A privatização da segurança pública no Rio de Janeiro

Por Roberto Ponciano, exclusivo para o Cafezinho

O Rio de Janeiro privatizou a polícia, ao arrepio da Constituição Federal e das leis estaduais, com a cumplicidade do Ministério Público, ALERJ, Câmara dos Vereadores, Governador do Estado e Prefeitura. Criou uma milícia armada, organizada, a soldo do setor empresarial e totalmente à margem de controle e fiscalização.

Estamos falando da “operação Rio presente”, uma forma mal-disfarçada de burlar a lei, criando um problema para depois impor sua “solução”.

Antes de tudo, vamos explicar porque se criou um problema para impor sua solução. Os índices de furto a pedestres no Centro do Rio de Janeiro são altos. A forma mais elementar de baixá-los é estender e reforçar o policiamento ostensivo. Não que sejamos defensores de que a polícia é a solução para criminalidade, mas para furtos, pequenos e rápidos, com ou sem armas, basta o policiamento ostensivo para diminuí-los, a luz do dia, na frente de todos. O que se faz então? Retira-se a Polícia Militar das ruas, e se produzem, aos montes, notícias nos meios de comunicação sobre a “insegurança do Centro da Cidade e adjacências”. Propagandeia-se que, “devido á falência do Estado é impossível fazer-se o patrulhamento”. e aí se produz uma “solução”, diferente da mais simples, aumentar o policiamento ostensivo, para o problema criado ao diminuir o policiamento no centro da cidade.

Uma operação de PRIVATIZAÇÃO DA SEGURANÇA. “Financia-se e financeiriza-se a segurança pública” do Rio de Janeiro, através do sistema Fecomércio, e se cria um “bico”, um trabalho fora do horário, remunerado á parte, para policiais militares, civis, bombeiros e guardas municipais, que já são pagos para prestar segurança pública. Sim, sei que muita gente ainda nem parou para pensar, mas a população está pagando duplamente pela segurança. Uma vez o salário dos agentes públicos que deviam estar nas ruas a patrulhando, e uma outra vez, financiando as isenções, para que os policiais sejam “recontratados”, em “seus horários de folga”, para fazer a segurança que deviam fazer normalmente, em seu horário de trabalho!

Tudo FLAGRANTEMENTE ILEGAL. Com a histeria coletiva provocada, uma enxurrada de novos seguranças, com camisas vermelhas e brancas que mais parecem de escola de samba, estão na rua, armados até os dentes. Esta demanda provocada de segurança é então aliviada por estes policiais duplamente pagos. Este “alívio” no número de pequenos furtos dá a falsa impressão de segurança.

E porque dizemos que é um falso problema e uma falsa solução. Se somente o aumento do número de policiais na rua espantou os furtos, bastaria aumentar o policiamento ostensivo da PM, utilizando o mesmo contingente que agora faz o bico ilegal, para atuar dentro das atribuições previstas na Constituição Federal e Estadual! Bastava um simples reforço no policiamento, sem os malabarismos desta operação que criou a milícia oficial da FECOMÉRCIO (que não está acolhida de forma nenhuma na CF, na Constituição Estadual, é mais do que ilegal, é inconstitucional!).

Por pior que seja nossa polícia militar, sabemos como e onde reclamar, quem comanda, a cadeia toda de comando e como proceder nos casos de abuso. Onde é a corregedoria, quem é o comandante.
Na milícia da FECOMÈRCIO temos uma polícia fora da polícia, com cadeia de comando extra-oficial, que “reforça” a polícia legal e atua em paralelo a ela. Em caso de abuso, ninguém sabe muito bem a quem recorrer.

Neste processo de privatização e criação de milícia armada oficial, financiada pelos empresários, mas paga pelas isenções fiscais, se cria a ilusão de resolução de um problema:

1. Primeiro diminui-se o número de policiais nas ruas, com a desculpa de que o Estado está falido.

2. Este Estado falido doa 200 bilhões de isenção a estes mesmos empresários (sem contar sonegação, que está no mínimo no mesmo patamar), e assim financia o “financiamento” dos empresários a sua segurança.

3. Dá-se um ar de legalidade á operação, os empresários, financiados pelas isenções fiscais, retornam menos de 1% do que ganham do Estado em renúncia fiscal. Conseguem mais benefícios ao financeirizar esta milícia legalizada, assim recobram o que investem em novas quotas de isenção.

O resultado? Um falso ar de segurança e um novo e grave problema de segurança pública. Por que um grave problema? Se discutirmos, inclusive, qual é o papel da PM e queremos uma segurança pública cujo objetivo principal não seja a punibilidade, mas a prevenção; se queremos discutir uma polícia cidadã e sequer começamos a ponderar sobre o papel da polícia civil e militar na sociedade, agora ainda temos que discutir qual o papel afinal desta milícia legalizada!

O Ministério Público, desde o show midiático do mensalão, transformou-se em justiceiro da sociedade, aqui no Rio de Janeiro fez vistas grossas ao problema legal constitucional da milícia armada chamada “Rio presente”. A manipulável “opinião pública” está “feliz” com a falsa solução e o falso ar de segurança. Agora temos policiais civis, militares, guardas muncipais e bombeiros flanando pelas ruas, com distintivos no pior estilos xerife do velho oeste, fazendo segurança fora de qualquer esfera legal; Policiais reprimindo e prendendo fora do seu horário de serviço, sem nenhuma previsibilidade legal, sem estar ligados a nenhuma batalhão ou delegacia de polícias. Tudo isto amparado no falso dilema da falência do Estado, falso porque o estado do Rio de Janeiro falido, ao fim e ao cabo é quem paga a conta.

A polícia do Rio continua ineficaz, investigando e punindo pouco. Agora esta mesma polícia tem como principal missão a de patrulhar e proteger o comércio (e não o cidadão, como alguns podem acreditar). Fazer a gentrificação do Centro, expulsar pobres, principalmente negros, “eugenizando o Centro da cidade”, revistando e coagindo sem mandado e sem autoridade legal nenhuma.

O pior dos pesadelos, uma cidade no pior estilo Gothan City, no qual os policiais fora de serviço não respondem legalmente pelos seus atos, no qual uma operação ilegal assume ares de legalidade, e ainda tem o apoio da maioria adormecida da sociedade. Uma cidade onde a repressão é feita sem nenhum amparo no sistema legal de Direito.

Ter uma polícia diretamente financiada e a serviço dos empresários é uma grave ameaça ao Estado Democrático de Direito!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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