Prisão e morte do reitor da UFSC, por Rogério Dultra

Prisão e morte do Reitor da UFSC

Por Rogerio Dultra

Um Processo Administrativo Disciplinar que corre desde 2006 na UFSC para verificar a existência de desvio de verba da Capes resultou, na semana retrasada, na prisão do Reitor. Hoje, às 10:30 Luiz Carlos Cancellier de Olivo se transformou tragicamente na vítima direta da espetacularização punitiva em voga no país.

O reitor estava com um ano e meio de mandato.

De repente, um Processo Administrativo Disciplinar aberto desde 2006 implicou em sua prisão cautelar, em 2017. Isto soa muito estranho. Alguns, da velha guarda, diriam que é surreal.

Não vi o processo da “Operação Ouvidos Moucos” da Polícia Federal em Santa Catarina, mas a ação espetacular de prisão sem culpa provada e sem direito à defesa e e contraditório cheira, em termos jurídicos, à utilização distorcida da teoria do domínio do fato para fins midiáticos.

Ou seja, já que a UFSC não tomou providências há anos, prende-se o responsável formal pela instituição de forma espalhafatosa. Mesmo que ele não tenha nenhuma relação com os fatos criminosos.

Seguidores da jurisprudência esdrúxula do STF que vaticina que na falta de provas a “literatura jurídica” permite condenar pululam a cada esquina.

“Juristas” que entendem que posição hierárquica superior implica automaticamente em responsabilidade por crimes realizados por subordinados estão na moda.

Pois bem. Esta irresponsabilidade que condena diariamente milhares de brasileiros à prisão sem processo, faz mais uma vítima. Desta vez alguém que não é invisibilizado pela situação social de miséria.

Se estivéssemos num Estado Democrático de Direito a questão seria a seguinte: mesmo com algum indício ou prova de que o Reitor da UFSC comandava uma quadrilha há pelo menos 10 anos dentro da Universidade, a sua prisão seria a opção mais extrema a se tomar, a medida cautelar excepcional. Como a exceção é a regra de nossas instituições repressivas, se está diante de mais um arbítrio, de mais uma violação grotesca dos direitos fundamentais constitucionais, bem à moda da “operação lava-jato”. Desta vez com um resultado trágico.

Mas este lamentável desfecho não é algo pontual no que respeita ao desprezo e à falta de respeito pela educação pública. As Universidades públicas são um alvo óbvio e privilegiado dos arautos do desmonte do Estado brasileiro.

O caso do árbitrio repressivo contra a UFSC e o seu reitor é emblemático, mas infelizmente não é isolado.

Violar a constituição e o devido processo penal e, de roldão, fragilizar um local histórico de residência democrática é muito tentador para agentes institucionais que operam como herdeiros da ditadura empresarial-militar brasileira.

A ditadura de 64 trabalhou de forma sistemática para desmontar as universidades brasileiras a partir de um modelo de privatização norte-americano desenvolvido por intelectuais que encontraram solo fértil exatamente em Santa Catarina.

A expansão do ensino privado nos moldes das universidades “comunitárias”, com cobrança de mensalidades prosperou lá. Este é o modelo de educação que os arautos do golpe desejam para o país.

E é possível dizer que o crescimento desenfreado do ensino privado só foi ameaçado com a ampliação do sistema federal de educação nos governos Lula-Dilma.

Então, atacar a UFSC e o seu hoje falecido reitor, é lamentável, muito lamentável e triste, mas não é espantoso.

Dito isto, esta operação que se completa de forma abjeta, parece ser mais uma a unir, prenhe de inconstitucionalidades, Polícia Federal, MPF e TRF-4.

Conheci alguns juízes federais que atuam em Santa Catarina e que verdadeiramente honram a toga. Certamente uma eventual denúncia fundada na teoria do domínio do fato não prosperaria em suas mãos.

Mas hoje, época em que autoridades judiciais discutem processos em andamento na mídia, tudo é possível.

Para o bem da UFSC e da Universidade Pública espero que esteja certo, e que esta operação da PF seja um grande show com desígnios inconfessáveis, a ser desmascarado ao mais leve toque da legalidade institucional.

Mas, neste processo, uma vítima improvável, uma vítima inocente foi feita. Inocente! Porque não se provou a sua culpa antes de jogá-lo à sanha destruidora de reputações desta mídia criminosa.

Cancellier foi humilhado, preso, humilhado de novo, sem poder provar sua inocência, o que provavelmente poderia evitar este deslinde trágico.

Hoje, por ser uma vítima desta insana máquina de moer gente que é o nosso sistema repressivo, em comunhão delitiva com os meios de comunicação de massa, se pode dizer:

Luiz Cancellier, presente!

Rogerio Dultra: Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.
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