Distritão: o pior dos mundos em uma reforma política

Por Theófilo Rodrigues

A notícia de que a comissão da Câmara dos Deputados, que analisa a reforma política, aprovou na noite de ontem a proposta conhecida por “distritão”, caiu como um balde de água gelada sobre quem estuda sistemas eleitorais no Brasil.

Para que seja válida já em 2018, a proposta precisa ser aprovada nos plenários da Câmara e do Senado antes de setembro. O prazo é curtíssimo, o que faria com que qualquer analista, em tempos normais, fosse cético com relação à sua aprovação. Contudo, a eficiência do atual Congresso em aprovar medidas desastrosas não deve ser subestimada.

Mas por que a aprovação do “distritão” seria desastrosa para a democracia?

O atual sistema eleitoral brasileiro é baseado no voto proporcional. Esse, aliás, é o modelo que vigora na maior parte dos países do mundo.

O sistema proporcional funciona, grosso modo, da seguinte maneira.

Imaginemos uma cidade que possui 100 eleitores e uma Câmara composta por 10 vereadores. Para que um partido possa eleger um vereador, ele precisa alcançar uma cota mínima de votos. Essa cota mínima é calculada pelo número de votos válidos naquela eleição (100) dividido pelo número de cadeiras (10) disponíveis.

Ou seja, para que um partido possa eleger pelo menos um vereador nessa cidade ele precisa que a soma de todos seus candidatos e os votos de legenda alcancem 10 votos. Se o partido X teve 20 votos ele elege dois vereadores, no caso, os dois candidatos mais votados desse partido.

Nessa eleição hipotética, o partido X lançou 4 candidatos que tiveram o seguinte resultado:

  • Candidato A – 6 votos
  • Candidato B – 5 votos
  • Candidato C – 4 votos
  • Candidato D – 3 votos
  • Legenda – 2 votos

Como a soma deu 20 votos, o que lhe garante apenas duas cadeiras, foram eleitos os candidatos A e B.

Agora, imagine um partido Y que teve o seguinte resultado:

  • Candidato E – 7 votos
  • Candidato F – 1 voto
  • Candidato G – 1 voto
  • Legenda – 0 votos

A soma de votos desse partido foi 9 o que não lhe garante nenhuma vaga.

Notem que o candidato E do partido Y foi o mais votado com 7 votos, mas não entrou graças à insuficiência eleitoral de seu partido.

Já os candidatos A e B, tiveram menos votos que o candidato E, mas como o partido X teve votos o suficiente para conquistar duas vagas, eles foram eleitos.

Um caso exemplar ocorreu no Rio de Janeiro em 1998. Naquela ocasião, o candidato Lindbergh Farias, na época filiado ao pequeno PSTU, foi o mais votado no Rio de Janeiro com 73 mil votos. No entanto, o PSTU não teve votos suficientes para conquistar uma cadeira. Lindbergh ficou de fora. Mudou então para o PT, legenda forte onde conseguiu ser eleito em 2002.

Qual a vantagem desse sistema eleitoral proporcional?

Ora, fica claro que o sistema proporcional favorece a coletividade e não a individualidade; o que importa aqui não é uma personalidade que possa ser muito bem votada, mas sim a força que o conjunto do partido possui.

E o “distritão”, como funcionaria?

Com o “distritão”, apenas os mais votados seriam os eleitos, independentemente da quantidade de votos que cada partido teve. No exemplo supramencionado, o candidato E entraria, mesmo tendo seu partido alcançado um resultado geral pífio.

A tendência, caso o “distritão” seja, de fato, aprovado, é que haja uma redução drástica da renovação política. Os partidos passarão a apostar apenas em dois ou três candidatos que são mais conhecidos, enquanto novos nomes serão retirados da disputa.

Ademais, há uma tendência para uma fragmentação ainda maior dos partidos, já que o detentor dos votos poderia ser eleito em qualquer legenda.

Diga-se de passagem, esse modelo só existe em quatro países do mundo e que não são exatamente conhecidos por suas qualidades democráticas: Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes Unidos e Vanuatu.

A reforma política que o Brasil precisa é aquela que possa aproximar a sociedade dos partidos.

Nessa direção deve ser aplaudida a decisão do STF em 2015 de proibir o financiamento empresarial de campanhas. Essa decisão estimula cada partido a procurar a sociedade para garantir seu financiamento, o que é muito positivo.

Mas ainda há muito que possa ser feito, como a criação de um teto para as doações individuais de campanha, uma redistribuição mais igualitária do tempo de televisão e rádio entre os partidos e um endurecimento das regras de fidelidade partidária para impedir que parlamentares mudem de legenda como quem muda de camisa.

Há também mudanças culturais na vida dos partidos que podem ocorrer sem depender das reformas institucionais. O recente exemplo francês de realização de prévias abertas de partidos de um mesmo campo ideológico para definir candidatos unitários merece ser olhado com maior atenção.

A sociedade precisa “ocupar” os partidos. Infelizmente, o “distritão” caminha no sentido contrário.

 

Theófilo Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

Theo Rodrigues: Theo Rodrigues é sociólogo e cientista político.
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