Golpe está a um passo de cortar bolsa de 100 mil estudantes e pesquisadores

Enquanto isso, o pessoal preocupado com a Venezuela e a imprensa, com reformas num sítio em Atibaia…

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CNPq atinge teto orçamentário e pagamento de bolsas pode ser suspenso

Principal agência de fomento à pesquisa do país não terá recursos para pagar bolsas e projetos a partir de setembro, se orçamento não for descontingenciado imediatamente pelo governo federal. Mais de 100 mil bolsistas e pesquisadores podem ser prejudicados

Por Herton Escobar
02 Agosto 2017 | 07h53

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) está financeiramente esgotado e não terá dinheiro para pagar bolsas e projetos a partir do mês que vem, caso seu orçamento não seja descontingenciado imediatamente pelo governo federal. Cerca de 90 mil bolsistas e 20 mil pesquisadores poderão ser prejudicados pela interrupção dos pagamentos.

“O caso é de urgência urgentíssima”, disse ao Estado o presidente do CNPq, Mario Neto Borges. “Acabou o dinheiro.”

O CNPq é a principal agência de fomento à pesquisa do País, exercendo um papel fundamental no desenvolvimento da ciência e da pós-graduação nacional, por meio do pagamento de bolsas e do financiamento de projetos. Muitos pós-graduandos dependem desses recursos como única fonte de renda, para pagar as contas e se manter na universidade fazendo pesquisa.

Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o CNPq vinha sendo poupado do corte de 44% do orçamento do pasta, anunciado em março pelo governo federal. Mas o prazo dessa proteção está prestes a vencer.

“Até agosto conseguimos honrar nossas dívidas. De agora para frente, se não houver uma ampliação dos limites de empenho, vamos ficar impedidos de cumprir os compromissos assumidos, incluindo o pagamento de bolsas”, afirma Borges. Ele deve se encontrar ainda hoje com o ministro Gilberto Kassab para discutir a situação.

O orçamento do CNPq aprovado para este ano é de R$ 1,3 bilhão, mas, por causa do contingenciamento, o órgão está autorizado a gastar apenas 56% disso (R$ 730 milhões). Até a semana passada, já havia gasto R$ 672 milhões. Segundo Borges, a estratégia foi atrasar a aplicação do corte para o fim do ano — em vez de parcelá-lo mês a mês — para ganhar tempo, na esperança de que o ministério consiga desbloquear os recursos que foram congelados.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) enviaram uma carta ao ministro Kassab na segunda-feira, alertando para este colapso orçamentário do CNPq e pedindo o descontingenciamento de R$ 570 milhões do orçamento da agência. Esse é, mais ou menos, o valor que o órgão necessita para fechar as contas do ano, segundo Borges.

Investimentos do CNPq em bolsas e projetos de pesquisa desde 2001 (valores absolutos, sem contar a inflação). Fonte: CNPq / Dados atualizados até junho/2017 – Os resultados apresentados para o ano corrente são parciais

Resposta

Procurado pela reportagem, o MCTIC afirmou que “trabalha pela recomposição orçamentária” junto aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, que reconhece o papel “imprescindível” da pesquisa científica para o desenvolvimento do País, e que “acredita que o CNPq não terá descontinuidade no pagamento dos projetos e bolsas”.

Outro prejuízo para o CNPq foi o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que serve como um complemento ao orçamento do Tesouro. A expectativa era receber R$ 400 milhões do fundo neste ano, mas até agora só entraram R$ 60 milhões, comprometendo drasticamente a capacidade do CNPq de pagar seus editais e financiar pesquisas científicas.

Uma consulta ao Painel de Investimentos do CNPq não deixa dúvidas sobre o colapso orçamentário do órgão. Os valores investidos em pesquisa são tão pequenos que quase desaparecem dos gráficos nos últimos dois anos. O número total de bolsas também caiu cerca de 10% desde 2015, de aproximadamente 100 mil para 90 mil. Grande parte dessa queda deve-se ao fim do programa Ciência sem Fronteiras, que inflou os números de 2012 a 2015, mas há também um perda relacionada à redução do número de chamadas (editais) abertas pelo CNPq nos últimos dois anos, já que muitas delas contemplavam também a concessão de bolsas para projetos de pesquisa.

A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) divulgou um cálculo anteontem dizendo que o CNPq estava pagando 45% menos bolsas de mestrado e doutorado neste ano do que em 2015. Borges disse que os números da associação estão incorretos, e que não houve cortes nas bolsas de mestrado e doutorado no país — apesar de ter havido redução no número de bolsas em outras categorias.

Perspectivas

Outra grande preocupação diz respeito ao orçamento do ano que vem. O valor mínimo necessário para manter o CNPq funcionando em 2018, segundo Borges, é de R$ 1,9 bilhão; mas a primeira sinalização do governo federal vai no sentido de reduzir o orçamento do MCTIC ainda mais no próximo ano.

“Com um orçamento abaixo de R$ 1,9 bilhão no ano que vem, não temos como manter os compromissos”, afirma Borges. E isso, segundo ele, é só para “fazer o feijão com arroz” e manter as operações básicas de pé. “Todo governo gosta de distribuir riqueza; mas distribuir riqueza sem gerar riqueza não tem jeito. E para gerar riqueza não tem outro caminho se não usar ciência, tecnologia e inovação”, conclui Borges, alertando para a necessidade de se preservar os investimentos na área.

Número de bolsas e auxílios à pesquisa concedidos pelo CNPq. Fonte: CNPq / Dados atualizados até junho/2017 – Os resultados apresentados para o ano corrente são parciais

Número de bolsas de mestrado pagas pelo CNPq. Fonte: Painel de Investimentos CNPq / Dados atualizados até junho/2017 – Os resultados apresentados para o ano corrente são parciais

Número de bolsas de doutorado pagas pelo CNPq. Fonte: Painel de Investimentos CNPq / Dados atualizados até junho/2017 – Os resultados apresentados para o ano corrente são parciais

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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