Espiando o poder – Trump, Bolsonaro e a PM que um dia olha e no outro bate

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

Só dá Donald Trump hoje nas edições dos jornais da chamada grande imprensa. Todas as manchetes, todos os colunistas, páginas e mais páginas tentam explicar, entender, projetar o futuro após a eleição do magnata acusado de xenofobia, racismo, machismo e tudo que também é relacionado ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Processado por quebra de decoro parlamentar por ter homenageado o coronel Carlos Brilhante Ustra ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro foi absolvido ontem aos gritos de “Bolsonaro presidente” e “Trump e Macri na América e Bolsonaro no Brasil”, de seus apoiadores. O deputado confirmou, mais uma vez, que será candidato a presidente em 2018. No Senado, “barreira a pequenos partidos e fim de coligações avançam”, como diz o Globo em uma das duas chamadas de capa, embaixo, que não tratam da vitória de Trump. Na outra chamada nacional do jornal, local, “Alerj devolve projeto e compromete pacote”. “Alerj decide devolver ao governo projeto que criava alíquota extra, a principal medida anticrise”, diz o Globo que, lá dentro, informa que “protesto de servidores tem confronto, comércio fechado e um detido”. Os manifestantes não eram da área da segurança, como os que invadiram o plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro anteontem. Então dessa vez a PM reagiu, e o caos ficou do lado de fora.

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“Conselho de Ética livra Bolsonaro de processo por apologia à tortura”, diz o título da matéria da Folha de São Paulo, ao lado da foto de um sósia do deputado de terno, gravata e a imitação da faixa presidencial, fazendo a pose da flecha, com a qual o velocista jamaicano Usain Bolt comemora suas vitórias. Como informa o Globo, “o relatório do deputado Odorico Monteiro (PROS-CE) pelo prosseguimento do processo, que poderia levar à cassação do mandato de Bolsonaro, foi derrotado por 11 votos a 1. Com o resultado, Marcos Rogério (DEM-RO), autor de um voto em separado pelo arquivamento da representação, foi designado o novo relator e o seu parecer foi aprovado por 9 a 1, com uma abstenção.”

Enaltecido por Bolsonaro, Ustra foi chefe do DOI-Codi e um dos mais temidos torturadores da ditadura militar. Na votação do impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff, o deputado do PSC afirmou que ele, Ustra, era “o terror de Dilma”, e agora tem o caminho livre para concorrer à Presidência, sem a ameaça de cassação que paira, ainda, sobre o presidente Michel Temer, segundo a coluna Painel, da Folha, assinada por Natuza Nery.

Na nota “Letreiro brilhante”, a coluna informa que “um sinal de alerta acendeu-se entre tucanos e integrantes do governo: nos últimos dias, cresceu o temor de que o ministro Herman Benjamin recomende a cassação da chapa Dilma-Temer, sem separação de presidente e vice. Benjamin é o relator das ações no TSE e já se fala que seu voto não demorará a ser divulgado. Para auxiliares de Michel Temer uma recomendação dessa natureza geraria incertezas no mercado financeiro, ainda que ela precise ser ratificada pelo restante da corte”.

Já na coluna Panorama Política, de Ilimar Franco, no Globo, a nota “Babado” conta que “o presidente Michel Temer jogou pesado com o governador Camilo Santana, Ceará. Este, ao chegar para audiência, anteontem, encontrou Eunício Oliveira e Tasso Jereissati. O tucano lhe chamou de ‘desleal’. Temer pediu para que não fosse citado o nome de Ciro Gomes, e Camilo teria dito que não era porta-voz nem respondia por Ciro. No pano de fundo, a transposição do São Francisco.”

O presidente impopular convive com as ameaças no Tribunal Superior Eleitoral e, talvez por isso, se mantém duro, arredio com os adversários políticos, comportamento não muito adequado ao cargo, conquistado por ele num golpe de Estado. Mas no Congresso, por enquanto, não tem do que reclamar. “Comissão do Senado aprova teto de gastos”, afirma o Globo na matéria em uma coluna apenas, na página de economia.

O projeto, agora, “segue para o plenário da Casa, onde precisa ser apreciado em dois turnos”, diz o texto que fala de protestos de estudantes no local mas não cita nada sobre o congelamento, também, do salário-mínimo, lembrado por Fernando Brito no blog Tijolaço. “Não apenas a saúde e educação que ficam com suas despesas congeladas por 20 anos com a PEC  que o Congresso vai aprovando a toque de caixa por ordem de Michel Temer. Adeus aumento do salário-mínimo, também”, diz o jornalista.

Brito completa contando que, como informa o jornal Estado de São Paulo, “o senador “Eunício Oliveira anunciou a rejeição das  emendas que excluiriam  do limite de gastos o reajuste real do salário mínimo, porque isso, diz ele, ‘impõe grande impacto sobre as contas públicas’. (…) Eunício Oliveira é do Ceará, um dos Estados onde a renda da população mais cresceu em razão da elevação do mínimo”, e conclui afirmando que “os cearenses têm o direito de saber quem são os algozes de suas famílias”, conclui o jornalista.

Também ontem, no mesmo Senado, foi aprovada por 58 votos a 13 a “proposta de emenda constitucional que determina o fim das coligações nas eleições proporcionais e estabelece uma cláusula de desempenho, que dificultará o acesso de pequenos partidos ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral”, como informa o jornal carioca, que avisa ainda que o projeto, de autoria dos senadores tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio Neves (MG), “ainda tem de ser aprovada em segundo turno, previsto para o dia 23, antes de seguir para a Câmara, onde deve enfrentar maiores dificuldades pela grande quantidade de pequenos partidos que brigarão para derrotar a restrição às chamadas legendas de aluguel.”

Dificuldades essas que só aumentam em período de campanha. Em outra nota de sua coluna, Ilimar Franco conta que “os aliados de Rodrigo Maia avaliam que o direito de sua reeleição para a presidência da Câmara é líquido e certo. Para eles, a questão fundamental é a criação de um ambiente político favorável e ter um grupo de partidos dispostos a bancar.” Difícil criar o ansiado “ambiente político favorável” sem a ajuda sempre providencial dos partidos nanicos que ontem, junto com a fiel base aliada do golpe, ajudaram a garantir, de vez, a abertura do pré-sal

“Câmara rejeita emenda no projeto do pré-sal”, diz a matéria do Globo em uma coluna, no pé da página de economia, menor ainda que a da PEC do Teto dos gastos públicos. Diz ela que “o plenário da Câmara rejeitou, na noite de ontem, um destaque e uma emenda que estavam pendentes de apreciação no projeto, de autoria do então senador José Serra, atual ministro de Relações Exteriores, que retira a obrigatoriedade de a Petrobras ter 30% de participação nos campos de petróleo da região do pré-sal”.

Ainda segundo a matéria, “o destaque apresentado pelo PT mantinha a Petrobras como operadora única dos campos do pré-sal. Já a emenda do PPS, rejeitada por 247 deputados, pretendia que os poços com potencial acima de um bilhão de barris fossem considerados estratégicos e contassem com a obrigatoriedade de participação mínima de 30% da Petrobras”. O governo abre geral, inclusive o filet mignon do pré-sal. Temer et caterva agora esfregam as mãos esperando os compradores da mercadoria fina, valiosíssima, que deveria ser de todo o povo brasileiro mas, graças ao golpe, caiu no colo deles, e a matéria diz ainda que, “para o governo, a aprovação do texto pela Câmara, sem modificação, abre espaço para a entrada de investimentos de empresas estrangeiras no pré-sal.”

E por falar em petróleo, a Folha também informa em pé de página, discretamente, que “passagem e gasolina pesam, e inflação acelera”. O jornal diz que “depois de desacelerar a 0,08% em setembro, a inflação sofreu impacto do setor de transportes e subiu para 0,26% em outubro, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (9) pelo IBGE”. Mais adiante na matéria, ainda mais discreto, está o aviso de que “essa alta ocorre mesmo após a Petrobras ter reduzido o preço da gasolina no mês passado”, notícia que, na ocasião, provocou a chamada tríplice manchete, de Globo, Estado e Folha de São Paulo, todos exultantes com a redução dos preços, projetando a queda da inflação e do preço nas bombas. E a gasolina subiu nos postos, e a inflação agora cresceu.

E se o Congresso tem jogado junto com o governo federal, a Alerj não tem contribuído tanto com o governo estadual do Rio de Janeiro. “Enquanto servidores protestavam ontem em frente à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) contra o pacote de ajustes do estado, o presidente da Casa, deputado Jorge Picciani, anunciava a decisão de devolver ao governo o projeto de lei que prevê a criação de alíquotas de contribuições previdenciárias extraordinárias de 16% e 30%”, diz a matéria do Globo.

Picciani disse que 16 deputados do PMDB, partido dele e do governo, “apoiaram a devolução e, em contrapartida, comprometeram-se a discutir as demais 21 propostas do Executivo”. “Entendemos que esse projeto de lei compromete demasiadamente a renda dos servidores, que ainda ficarão sem reajustes. Por isso, vamos devolvê-lo ao governo”, disse Picciani. “O governo é livre para mandar a proposta que quiser, mas eu tenho sensibilidade para entender que não podemos comprometer a vida das pessoas”, completou o presidente da Alerj.

O economista Raul Velloso criticou a devolução dizendo que “sem a alíquota extra, todo o pacote anticrise fica comprometido. O Globo faz coro, defendendo o corte, e clama pela aprovação do pacote no editorial principal. “Violência e pareceres são armas contra o necessário ajuste”, diz o título. No texto o jornal carioca afirma que “Justiça e MP também lutam a fim de barrar o pacote, em nome de ‘direitos’. Mas sucede que não há dinheiro para pagar salários, aposentadorias e adicionais”. Enquanto isso o pau come nas escadarias da Alerj, e a mesma PM que na véspera foi complacente com os colegas que invadiram e depredaram a Casa, dessa vez fez o que mostra a foto aí de cima.

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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