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Lava Jato revive horrores dos processos de Moscou

No Jornal GGN 80 anos dos Processos de Moscou e não aprendemos nada sobre Justiça e Política por Fernando Horta Entre 1936 e 1938, ocorreram na antiga URSS uma série de julgamentos públicos conhecidos por “Julgamentos de Moscou”. Os julgamentos eram massificados, com plateia, cobertura da mídia da época, filmes, comentários de diversos “especialistas” e […]

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No Jornal GGN

80 anos dos Processos de Moscou e não aprendemos nada sobre Justiça e Política

por Fernando Horta

Entre 1936 e 1938, ocorreram na antiga URSS uma série de julgamentos públicos conhecidos por “Julgamentos de Moscou”. Os julgamentos eram massificados, com plateia, cobertura da mídia da época, filmes, comentários de diversos “especialistas” e manifestações de partidos e movimentos sociais. É verdade que a URSS estava em uma situação desconfortável desde o início da Guerra Civil espanhola. Ficou claro, neste conflito, que o ocidente não moveria recursos para lutar contra o nazismo. Hitler avançava não apenas com apoio político, mas com tanques e aviões para apoiar o Golpe de Franco na Espanha e encontrava apenas a esquerda como oposição, já que Inglaterra e França declaravam a questão espanhola como “questão de política interna”. Mas os julgamentos, aparentemente seguindo a legislação da época e sendo “neutros e imparciais”, mudaram totalmente a sociedade soviética.

​Entre 1936 até 1938, Stalin utilizou-se de uma conhecida forma de espetáculo que faz parte da história do mundo ocidental como um todo. Inglaterra, França, Espanha, Portugal, EUA, entre outros, usaram, em diversos momentos, a ideia dos “julgamentos públicos” para afastarem inimigos políticos internos e unificar a ideia do que é socialmente aceitável para o país. O objetivo de longo prazo de qualquer julgamento público não é o de dar “transparência” ao ato de tornar culpado o réu, criando um falso argumento sobre a necessidade da publicização dos motivos, da condenação e de todo o restante da encenação jurídica. O objetivo é criar uma ética e uma moral massificada que se impõe, a partir da teatralidade judiciária, como uma nova linha social de diferenciação entre o que é “certo” e aceitável e o que é “errado” e, portanto, alvo de punição e perseguição.

Os julgamentos foram dirigidos contra centenas de pessoas acusadas de comporem “células-terroristas” (as “organizações criminosas” da época) comandadas por Zinoviev e Trotsky. Existiam três tipos de acusados: (1) os “mentores” do grande plano para enfraquecer e destruir a URSS (Trotsky, Zinoviev, Kamenev, Bukharin e etc.), (2) os “infiltrados” em cargos do governo acusados de ações para enfraquecer a URSS (Piatakov, Livshitz, Radez, Sokolnikov e etc.) e (3) os acusados por disseminar as ideias destes grupos e dividir o povo soviético. Foi usado um fato concreto, o assassinato de Sergey Kirov (1934), para iniciar todo o processo de investigação. Alguns acusados ficaram presos mais de ano antes de serem julgados, sob o argumento jurídico de que seriam perigosos ao país e poderiam reincidir nos crimes. A imensa maioria dos presos reportavam algum tipo de tortura e mesmo os que não sofreram abusos físicos, sofreram diversas formas de vilipendio moral diário. Os documentos falam em alimentos com fezes e urina, privação de ar puro e sol e correntes ameaças feitas por “presos leais” ao regime. As famílias dos acusados eram frequentemente presas e levadas aos locais onde os acusados originais estavam e em seguida separados. A tortura psicológica tem muitas faces.

Tão logo perceberam os réus do terceiro grupo que o objetivo do julgamento era político, passaram a “delatar” todos os “integrantes” das “organizações criminosas”. O número de acusados crescia exponencialmente, sempre envolvendo os acusados principais (do primeiro grupo) mais membros do segundo escalão ainda no governo. Não existiam provas para além das “redes de acusação”. O que levava a mais perseguições e mais prisões. Novas delações eram feitas em suporte às antigas e assim por diante, num processo cíclico em que – desde o início – não interessava a verdade ou qualquer ideia de justiça. A coisa ficou fora de controle e começou-se a “delatar” pessoas do círculo próximo de Stalin, quando o líder soviético veio fez publicar que “a palavra de um criminoso acusado de nada valia”.

As massas bradavam pelo fortalecimento da ideia nacionalista. Queriam de volta a URSS que “eles” (réus) tentaram destruir. Elegiam heróis entre os líderes que chefiavam os processos, dando a eles ao mesmo tempo mais força política e uma falsa legitimidade popular por suas ações. As massas também frequentemente pediam por “penas maiores”, não raro as “capitais”. Fazendo com que o punitivismo atingisse níveis que nem o imediato pós-revolução tinha conseguido. Ao mesmo tempo, retirava dos sentenciadores a responsabilidade pelas sentenças capitais dadas a pessoas conhecidas e muitas vezes com também forte apoio político. Era a “vontade da população” diziam os que manejavam as fantasias jurídicas da época. A massa, se pensando parte ativa num processo de justiça, como que atingindo um sonho antigo de participação num poder sempre elitizado, aderia em números crescentes às audiências públicas em que os “acusados” tinham o direito de serem “ouvidos”. Os julgamentos de 1938 chegaram a levar dezenas de milhares de pessoas aos locais em que eram realizados. Muito maior número do que os de 36 e 37.

Os processos resultaram em algumas bruscas mudanças dentro do cenário social da antiga URSS. Primeiro, serviram para forjar uma explicação ao povo sobre os problemas econômicos enfrentados pelo país. Foram todos colocados na conta dos “traidores”. Eles, quando no governo, haviam “quebrado o país”. Em segundo lugar, os julgamentos deram origem a um aumento da perseguição e prisões por toda a URSS. Artistas, professores, ativistas e líderes políticos locais começaram a ser alvo do poder de prisão nas mãos de executores locais. A censura atingia peças de teatro, livros, panfletos, falas e tudo o mais que fosse contra esta nova moral, simbolizada pelo tribunal. Sempre e por óbvio amparados no exemplo de Moscou e nas “massas”. Qualquer comportamento ou produção cultural que fosse levemente entendida como antibolchevique ou atentatória à nova moral era alvo dos poderes locais imediatamente. A onda de violência, denuncismo e selvageria cresceu imensamente em todos os lugares.

Stalin fazia publicar em diversas línguas todos os “depoimentos”, as “acusações” e as sentenças contra os diversos acusados. Stalin também fazia manifestações na imprensa (abertas ou veladas), tanto no Izvestia quando no Pravda, dois dos jornais de maior tiragem da época. Sempre apoiando os julgamentos, eles seriam necessários para o “bem do país”. Era preciso, afinal, parar com a corrupção burguesa que invadia a URSS. Stalin também comparecia a reuniões e jantares do partido sempre levando a ideia de que era preciso a “unidade” contra a ameaça que existia ao país. Stalin deu diversos prêmios aos juízes e acusadores dos processos. Prêmios que aumentavam a sensação de legitimidade ao mesmo tempo que as massas pediam “o aprofundamento” dos julgamentos. Cada um em cada região tinha alguém a quem delatar, e quem exigir que a justiça se ocupasse. Era o exemplo próximo da correção dos processos de Moscou.

Os inimigos políticos se transformaram em “organização criminosa”. Em seguida, em “organização terrorista”, com acusações de crimes que nunca ocorreram. Supostamente eram apenas intenção. Os grupos trotskista e zinovievista foram acusados de terem “planos para tomar e se manter eternamente no poder”. Foram acusados de “planejar o assassinato de Stalin, Molotov e vários outros líderes da URSS”. Foram acusados pelo fracasso da economia naquele momento e por terem “colaborado com potências estrangeiras”. Supostamente “traíram os trabalhadores soviéticos” e entregaram parte das suas riquezas para a “burguesia internacional”. Por vezes, os juízes absolviam determinados réus ou davam pequenas penas que eram imediatamente lançadas na mídia e o “clamor popular” se fazia presente. As penas eram então aumentadas.

Hoje, os processos são vistos como mais uma das grandes farsas jurídicas da humanidade, que talvez tenha começado com o julgamento de Sócrates e tenha passado pelos julgamentos jacobinos, pelo macarthismo norte-americano, pelos julgamentos de líderes de oposição negra ou de esquerda pelo mundo todo. O resultado foi um aumento no poder político pessoal de Stalin. Stalin atuava na imprensa em favor dos julgamentos. Stalin atuava corrigindo as acusações dos promotores. Stalin atuava buscando apoios políticos para os processos. Stalin atuava indicando quem “poderia” ser “incitado” a colaborar com as acusações.

E isto que Stalin nem era o juiz.

Agora imagine um juiz nesta posição e você compreenderá o Brasil de agora e todas as terríveis mudanças que estamos presenciando.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Roberto

03/11/2017 - 20h39

Stálin, Mussolini, Moro. Tudo a ver um com o outro. Só que o Moro é o mais medíocre dos três.


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