Surreal: golpistas do MPF querem criminalizar “luta contra inflação”

Para facilitar o trabalho das historiadoras que, no futuro, se debruçarem sobre esses tempos sombrios que vivemos, reproduzo abaixo matéria da assessoria de imprensa do Ministério Público Federal (MPF), junto a um link para a íntegra do processo.

É mais um processo inteiramente surreal do ponto-de-vista jurídico, mas muito coerente com os objetivos do golpe, que, para sustentar as suas barbaridades, entre elas a do aumento do preço do botijão de gás em quase 70% apenas desde junho, precisa jogar a culpa nos governantes e dirigentes políticos anteriores, que lutavam em favor da população.

Trecho da acusação a Guido Mantega, Graça Foster e a outros dirigentes políticos, destacado em reportagem do UOL (que é aliado ao golpe):

Ou seja, a luta contra a inflação através do esforço de oferecer um mínimo de estabilidade nos preços dos combustíveis é agora criminalizada pelo MPF.

Aumentar juros para segurar a inflação, gerando rombo de centenas de bilhões de reais nos cofres públicos, com dinheiro indo diretamente para o bolso de banqueiros e bilionários, inclusive estrangeiros, isso pode.

Segurar um pouco o preço dos combustíveis, beneficiando a população e as indústrias, isso é crime.

Alguém deveria lembrar a este MPF criminoso que todos os países desenvolvidos do mundo praticaram ou praticam subsídios dos preços de energia para apoiar sua população e suas indústrias.

Os Estados Unidos torram trilhões de dólares em guerras monstruosas, organizando e financiando golpes de Estado em países dotados de recursos naturais, justamente para garantir o suprimento de suas fontes de energia. Ou seja, os governos americanos trabalham para segurar os preços dos combustíveis em seu país, não através de medidas inofensivas como as tomadas pela Petrobrás, de segurar preços por algum tempo, mas através de operações que resultam na morte de milhões de pessoas e na devastação de países inteiros, como vimos recentemente no Iraque e na Líbia.

Governos ajudam suas populações e suas indústrias pensando, sempre, em eleições. Isso não errado. Isso é necessário. Criminalizar ações de governo que visam o bem estar da população revela a filosofia profundamente antidemocrática e antipopular do Ministério Público. É uma negação da própria essência do regime democrático: eleições existem justamente para amarrar os governantes ao interesse popular e não o contrário.

Para deixar claro, eu também sou crítico à gestão de Graça Foster à frente da Petrobrás. Também acho que ela não deveria ter segurado os preços por tanto tempo, mas isso é uma questão de política de Estado, que deve ser submetida a uma crítica de ordem política, e corrigida, não criminalizada. Não se pode criminalizar algo assim, porque isso geraria uma jurisprudência reacionária, absurda, que paralisaria qualquer ação do Estado em benefício da população (como aliás já está acontecendo).

O que é crime, isso sim, é o ataque do Ministério Público à Petrobrás promovido pela Lava Jato, inclusive entregando informações sensíveis da estatal a autoridades do Departamento de Justiça dos EUA, o que alimentará processos bilionários na justiça daquele país. O que é crime, isso sim, é o sucateamento e desmantelamento da estatal promovido pelo governo Temer, vendendo ativos da empresa a preço de banana, obedecendo a lobbies escusos de petroleiras internacionais. O que é crime, contra a ordem pública, contra a dignidade da nossa gente, contra a própria economia, é, num momento de altíssimo desemprego e de profunda crise social, a Petrobrás elevar em 70% o preço do botijão de gás.

Porque o MPF age assim, a história vai explicar melhor. Mas porque o governo Temer age assim, a gente sabe que não é para ganhar eleições nem para beneficiar a população… As malas encontradas no apartamento de Geddel, braço direito de Temer até outro dia, já nos fizeram entender muito bem quais são os objetivos desse governo.

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No site da MPF

MPF processa Mantega e Foster por irregularidades na política de preços da Petrobras

Sete outras pessoas do Conselho de Administração da Estatal e União também respondem pela manipulação dos preços dos combustíveis como instrumento para controlar a inflação em 2013 e 2014

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) moveu ação civil pública por improbidade administrativa contra ex-integrantes do Conselho de Administração da Petrobras em razão da condução da política de preços da gasolina e do diesel em detrimento do interesse da própria Companhia. Os valores foram utilizados para controlar a inflação nos anos de 2013 e 2014. Os envolvidos são: Guido Mantega, Miriam Aparecida Belchior, Francisco Roberto de Alburquerque, Luciano Galvão Coutinho, Marcio Pereira Zimmermann, Sérgio Franklin Quintella, Jorge Gerdau, José Maria Ferreira Rangel e Maria das Graças Silva Foster.

De acordo com a apuração do MPF, parte dos membros do Conselho de Administração da Petrobras à época, sobretudo aqueles indicados pela União, deliberaram em diversas oportunidades, entre o final de 2013 e outubro de 2014, por manter uma política de retenção de preços dos combustíveis e a defasagem em relação ao mercado internacional, sem apresentarem qualquer fundamento relacionado ao interesse da Companhia. Isso se deu mesmo o Conselho tendo sido alertado pela Diretoria da Companhia sobre a necessidade de concessão de reajustes e de convergência com os preços internacionais para o equilíbrio econômico-financeiro da estatal e manutenção dos investimentos, inclusive no Pré-Sal.

“Em realidade, eles atuavam segundo orientação do governo federal, que intentava segurar a inflação, tendo em vista as eleições presidenciais de 2014”, destacam os procuradores da República Claudio Gheventer, Gino Augusto de Oliveira Liccione, André Bueno da Silveira e Bruno José Silva Nunes, autores da ação.

Somente na primeira reunião após as eleições em outubro de 2014 é que o Conselho de Administração, sob a presidência do então ministro da Fazenda Guido Mantega, deliberou por recomendar à Diretoria Executiva o aumento dos preços da gasolina e do diesel.

Condenação da União – Na ação, o MPF pretende ainda a condenação da União Federal, de forma subsidiária, ao ressarcimento dos danos causados à Petrobras por abuso de poder, enquanto acionista controladora da estatal, em razão do uso indevido da Companhia para fins de combate à inflação.

Ainda segundo apontou o MPF na ação, “estima-se que essa política de retenção de preços, que provocou grande defasagem entre o preço de importação da gasolina e do diesel e o preço de venda desses produtos no mercado interno, causou um prejuízo de dezenas de bilhões de reais, sendo, junto com as perdas sofridas em razão da corrupção que assolou a Companhia, desvendada pela Operação Lava Jato, uma das causas da grave crise financeira enfrentada pela Petrobras nos dias atuais”, concluem os procuradores.

Clique aqui e leia a íntegra da ação. Ou então aqui.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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