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Um corpo que cai

Por Denise Assis “O movimento vertical no vácuo é um caso particular de movimento uniformemente variado (MUV).” (No estudo de física a queda livre é uma particularização do movimento uniformemente variado) Quando o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, dirigiu-se por volta das 10h30 ao quarto andar do […]

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Por Denise Assis

“O movimento vertical no vácuo é um caso particular de movimento uniformemente variado (MUV).”

(No estudo de física a queda livre é uma particularização do movimento uniformemente variado)

Quando o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, dirigiu-se por volta das 10h30 ao quarto andar do shopping Beiramar, em Florianópolis e soltou o seu corpo no ar, fez mais pelos movimentos de resistência ao golpe de 2016, que os milhares de manifestantes que lotaram as praças das capitais e cidades do interior, para protestar. O seu vôo solo definiu, com contornos mais fortes, o Brasil policial/ditatorial a que estamos submetidos desde então, subjugados por regras tão rígidas quanto fluidas, de um Judiciário totalmente atrelado ao sonho de um juiz de primeira instância, que ambicionou importar para o país a operação “Mãos Limpas”, da Itália. É bom lembrar, no entanto, que lá toda a movimentação em torno da pretensa ação para varrer a corrupção do mapa, trouxe ao poder um Silvio Berlusconi, e 11 cadáveres, por suicídio.

Aqui, estamos na terceira vítima, se considerarmos que D. Marisa Letícia sucumbiu à tristeza e às pressões de ver a vida de sua família devassada e ser alvo das persistentes acusações a ela e ao marido. Seu aneurisma latente explodiu. Logo em seguida, lá se foi Marco Aurélio Garcia. Seu coração simplesmente parou perplexo ante os rumos que tomava o partido ao qual se dedicou toda uma vida, desgastado por sucessivas “delações”. Por fim, Cancellier fez do ato extremo de se lançar no ar, o ato político mais marcante dos últimos desdobramentos da “Operação Lava Jato”, dirigida por Sergio Moro, o colega da delegada Érika Marena, ex-integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato, em Curitiba (PR).

Antes de saltar para a morte, Cancellier, como era chamado pelos colegas, redigiu um bilhete: “Minha morte foi decretada no dia de minha prisão”, escreveu. A frase tem a concisão de quem já passou pelo jornalismo e a eloqüência de uma carta testamento. Aponta corajosamente o dedo para os que lhe fizeram “ouvidos moucos” – nome escolhido para a operação, pela PF – e dirigida pela comandante da área de combate à corrupção e desvios públicos, Dra. Érika Marena. Um detalhe ampliou a comoção que se seguiu à sua morte. Cancellier, antes de pular para o nada, escolheu para vestir por dentro da camisa social uma camiseta da UFSC.

O reitor foi exposto ao vexame de ser preso, no dia 14 de setembro, por determinação da juíza Janaína Cassol Machado, e conduzido a um presídio comum, onde foi obrigado a ficar nu, teve as suas partes íntimas tocadas no ritual da revista invasiva, feita nesses casos. A prisão, ainda que tenha durado um dia, é questionável, do ponto de vista do rigor jurídico, pois foi feita antes mesmo do reitor ser chamado a prestar esclarecimentos.

A acusação que pesava contra ele, foi a mesma que o juiz mito tem atribuído a outros acusados, submetidos aos rigores de uma prisão preventiva abusiva. Cancellier teria “obstaculizado as investigações internas” sobre irregularidades na gestão de recursos dos cursos do Educação a Distância (EaD), da unidade de ensino, no bojo da operação que apurava, de acordo com a ação policial, o desvio de R$ 80 milhões. Fontes ligadas à universidade, no entanto, dizem que, na verdade, esse é o montante destinado ao programa, e o que teria sido desviado, não chega a o,5% desse total.

As apurações foram iniciadas no departamento de Física, a matéria que estuda, dentre outras coisas, o deslocamento dos corpos no espaço.

Ao repórter Marcelo Andrade, do Diário Catarinense, não passou despercebido o fato da delegada Érika, que coordenou a operação que resultou na prisão do reitor, ter deixado “a robusta equipe montada em Curitiba”. Em sua reportagem publicada em 19 de setembro, ele destaca que a Dra. Éricka estava “acostumada aos holofotes nacionais com a repercussão das fases da operação e às prisões de envolvidos em crimes do colarinho branco”. Soou incomum ao jornalista que ela tenha preferido ir para Florianópolis, “para chefiar a discreta e tímida estrutura da delegacia de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da PF na Capital catarinense. Oficialmente, a mudança foi uma promoção na carreira. Para o presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, a remoção para uma unidade menor causou estranheza nos delegados federais e, evidentemente, não se tratou de uma promoção.”

Provavelmente, a retirada estratégica para Florianópolis, tenha a ver com a proporção que  a delegada estava tomando na cena da PF, a ponto do seu nome estar sendo defendido pela associação para o cargo de diretor da PF em uma eventual substituição ao atual diretor, Leandro Daiello. Paranaense de Apucarana, 41 anos, a delegada Érika chegou a ser eleita em uma votação nacional informal da ADPF como a preferida para chefiar a instituição.

E é bom não esquecer, também, que a Dra. Érika deixou o cargo na Lava Jato surfando num sucesso que a levou para as telas do cinema, na pele da atriz Flávia Alessandra, no filme que leva o nome da operação Lava Jato. E, outro dado de relevância: a delegada trabalhou na condução do caso que ficou conhecido como CC-5, ou o escândalo do Banestado. As apurações, iniciadas em pleno do governo FHC caminharam de 1996 a 2003. Mesmo tendo à frente o “incansável?” juiz Sergio Moro, cuja fama é a de um justiceiro, nem Moro nem a determinada delegada viram naquelas investigações que envolveram grandes empresas (Globo) e políticos expressivos, (e apuravam o sumiço de 124 bilhões de dólares), nenhum motivo para incriminar ou punir ninguém. Estranhamente a CPI do caso deu em nada.

Denúncia encaminhada à PF partiu do Corregedor-geral

A pressão sobre Cancellier vinha sendo feita pela corregedoria da UFSC, na pessoa do corregedor-geral Rodolfo Hickel do Prado. Em 19 de julho ele enviou ofício à Polícia Federal “denunciando” que o reitor estaria tentando impedir o prosseguimento da investigação interna, que analisa os crimes apurados pela PF.

No documento, ele “particulariza” a sua denúncia, alegando que recebeu “diversos tipos de pressão, como ser rebaixado a uma função comissionada menor, por não aceitar ser subserviente ao gabinete do reitor”. Ele acrescentou no documento encaminhado à PF, que tinha sofrido “ameaças de exoneração” e contestou a decisão do reitor de trazer para si o processo, em trâmite na corregedoria. Denunciou, também, que foi “obrigado” a repassar cópias da investigação ao gabinete da reitoria, mesmo o processo sendo sigiloso e de não ser, a seu ver, atribuição da reitoria aquele tipo de apuração.

Em seu ofício, ainda insinuou: “Parece que existe um conluio entre o gabinete do reitor com diretoria da Capes no sentido de tentar frustrar as investigações, uma vez que informações de caráter sigiloso tratadas com seu presidente foram passadas ao gabinete do reitor e ao setor investigado”. E, no final, Hickel pediu o afastamento do reitor.

Em total sintonia com a denúncia do corregedor, a delegada Érika Marena, responsável pela investigação, destacou na manifestação enviada à Justiça, que “a Controladoria Geral da União expressou estranheza no fato da reitoria da UFSC “avocar um procedimento específico da corregedoria”. Para a Dra. Éricka, a situação demonstrou a “preocupação dos investigados com o andamento do caso”. O ofício da corregedoria da UFSC, a manifestação da Superintendência da Controladoria Regional da União e o depoimento do corregedor-geral foram levados à Justiça para amparar o pedido de prisão.

Segundos fontes da própria universidade, no entanto, as coisas não são bem assim. As suspeitas de desvio de dinheiro recaem sobre o setor de ensino a distância, que é subordinado a uma Fundação de apoio de direito privado, que tem sistema próprio de gerenciamento, onde o reitor não tem controle total, sob pena de ser uma gestão centralizada, o que vai de encontro ao caráter de gestão que era feito por Cancellier.

Outro ponto a ser considerado é sobre o pedido de “avocação” feito pelo reitor, à matéria. Toda a investigação estava se dando no âmbito da Corregedoria, sem que o reitor estivesse participando de nada. Ele nem sequer sabia se estava ou não sendo citado. E, como a Corregedoria foi criada recentemente, no início de sua gestão, há lacunas sobre o seu gerenciamento. Por exemplo, uma das alegações do corregedor, Rodolfo Hickel, é de que o reitor se interessou em “avocar” o processo administrativo quando soube que o seu nome estava citado. De acordo com esta fonte, era natural que o reitor quisesse saber se estava ou não citado, até porque, sempre se colocou à disposição para ser ouvido. E, do ponto de vista do regimento geral da Corregedoria, o seu corregedor responde ao reitor diretamente nas questões administrativas, e esta investigação estava se dando no âmbito administativo.

E, por fim, a fonte destaca que ainda está pendente até agora, e isto está sendo discutido em Brasília, se cabe ou não a avocação nesses casos. Ou seja, não havia nada sacramentado que incriminasse o reitor pelo fato de pedir a avocação. Porque a corregedoria é muito recente e há lacunas regimentares sendo revistas. A avocação do ato é normal numa investigação administrativa. Um reitor não pode caminhar no escuro quando a sua instituição está sendo investigada.

Em sua fala no ato no Centro do Rio, Lula discursou e denunciou que, ao contrário desse arrazoado de acusações feitas contra Luiz Carlos Cancellier, o que pesou em sua prisão foi a sua defesa intransigente dos domínios da universidade, onde os estudantes que se manifestavam eram ameaçados de prisão, e sua luta contra a privatização das universidades públicas, ameaça que vem sendo ventilada constantemente, após o golpe.

Fato é que, com sua morte, Cancellier levou consigo uma reserva de conhecimento que leva anos para ser construída, custando noites de sono perdidas, feriados sacrificados e privações do convívio da família. O país perde quando se vai este conhecimento acumulado. Ao renunciar à vida pelo bem maior, que é a preservação da liberdade e de um centro de excelência que ele ajudou a construir, o reitor deixa o exemplo de até onde um homem pode chegar, quando acredita no que defende.

 

 

 

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Denise Assis

Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.

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Joaquim

04/10/2017 - 22h34

O reitor militou no PCB durante a ditadura. Mas, segundo artigo publicado no DCM se aproximou da direita. Votou no Aécio, apoiou o golpe, era fã de Sérgio Mouro, se aproximou do governo Temer e do ministro da Saúde. Ou seja viva num ambiente amplamente hostil. Foi eleito com os votos dos professores e dos funcionários e foi dedurado por estes. Como agora o ouvir dizer vale mais do que uma investigação foi vitima da precipitação da PF e da juíza, que se tivesse juízo não acataria o pedido de prisão.

Marili Fonseca

04/10/2017 - 11h40

Como se dizia, faltava um cada ver para coroar a onda fascista que assola nosso país. Infelizmente, coube ao nosso reitor pagar esse preço descomunal. Que seu sacrifício não seja em vão.
Punição para delegados e juízes fascistas, é isto que devemos exigir via nossos movimentos universitários em desagravo a’ honra do Reitor.

Helena

04/10/2017 - 08h11

Não me parece inteligente esse tipo de comparação: “Quando o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (…) soltou o seu corpo no ar, fez mais pelos movimentos de resistência ao golpe de 2016, que os milhares de manifestantes que lotaram as praças das capitais e cidades do interior, para protestar. ” Que baboseira é essa? Pode-se ver no suicídio do reitor um ato de boas consequências contra o golpe, mas usá-lo para rebaixar a mobilização popular é de uma total falta de senso.

lUIZ fELIPE

04/10/2017 - 00h59

A desfaçatez não tem limites. A OAB, GOLPISTA de todos os tempos, lançou uma Note. A OAB!!!!! GOLPISTA!!!!!
iGUAL A 64. Apoiou a ditadura e depois saiu. Em 2016, apoiou o golpe, colocou os bandidos no governo, não fala nada sobre as arbitrariedades cometidas pelo Judiciário, não comenta nada sobre o Supremo acovardado e agora quer lamentar a morte do Reitor???? Vocês tem culpa no cartório GOLPISTAS.

Maria Rita

03/10/2017 - 22h08

A mídia corporativa está se fazendo de morta mais uma vez. O caso é grave e tudo que envolve a lava jato está no centro do golpe que estamos vivendo. Tudo, mas tudo mesmo, passa pelo judiciário e a crise das instituições. Não podem continuar a nos destruir da forma que estão fazendo e não podemos de forma alguma ignorar ou esquecer a morte do reitor da UFSC. Ele já faz parte de nossa história e de nossa resistência. E também não adianta despistar com a história do Aécio, nem tampouco iludir a maioria da população com uma justiça enviesada, com uma pegadinha para – de forma ilegal, afastar políticos da oposição. Denise de Assis tem razão, o reitor com sua morte trágica, denuncia o estado de exceção e as irregularidades da lava jato. Erro de ‘celebridade’ geralmente acontece quando o ego e a ambição falam mais alto do que o bom senso e o equilíbrio . Quando perdem a noção do perigo e ignoram o abismo ilegal e mortal que provocou. O reitor é a primeira vítima oficial da lava jato, tenha o nome que tiver, porque no fundo ela é cega, surda e muda. Além de prepotente e autoritária.

Clá

03/10/2017 - 21h07

E o campo social continua anestesiado. O que mais será preciso ?


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