado originalmente em “O Jornal – Terceira Via” de Campos dos Goytacazes (RJ)

Tadeu Porto: Petroleiro e Secretário adjunto de Comunicação da CUT Brasil
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