Combates no Rio de Janeiro – Brasileiros contra estrangeiros em uma guerra de extermínio

Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho

A queda de um helicóptero, a execução de sete jovens negros, a morte de quatro policiais, os intensos tiroteios, e muito mais, dão a impressão de que o Rio está em guerra. E é isso mesmo. Uma guerra em que parte da população vive, cresce e morre como estrangeira no estado. As ruas já foram tomadas por tanques, as favelas ocupadas por soldados. Falou-se em “ocupar território”.

Essa guerra é permanente. Ela era travada no século XIX, quando se temia os negros, mesmos os livres, que podiam se vingar na escravidão. A militarização, que começou lá e vem até os nossos dias, mostra que no essencial a desigualdade, e o medo dela, permanecem as mesmas.

Projeto idealizado e financiado pelos interesses privados, mas precisamente, por Eike Batista, quando era o dono da cidade, as UPPs inauguram uma era marcada pela elevação do nível de barbárie institucional na qual se completou a exclusão social no Rio. Com o pretexto de “levar o estado” onde ele não chegava, de “tomar território ao tráfico”, e “ocupar território”, para então introduzir serviços públicos em regiões de miséria, o que ocorreu foi outra coisa. Mas que já era previsível nas primeiras apresentações do projeto.

Nesse momento se previa, por exemplo, que as favelas seriam cercadas com altos muros e guaritas com homens armados. Seria o gueto mas não o típico gueto judeu que, até parte do século XIX, ainda se encontrava na Europa, geralmente confinado, mas sim um gueto pior, porque teria vigilância armada. Seria uma espécie de gueto mais próximo dos campos de concentração ou dos guetos da era Nazi. Criticada, a secretária estadual de Ambiente, Marilene de Oliveira, defendeu o projeto do cercamento das favelas:

“Qualquer terreno é cercado por muro de três metros de altura. Você mora num condomínio com muro de três metros. Uma comunidade como aquela é um condomínio. É natural que ele seja cercado por um muro de três metros.”

Na época escrevemos o artigo A Alpha Ville das comunidades – Alpha Vella. A grande diferença, que a secretária esqueceu, é que nos condomínios, nas Alpha Villes, os muros são para proteger os ricos enquanto na Alpha Vella seria para vigiar os pobres.

A opressão que levou para o Rio as UPPs levou também os Caveirões. Em especial, introduziu, ou melhor, aprofundou bastante, o clima continuado de guerra numa escalada crescente de confrontos.

Em julho de 2015, a Folha fez uma matéria com o título Para cada policial morto no Rio em 2015, 25 pessoas morreram em ações policiais. Em relação a 2016, dados divulgados pelo G1 Rio, mostraram que até o fim de agosto, 70 policiais tinham sido mortos no Rio. Naturalmente, esse número já cresceu bastante de lá para cá. É mais que evidente que as políticas para o combate à criminalidade e à violência demonstram resultado negativo.

Mas deveriam ter resultado positivo? Não. Historicamente no Brasil, em todo o país, a repressão policial visou criar e reforçar a categoria dos marginais, isto é, daqueles para além, do lado de lá, da margem da sociedade respeitável, branca, supostamente de descendência europeia.

Enfim, a violência policial serve para produzir estrangeiros, figuras que não só não são incluídas na nação mas, pior que isso, parecem como uma ameaça a ela.

Não à-toa, portanto, os confrontos aparecem como uma guerra. São uma guerra. Há duas nações – uma branca, que começa no nível da classe média -, e outra negra, que começa no sopés dos morros e nos limites territoriais das periferias.

Os sete jovens assassinados no Rio, mesmo que não tenham sido executados pela polícia militar, o que contrariaria a versão dos fatos dado pelos familiares, foram vitimados pela guerra sem misericórdia contra os pobres. Uma guerra ainda mais cruenta quando os pobres são, além de pobres, homens jovens e negros.

O tratamento de terror para manter o cordão de isolamento entre as classes, para criar o estereótipo dos grupos perigosos, é hoje mais perigoso que nunca. Ele serve à histeria das classes médias, aos seus delírios inconscientes e medos atávicos, que, para dar expressão política ao pavor de ver os pobres chegando nas universidades e nas profissões historicamente monopolizadas por ela, potencializou seus preconceitos.

O medo de perder privilégios levou a classe média a show de horrores do racismo nas redes e dos comentários odiosos nas matérias sobre criminalidade. Ao transformar o dito “Bandido bom é bandido morto” na sua divisa, a classe média está esquecendo que esse é um ditado de bandido, já que a lei no Brasil proíbe o assassinado. E se bandido bom é bandido morto, os que defendem essa legenda podem terminar vítimas dela.

Como em toda guerra, só o início de um amplo diálogo poderia quebrar o ciclo de guerra e da mortandade. Será preciso criar inúmeras frentes de ligação e aproximação para romper o estado de guerra e conseguir, primeiro, tréguas e pequenos tratados de cessar-fogo para, em seguida, tentar chegar ao fim da guerra.

Para isso será preciso uma das transformações mais radicais que se pode exigir ao Brasil. A dificuldade para a abertura de um diálogo do tipo que estamos apontando, se pode medir pelo fato de o PT, um partido de esquerda, ter sido uma das forças políticas que mais fortaleceu a violência organizada contra os pobres no Brasil. Não só investiu imensas somas em equipamento e ampliação dos quadros policiais, como foi o grande incentivador das UPPs.

Tarso Genro, o papai da UPP, um dia terá que nos explicar melhor essa estória. Em visita à UPP do Vidigal, em 2012, Genro teve o prazer de ouvir de Sérgio Cabral essas palavras elogiosas de agradecimento:

“O governador Tarso Genro foi o grande precursor do apoio à nossa política de segurança. Como ministro da Justiça, apostou na nossa política de segurança. E a partir disso, a gente pôde realizar grandes parcerias com o Governo Federal. É um prazer trazê-lo aqui para mostrar um dos filhos dele, uma das UPPs que ele ajudou a construir – disse o governador Sérgio Cabral.”

O PT foi o papai das UPPs que, por sua vez, também deram crias. E tiveram um filho que está aí como primogênito e herdeiro, e se chama Jair Bolsonaro.

Ps: a imagem mostra uma cena comum na guerra da Síria, uma guerra que não é mais nem menos irracional que a guerra que hoje se trava no Brasil.

Bajonas Teixeira:
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