A entrevista de Freixo e a armadilha da mídia para dividir a esquerda

(Foto: site Mais Movimento)

Cuidado, pessoal!

As eleições de 2018 já começaram!

A mídia já deu a largada. Ela vai jogar para dividir a esquerda.

Há uma contradição óbvia na maioria das críticas que se fazem à entrevista de Freixo à Folha de São Paulo.

O ponto da entrevista que mais chamou a atenção, e provocou revolta entre os que a criticaram,  foi o que deu origem ao título: “não sei se é o momento de unificar a esquerda, não”.

Ora, se os críticos da entrevista rechaçam este ponto e, portanto, consideram que o momento é, sim, de unificar a esquerda (eu também acho isso), então esses mesmos críticos precisam parar de reagir com fígado a toda vez que alguém da esquerda diz alguma coisa com a qual não concordam.

Se é para unificar, então precisamos trabalhar pela união! Não pela briga!

Se Freixo diz uma coisa com a qual não concordamos, vamos tratar de convencê-lo, com fraternidade e inteligência, e não com insultos!

Caso contrário, a defesa de união entre as esquerdas não é sincera!

Outra coisa: é igualmente óbvio que a grande imprensa, que é o núcleo duro do golpe, vai usar todo o seu talento para dividir o campo progressista.

A repórter da Folha veio de São Paulo com este objetivo: arrancar algum comentário de Marcelo Freixo que dividisse a esquerda. E conseguiu!

A esquerda, como sempre, tanto o próprio Freixo como seus críticos, caíram como patinhos!

As redes sociais foram tomadas por ofensas, em texto, vídeo, em áudio, entre a esquerda petista e a não-petista.

A resposta de Freixo sobre a união das esquerdas foi infeliz, e não quero aqui defendê-lo ou perdoá-lo. Mas pareceu-me que ela tinha um sentido bem específico: tratar do primeiro turno de 2018. Vamos o que disse o deputado:

É esperto pulverizar a esquerda em várias candidaturas?
A gente vive um momento de reconstrução: qual esquerda a sociedade vai enxergar? Porque precisa enxergar o diferente. Não sei se esse é o momento de unificar todo mundo, não. Até porque a direita também está muito fragmentada: Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles…

Ele fala de candidaturas presidenciais. Se o sentido, portanto, é falar disso, então Freixo falou uma coisa que os partidos de esquerda já vem fazendo: lançar candidaturas próprias. PCdoB, PDT, PSOL e PT tem suas próprias candidaturas. Dando ou não entrevistas à Folha, esses partidos todos também pensam que não é o momento de “unificar todo mundo”. Inclusive, aliás, o PT, que deveria, caso pensasse mesmo em “unificar”, lançar uma proposta, um projeto, em comum, para ser votado pelo campo progressista, assim como, humildemente, expor a candidatura de Lula a algum tipo de prévia nas quais eleitores de todos os partidos pudessem participar.

Entrevistei há algumas semanas o ex-presidente do PSB, Roberto Amaral, que é um dos cérebros mais brilhantes e generosos da esquerda brasileira, e ele considerou que, de fato, não é necessário que haja uma “união” no primeiro turno. Não foi, lembra ele, assim que Lula ganhou em 2002. Uma rede de candidaturas de esquerda, desde que sejam responsáveis, e tenham uma estratégia minimamente coordenada, com foco no adversário em comum, o neoliberalismo, pode ser interessante do ponto-de-vista político e eleitoral, porque dificultará o trabalho da mídia de desconstrução das propostas progressistas. A Globo pode bater no projeto petista, mas terá então de bater também no projeto do PSOL, do PDT e do PCdoB…

No vídeo que fez para criticar a entrevista de Freixo, o presidente do PT no estado do Rio, Washington Quaquá, diz que Bolsonaro e Freixo são filhos do mesmo pai: o lacerdismo. Ele comenta um ponto da entrevista que, igualmente, foi muito mal interpretado.

Vamos à resposta de Freixo.

Como explicar que você e Bolsonaro sejam, ao mesmo tempo, duas das maiores potências eleitorais do Rio?
Os deputados mais votados no Rio [em 2014]: federal, ele, estadual, eu. Sabe que já encontrei nas ruas pessoas que votaram nos dois? Aí paro: “Me conta mais”. As respostas ficam num campo que acho muito curioso. Existe em São Paulo o ex-prefeito Ademar de Barros…

Do “rouba, mas faz”.
Isso, o “pai” do Paulo Maluf, que roubou dele o ditado. Quando as pessoas me respondem, é o inverso: não sei o que Bolsonaro faz, mas sei que ele não rouba. Tem uma coisa ali, que é a ideia da ética muito circunscrita a posturas individuais, que não vem da honestidade das ideias. Tem a ver com sua postura como homem forte –porque ainda há uma cultura patriarcal forte–, a ideia da coragem. São fantasias que ocupam lugar no imaginário. Talvez as pessoas entendam que falta tudo isso na política.

Aí o cara vota em mim e no Bolsonaro porque não importa o que a gente pensa, vê os dois como honestos e corajosos. O fato de eu ter feito a CPI das Milícias [2008] não foi qualquer coisa.

Quaquá faz uma crítica pertinente ao que chama de “naturalização” de um processo político que é, obviamente, uma aberração: votar em Freixo para estadual e Bolsonaro para federal. O petista está certo ao notar o elo lacerdista que explica isso.

Mas aí temos um problema grave: Freixo poderá, perfeitamente, dizer que não “naturalizou” nada. Ele simplesmente não abordou o tema mais a fundo porque a repórter, espertamente, mudou o tema.

Para acusá-lo de “naturalizar” o voto lacerdista em Bolsonaro e Freixo, precisaríamos ouvir mais o deputado. Embora me pareça difícil que Freixo seja capaz de criticar seu próprio eleitor (até porque isso não seria inteligente do ponto-de-vista eleitoral), seria desonesto afirmar que Freixo “defende” ou “elogia” Bolsonaro, cujas ideias representam exatamente o oposto de todas as plataformas defendidas por Freixo e por sua militância.

Além do mais, em outro trecho da entrevista, Freixo faz algumas críticas a Lava Jato que o posicionam num campo oposto ao lacerdismo lavajateiro dos dias de hoje:

Parte da esquerda acusa o juiz Sergio Moro de perseguir Lula. A Lava Jato é um mecanismo eficiente contra a corrupção?
Gravação vazada para criar contexto político, isso é muito grave. E quando Moro faz a condução coercitiva do Lula, dá a ele a oportunidade de virar a chave e criar uma resistência muito mais aguda do que existia até então. Também não é correto entrar no presídio onde está o Cabral, pegar vídeo e colocar no “Fantástico”. Se fizesse isso com qualquer outro preso eu estaria chiando, então estou chiando.

Essas coisas não podem ser secundarizadas porque a tal da investigação contra corrupção é importante. Não dá para achar que os fins justificam os meios. Agora, isso faz com se pegue tudo o que está sendo feito pela Lava Jato e se jogue fora? Não.

É uma crítica suficiente? A meu ver, não. Mas é uma crítica importante. Um posicionamento claro contra os excessos tanto da Lava Jato quanto desse sensacionalismo penal da Globo. É melhor que nada. Assim funciona a política.

Eu não imaginava que o PSOL, Marcelo Freixo à frente, se engajasse de maneira tão decidida contra o golpe, assim como foi uma grata surpresa ver a militância do PSOL na campanha da Dilma em 2014. Marcelo Freixo foi um dos primeiros quadros da esquerda não-petista a declarar apoio à Dilma assim que saíram os resultados do primeiro turno das últimas eleições.

Tudo isso mostrou, a meu ver, maturidade do PSOL.

Os anos de 2015, 2016 e 2017 assistiram a uma forte união entre PSOL, PT, PCdoB, e setores do PDT, contra movimentações reacionárias no Congresso. Os partidos se uniram contra as iniciativas de Eduardo Cunha, contra o golpe, contra Michel Temer, contra as reformas neoliberais e privatizações.

A esquerda, a bem da verdade, nunca esteve tão unida como agora.

Isso assusta a grande imprensa conservadora, que é o principal partido de direita do país, e é natural, portanto, que ela articule armadilhas para dividir o campo progressista.

Recentemente, o PSOL me decepcionou profundamente por fazer coro a este lacerdismo judicial criminoso, cujo maior representante no Rio é Marcelo Bretas, o carrasco do Almirante Othon.

E me decepcionou de novo ao aceitar a decisão, completamente ilegal, de prender deputados estaduais, sem flagrante, sem crime inafiançável. Neste último caso, PSOL e PT se “unificaram”: ambos os partidos defenderam a ilegalidade.

Mas eu considero que, em ambos os casos, esses partidos são vítimas tanto de sua própria confusão ideológica quanto de uma conjuntura narrativa muito desfavorável. Eu luto para ajudá-los a enfrentar este momento.

Guilherme Boulos, há pouco, deu entrevista ao Valor que, igualmente, deu ensejo a brigas internas dentro da esquerda. Ao cabo, o próprio Boulos veio à público esclarecer que o Valor (que pertence ao Globo) havia distorcido suas palavras.

Já é tempo da esquerda, tanto aquela que dá entrevistas, quanto aquela que as lê, fique mais atenta a esse movimento da mídia para “dividir e governar”.

A esquerda pode até ter candidaturas independentes no primeiro turno de 2018, mas precisa, sim, unificar-se em torno da resistência ao golpe, da luta contra o fascismo e por eleições livres em 2018.

Seria fundamental ainda, a meu ver, que a esquerda se unisse contra o regime de exceção e a ditadura judicial, e se posicionasse radicalmente contra os crimes de Sergio Moro, a começar não aceitando uma condenação de Lula baseada numa sentença sem lógica e sem provas.

Essa união, no entanto, não cairá do céu. Ela precisa ser construída, tanto por suas lideranças como por sua militância: ambos precisam ser generosos uns com os outros, tolerantes com suas diferenças e, sobretudo, extremamente cuidadosos com as armadilhas que a mídia neoliberal usará para dividi-los.

PS: Em vídeo, Freixo responde às críticas que emergiram com sua entrevista à Folha.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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