O diabo veste Prada e a hipocrisia verde oliva: Casos de corrupção e assassinato na ditadura militar que fazem a lava jato parecer fichinha

Imagem: Le Monde – Movimento

Por Rudolph Hasan*, colunista do Cafezinho

No início desse mês, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal requerendo a anulação da votação da emenda que incluiu o abuso de autoridade ao texto do projeto de medidas contra a corrupção (PL 4.850/2016). Família Bolsonaro querendo agora se passar por bastiões da moralidade? Teria sido o regime iniciado em 64 um celeiro de ética e transparência na gestão da coisa pública?

Conhecida pela defesa da ditadura militar, da tortura e avessa aos direitos humanos, a família Bolsonaro tenta se capitalizar politicamente através de um aparente combate à corrupção, buscando surfar na narrativa ressurgida das cinzas que difunde ter sido o regime militar um berço de ética e moralidade.

Não é de agora que vários grupos reivindicam o retorno do totalitarismo de coturno. Nas manifestações ocorridas no último dia 04/12 convocadas contra a corrupção, se repetiram as faixas e cartazes de louvor ao militarismo. Mas será que essas pessoas realmente sabem o que se passava atrás dos muros dos quartéis ou nos porões da ditadura?

Com a suspensão da liberdade de imprensa e cooperação de organizações como a Globo e outros veículos de comunicação, o regime iniciado em 1964 aparelhou todas as instituições do Estado, impedindo qualquer forma de controle externo ou autônomo das atividades de gestão. As contas públicas e o orçamento dos órgãos da administração não passavam por qualquer tipo de auditoria e o princípio da publicidade, sagrado em qualquer democracia, sequer existia enquanto conceito.

Se hoje prezamos pelo controverso instrumento da delação premiada, que confere benefícios como a redução de pena aos envolvidos em falcatruas que delatarem outros larápios, na ditadura delator era calado com uma bala na nuca ou presenteado com um suspeito acidente que lhe tirasse a vida e perpetrasse o silêncio.

Selecionei 3 casos de corrupção e até assassinato que escaparam ao patrulhamento do regime e ganharam publicidade, sendo objeto de pesquisas e publicações que tentam até os dias de hoje desmontar a fantasiosa imagem construída pela propaganda conservadora no Brasil, de que o mando militar seria ilibado e marcado pela retidão ética.

  • As comissões da General Electric

Em 1976, o presidente da General Electric no Brasil, Gerald Thomas Smilley, relatou ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) que pagou “comissões”, vulgo propina, para funcionários no país com o objetivo de conseguir contratos para a venda de locomotivas à Rede Ferroviária Federal, empresa estatal responsável pela operação das ferrovias brasileiras.

No ano de 1969, os militares editaram um decreto que destinava fundos especiais para a compra de 180 locomotivas da empresa que, surpreendentemente, tinha à época em seu quadro de diretores, Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente Arthur da Costa e Silva.

 

  • Caso Coroa-Brastel

O caso Coroa-Brastel foi aberto em 1985 após o Supremo Tribunal Federal receber denúncia contra o empresário Assis Paim Cunha (dono da maior empresa de eletrodomésticos da época, a Brastel), o ministro do planejamento Delfim Neto e o ministro da fazenda Ernane Galvêas.

Assis Paim foi acusado ao ter lançado no mercado mais de 500 bilhões de cruzeiros em letras frias, atingindo cerca de 35 mil investidores. Vendo desmoronar seu império, Assis Paim acusou Golbery do Couto e Silva, Delfim Neto, Galvêas e o presidente do Banco Central à época, Carlos Langoni, de terem pressionado-o a adquirir a Laureano, empresa que encontrava-se praticamente falida.

Os ministros do governo militar foram acusados de desviar recursos públicos na liberação de empréstimo pela Caixa Econômica Federal ao dono da Brastel.

No julgamento ocorrido somente em 1994, a denúncia contra Galvêas foi rejeitada e a acusação que pesava sobre Delfim Neto, então deputado, sequer foi levada a exame.

 

  • Caso Capemi e o assassinato do jornalista Baumgarten

A Capemi (Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepios), fundo privado de pensões criado e administrado pelos militares, venceu no início dos anos 80 uma licitação para desmatar uma área que viria a receber a empresa siderúrgica de Tucuruí. Após vencer o processo licitatório e mobilizar recursos de investidores para a realização do empreendimento que serviria para diversificar o portfólio da empresa, a Capemi simplesmente abandonou a operação, lesando investidores e deixando um rastro de corrupção, seguido pelo jornalista Baumgarten.

Em 1982, após publicar um dossiê sobre o escândalo da Capemi que envolvia os generais Ademar Aragão, Otávio Medeiros (então chefe do SNI) e Newton Cruz, o jornalista Alexandre Von Baumgarten foi encontrado morto. No dossiê, Baumgarten acusava Newton Cruz, dentre outra coisas, de estar tramando a sua morte.

Em depoimento concedido em 2012, o ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) Cláudio Guerra, afirmou que a ordem de assassinar Baumgarten havia partido do SNI (Serviço Nacional de Informações).

As apurações do caso Capemi revelaram que cerca de US$ 10 milhões teriam sido desviados para beneficiar o chefe do SNI à época, Otávio Medeiros, e outros integrantes da instituição.

 

Após essa breve retrospectiva relativa a alguns dos vários casos de corrupção que se desenrolaram nos anos de chumbo, não resta dúvida que a Operação Lava Jato e suas revelações (por vezes controversas e duvidosas), parecem brinquedo de criança se compararmos aos ardilosos meios utilizados pelos “ilibados” guardiões da moral trajados de verde oliva.

 

*Rudolph Hasan é Bacharel em Ciências Sociais (UERJ), Mestrando em Sociologia (UFF) e Membro do Coletivo Brizolistas Contra o Golpe.

Rudolph Hasan:

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