Amanhã vai ser outro dia

Por Denise Assis, colunista do Cafezinho

Enquanto Michel deixa claro ao país que sofre de autismo – e em seu caso não se pode acrescentar, “e ao mundo”, pois ninguém, nenhum chefe de estado jamais deu bola para ele –, pipocam pela mídia as especulações sobre o futuro da nossa pátria mãe. A imagem de que lançou mão em seu patético e tenso pronunciamento, de que a “montanha pariu um rato”, evidencia que, se por um lado ele teima em não ver o tamanho do fosso em que está prestes a cair (ou ser jogado), por outro se pela só em pensar em sair do Planalto pela porta dos fundos, escoltado pelos homens de preto da PF.

Enquanto a perplexidade tomou conta da população em geral, e do mercado financeiro (sempre ele), em particular, no meio político as confabulações se sobrepõem para apontar a Constituição como saída e “única” saída. Ok. Mas de qual Constituição estamos falando? De que ordem estamos tratando? De que interesses estamos cuidando?

Sem querer apimentar ainda mais o que já está mais ardido que prato mexicano, talvez caia bem um antigo sucesso da sambista Beth Carvalho: “chegou a hora/ vais me pagar/ pode chorar/ pode chorar…”

Ora, não é de hoje que estamos engolindo todos os arranjos, todas as negociações, em nome da tal “governabilidade”. Topamos uma anistia meia-boca, quando éramos muitos, milhares, nas ruas a gritar por uma “anistia ampla, geral e irrestrita”. E lá foi o MDB fundado em (24 de março de 1966 e transformado no atual PMDB em 15 de janeiro de 1980), a tecer o tricô dos acertos, à revelia do que as ruas estavam dispostas a bancar.

Em seguida, voltamos (1983/1984), ganhamos as praças, éramos milhões a esgoelar por “Diretas Já”, enquanto novamente ele, o mesmo PMDB, desta vez já com um “P” no abre-alas, trabalhou para o nosso sonho de votar em um presidente, (o que só aconteceu em 1989). Foi quando o vovô Tancredo se colocou como candidato no Colégio Eleitoral, pelo PMDB. Entre peitar os generais e “acochambrar”, fomos de novo, como tolos, “procurar o desconsolo”, engolir o choro e comemorar uma vitória que não era nossa. Enxugamos as lágrimas na bandeira nacional, nas escadarias da Câmara, na Cinelândia, onde um painel exibia o nome dos que derrubaram o nosso sonho das eleições diretas. E quem se lembra deles?

E parou por aí? Não. Desta vez foi Deus, “um cara gozador”, que “adora brincadeiras”. Deu um breque no acordo, chamou o cara, e antes de juramentar no Congresso, na véspera da posse, uma diverticulite o tirou de cena. Havia uma Constituição em vigor. E foi seguida? Claro que não. Fomos golpeados pela espada do já indicado ministro do Exército, Leônidas Pires. De posse do impacto, da perplexidade nacional e do trauma do regime a que ele serviu – que matou, torturou e sumiu com centenas de brasileiros – ele nos impôs, à revelia do que dizia a Carta, José Sarney. Mais uma vez engolimos o choro e tivemos um presidente que não escolhemos. Ulysses Guimarães, que deveria assumir, foi morar alguns anos depois nas ondas do mar.

Finalmente o voto direto – 1989 – festa da democracia. Surgia o novo. O “delles”. Uma ardilosa manipulação levou ao palácio “aquelle” que sairia de lá dois anos depois. Itamar, seu substituto, um homem simples e apegado aos princípios democráticos, cumpriu o que determinava a Constituição. Deixou o governo no tempo regulamentar, fazendo o seu sucessor. Finalmente, a normalidade.

Por pouco tempo. E mais um golpe. Este ninguém se atreve a dar-lhe o nome correto. Não foi registrado como tal. Fugindo totalmente ao que dizia a Carta Magna, vimos o espetáculo da reeleição votada em causa própria, numa espetacular manobra radical. Reclamamos? Não. E quem haveria de mexer em time que estava ganhando o jogo para eles?

E como não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe, foram feitas as eleições à luz do que mandava a Constituição. Vieram os governos democráticos, com redução da desigualdade e estabilidade econômica. O problema: não era um deles, lá.

A nova disputa foi feita quase sob sopapos. O derrotado deles fez beicinho e prometeu não deixar barato. Ignorando a Constituição e os pareceres técnicos, sua turma não se deu ao trabalho de conferir o que estava ou não estava dentro da lei, embora a regra fosse clara. Para haver o impeachment, haveria de ter o crime de responsabilidade. Usando Michel como traidor-voluntário, pouco se importou. Foi com toda a sede ao pote. Michel, encalacrado até as orelhas levou para a proteção dos gabinetes toda a sua trupe de investigados e indiciados. Deu errado, Michel. Está na hora de saltar. E, agora, que as raposas desdentadas já começam a se esgueirar exibindo a Constituição conspurcada e enxovalhada, para novamente nos empulhar um substituto, o povo foi às ruas para demonstrar que está na hora de, finalmente, pegarmos a nossa história e colocá-la nos trilhos. Pelo bem do nosso futuro, pela remissão do nosso passado: “Diretas Já”.

*Jornalista

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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