Lula, Bolsonaro e os exageros das análises classistas

Inspirado no artigo do André Singer, na Folha, e no comentário feito pelo Fernando Brito, no Tijolaço, eu também preparei algumas tabelas, correspondentes à última pesquisa Datafolha.

Entretanto, eu fui além e fiz um exercício mais interessante. Eu peguei o total de eleitores, calculado pelo TSE em aproximadamente 140 milhões, e fiz a conversão dos percentuais do Datafolha para o número de pessoas reais.

É interessante notar que, ao fazer isso, o argumento de Singer, de ricos votando em Bolsonaro e pobres votando em Lula, se enfraquece um pouco. Explico abaixo porque.

Estatísticas, quando vistas com excessiva frieza, criam algumas ilusões de ótica.

Quantos eleitores de carne e osso votam em Lula, quantos votam em Bolsonaro?

Eu fiz o cálculo.

Segundo o Datafolha, Lula tem 30% das intenções de voto, no cenário A, o que corresponderia a 42 milhões de eleitores. Bolsonaro teria exatamente a metade, 15%, ou 21 milhões de eleitores.

Quando a gente analisa, portanto, os números de eleitores ricos e pobres, estimados para cada candidato, o impacto simbólico “de classe” arrefece.

Na categoria dos mais pobres, que ganham até 2 salários, faixa a qual correspondem, segundo o Datafolha, 45% do eleitorado brasileiro, Lula tem 24,6 milhões de votos. Aí sim: temos uma vantagem enorme de Lula sobre Bolsonaro, já que este último tem “apenas” 5,68 milhões de votos entre os mais pobres.

Entretanto, nas categorias superiores a polarização vai decaindo. Vamos saltar para a classe mais rica.

Entre quem ganha mais de 10 salários, categoria a qual pertence 3,92% do eleitorado brasileiro, Bolsonaro lidera isolado, com 28% dos votos. Mas quando se converte isso em pessoas, a diferença sobre Lula perde bastante de seu impacto.

Nessa categoria, que corresponde a 6 milhões de eleitores, Lula tem 1,1 milhão de votos, contra 1,6 milhão de votos prometidos a Bolsonaro.

Vendo assim, seria forçar a barra afirmar que “os ricos estão com Bolsonaro”.

Também tem muita gente que ganha mais de 10 salários, mais de 1 milhão, apoiando Lula.

Nas faixas intermediárias, a coisa embola ainda mais. São duas faixas intermediárias: os que ganham de 2 a 5 salários, e os que ganham de 5 a 10 salários. Na primeira, Lula tem 24% do votos, contra 18% de Bolsonaro: em pessoas reais, a diferença se empalidece: Lula teria 6,82 milhões de eleitores nessa faixa, contra 5,12 milhões para Bolsonaro.

Na segunda faixa intermediária, a saber, entre os que ganham de 5 a 10 salários, Bolsonaro leva vantagem, mas igualmente as diferenças se diluem quando se observa os números absolutos: Lula tem 2,43 milhões de votos, contra 3,46 milhões de votos para Bolsonaro.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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