Wanderley Guilherme dos Santos: “a esquerda não deveria agitar bandeiras cataclísmicas”

Data: 24/10/2014 Editoria: Politica Reporter: Vanessa Jurgenfeld Local: Rio de Janeiro, RJ Pauta: Foto do cientista politico Setor: Pesquisa Personagem: Wanderley Guilherme dos Santos, cientista politico, fotografado na sala do seu apartamento Tags: livro, cadeira, luminaria, computador, balanco, escrevendo, lendo, Fotos: Leo Pinheiro/Valor

Em artigo publicado agora no blog Segunda opinião, o professor Wanderley Guilherme dos Santos critica a ideia de que sem Lula a esquerda deva desistir do jogo democrático.

Em claro recado ao partidarismo estreito que grita “Lula ou nada”, Wanderley pergunta: “Que história é essa da esquerda agitar bandeiras cataclísmicas?”

Wanderley aposta que Lula saberá indicar um nome para substitui-lo. “O destino eleitoral da esquerda depende do tirocínio de Lula”, pois “é Lula quem monopoliza o condão de escalar os competidores reais”, defende o cientista político.

Embora não cite nomes, podemos lembrar que os principais candidatos que surgem no cenário político para substituir Lula são Manuela D´Ávila e Ciro Gomes.

Leia abaixo o texto na íntegra.

O falso cadáver

Por Wanderley Guilherme dos Santos

O destino eleitoral da esquerda depende do tirocínio de Lula. Ele sabe o que vai lhe acontecer e advinha o provável resultado da competição. Com certeza, sabe que o apocalipse retórico do PT não advirá nem antes nem depois da disputa pela presidência. E que a primeira pesquisa Datafolha depois de sua condenação em segunda instância não acrescenta grande coisa. É preciso amadorismo para acreditar que aquela distribuição de preferências expressa alternativas e porcentagens do futuro resultado eleitoral. Dito de outro modo: se a Lava Jato, hoje, tem poder de veto sobre quem irá aparecer na tela da urna eletrônica, é Lula quem monopoliza o condão de escalar os competidores reais. Tudo depende de seu tirocínio.

As caravanas de Lula reafirmam o que a serenidade permite compreender. É certo que a maioria da população detesta decisões obviamente seletivas de vários juízes menores e despreza outros, até supremos, mas não dispensa um Judiciário; envergonha-se com o papel de inúmeros deputados e senadores, larápios todos, mas rejeita a abolição do Parlamento; repudia ou faz troça do noticiário midiático enviesado, mas preserva a liberdade de imprensa. Ou seja, a maioria da população está profundamente decepcionada com o desdobrar do pastelão trágico que se arrasta desde abril de 2016, mas longe da solidariedade a catastróficas propostas antidemocráticas. Essa, a única informação aproveitável da pesquisa Datafolha: Bolsonaro é, de fato, um tigre de papel. Perderia para todo mundo em segundo turno, isto é, se por inconcebível acaso lá chegasse.

Uma coalizão antiparlamentar, contra o Judiciário e abaixo a imprensa seria claramente antipopular, vale dizer, uma coalizão antidemocrática. Que história é essa, então, de agremiações de esquerda agitar bandeiras cataclísmicas, esquecidas de já haver chegado ao poder e poder a ele voltar pelos caminhos que agora vilipendiam? Isso não é opção de salário mínimo, é figuração de candidatos de classe média, de intelectuais ou nem tanto, céleres a fugir da raia se o tempo fechar. Ou, com a derrota da esquerda, salvarem a própria pele elegendo-se à custa do grande “cadáver eleitoral”, isto é, o falso cadáver de Lula.

Cabe a Lula fazer abortar essa macabra procissão a velar um morto inexistente com inevitável desenlace em frustração. Cabe a Lula garantir a provável vitória eleitoral nas urnas. O hiato político em que adventícios usam tiranicamente as instituições democráticas deve ser superado pela reconquista da legalidade integral do poder. Essa virtualidade, contudo, tem data de validade. Além da astúcia, é urgente cultivar a virtude política.

Theo Rodrigues: Theo Rodrigues é sociólogo e cientista político.
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