“Recuo” do governo sobre impostos é a volta dos que não foram

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A manchete do Globo de hoje é o exemplo do exercício ficcional que se tornou o jornalismo brasileiro. O governo “recuou” de uma decisão que não havia tomado, sobre elevação das alíquotas do imposto de renda.

Com isso, a mídia produz um factoide político que ajuda o governo. Na falta de notícias boas, inventa-se uma notícia ruim que depois é “cancelada”. A questão dos impostos, porém, não é debatida. Os jornais colhem alguns lugares comuns da boca de lideranças políticas, empresariais e sindicais, e o assunto é enterrado.

A imprensa nacional mantém o cidadão brasileiro absolutamente desinformado sobre o que acontece no resto do mundo. É evidente que um governo sem legitimidade não pode elevar impostos – esse é o problema central.

Mas é preciso mostrar ao brasileiro como fazem outras nações. Ora, não se admite sequer que se façam estudos sobre a questão tributária no país? Como assim? A questão tributária, que deveria ser o assunto mais debatido pela população, é deliberadamente abafada pela imprensa que se diz “livre” e “independente”.

É melhor mesmo iniciar outra etapa da Lava Jato…

Hoje em dia, as informações são fáceis de obter. Basta consultar o Google. É o tipo de informação que vale a pena ver no Wikipédia, por exemplo: um ranking internacional, por país, do imposto de renda, com colunas para alíquotas máximas.

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_tax_rates

Aí você verá que os países mais ricos do mundo, como Inglaterra, EUA, Suécia, Alemanha, França, Canadá, Áustria, tem alíquotas máximas bastante elevadas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a alíquota máxima é de 53% da renda do indivíduo, na soma dos impostos federais e locais. Considerando apenas os impostos federais, a alíquota máxima nos EUA é de 40%.

Na Inglaterra, a alíquota máxima é de 62% em alguns casos, porém o nível mais comum é de 45% para pessoas com rendimento anual superior a 150 mil libras.

No Japão, a alíquota máxima é de 50% e a taxa sobre o consumo é fixada em 8%.

No Brasil, a alíquota máxima é de 27,5%. É uma das mais baixas do mundo. O consumo, por outro lado, tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, de 17% a 25%. É a maneira que os ricos do Brasil encontraram de transferir a carga para o lombo dos mais pobres.

Entretanto, como pode o governo vir agora falar em elevação de tributos, se ele acaba de conceder isenção e perdão tributárias de dezenas de bilhões de reais para latifundiários?

Há ainda a questão dos impostos que incidem sobre lucros e dividendos das empresas. Esse é outro assunto proibido na imprensa brasileira.

O Banco Mundial oferece um banco de dados bastante completo sobre carga tributária média nos principais países, incluindo num só cálculo todos os tipos de impostos e tributos aplicados a renda, lucros e ganhos de capital.

Segundo essa metodologia do Banco Mundial, os países mais ricos do mundo, EUA à frente, registram as mais altas cargas tributárias.

O percentual médio de tributos pagos sobre renda, lucros e ganhos de capital, nos EUA, vem crescendo substancialmente desde 2009, e já estão em 54,6%, um nível que só é superado, no mundo, pela Austrália.

O gráfico mostra que os problemas fiscais do Brasil estão relacionados com a contínua queda da carga desde o mesmo ano de 2009. Ou seja, enquanto os EUA iniciaram um movimento de recuperação fiscal, elevando os tributos, o Brasil foi na direção contrária.

Entretanto, um movimento de recuperação fiscal no Brasil só teria sentido se houvesse um debate sério, transparente, plural, sobre a questão tributária. Para isso, precisaríamos de uma imprensa democrática, o que não temos. A nossa imprensa serve para omitir, mentir, esconder dados, de maneira a impedir que os brasileiros consigam debater as questões fundamentais da democracia com um mínimo de autoconfiança.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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