Especialistas europeus denunciam objetivos políticos e tentativa de censura por trás do pseudo combate às “fake news”

Este é um assunto importante no Brasil, porque a grande mídia já conseguiu orientar seus serviçais/aliados no judiciário, a transformar a questão dos fake news num problema a ser gerido pela Polícia Federal, sob as ordens da Globo, o que é, evidentemente, um perigo e um contrassenso.

É importante combater as fake news, mas o processo precisa ser transparente e fora do controle da Globo – principal produtora de fake news do país.

Leiam a matéria da Forum abaixo, que mostra que os europeus já perceberam a armadilha que os americanos montaram com essa história de fake news.

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Na Forum

Comissão Europeia diz que termo “fake news” é inadequado e tornou-se arma para atacar veículos independentes

Relatório rechaça o uso da expressão, destaca o direito fundamental da liberdade de expressão e repudia qualquer tentativa de censurar conteúdos

Por Dri Delorenzo

Um relatório sobre “fake news”, produzido por um grupo de 39 especialistas da Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, foi divulgado nesta segunda (12/3). O documento traz uma série de diretrizes para debater o tema, a começar pela expressão: “O termo ‘fake news’ não é apenas inadequado, mas também enganoso, porque foi apropriado por alguns políticos e seus apoiadores, que usam o termo para desvalorizar a cobertura que eles acham desagradável, e tornou-se assim uma arma com a qual atores poderosos podem interferir na circulação de informação e atacar e minar meios de comunicação independentes”. Quatro membros do grupo escreveram um artigo, onde destacam seis pontos-chave trazidos pelo material. Leia a seguir artigo traduzido pela Fórum. Original aqui.

Seis pontos-chave do relatório sobre desinformação do grupo de especialistas da Comissão Europeia
Por Clara Jiménez Cruz, Alexios Mantzarlis, Rasmus Kleis Nielsen e Claire Wardle

Hoje, a Comissão Europeia divulgou um relatório final elaborado pelo grupo de especialistas de alto nível sobre as “fake news”, intitulado “Um enfoque multidisciplinar sobre a desinformação”. O relatório, um documento aprovado por um grupo heterogêneo de atores composto por grandes companhias tecnológicas, jornalistas, verificadores, acadêmicos e representantes da sociedade civil, contém uma série de recomendações, entre as quais cabe destacar: um importante raciocínio terminológico rechaçando o uso da expressão “fake news”; ênfase no direito fundamental da liberdade de expressão; um claro rechaço a qualquer tentativa de censurar conteúdos; uma chamada para combater a interferência nas eleições; um compromisso por parte das plataformas tecnológicas a compartilhar dados; um pedido de investimento em alfabetização em mídia e tecnologia, junto com uma avaliação abrangente desses esforços; e um estudo transfronteriço de escala e impacto sobre a desinformação da União Europeia. O mais importante é que estabelece um processo contínuo de estudos, na medida em que as ameaças evoluem, e propõe mecanismos para a revisão e avaliação contínua das recomendações apontadas no relatório.

O grupo, anunciado em 12 de janeiro, é composto por 39 membros que representam uma ampla gama de especialistas e partes interessadas dos 28 países membros da UE. O grupo foi presidido por Madeleine de Cock Buning, que teve a nada fácil tarefa de buscar o consenso de um grupo com pontos de vista muito diferentes.

Nós, que escrevemos, somos quatro membros do Grupo de países de alto nível, como Dinamarca, Itália, Espanha e Reino Unido, dedicados a “fact-checking”, verificação e estudo de informações erradas. Não acreditamos que o relatório seja perfeito: a edição e o acordo colaborativo de um documento como este em um curto período de tempo requer necessariamente um compromisso das partes.

É, de qualquer forma, uma conquista significativa.

É um relatório inclusivo e colaborativo, que exige que a Comissão Europeia tome medidas concretas para avançar a nossa compreensão do panorama atual da desinformação, ao mesmo tempo que adverte sobre o perigo de uma regulação à quente do problema. Conforme indicado no relatório, “a maioria das respostas não será de natureza reguladora”, a legislação se, em alguns casos, chegar a ser implementada, “deve basear-se em definições muito precisas que abordem as causas de desinformação, garantindo o devido processo legal, juntamente com a responsabilidade e proporcionalidade das medidas “.

Embora a desinformação seja claramente um problema, sua escala e impacto, os agentes associados a ele e as estruturas de amplificação não foram investigados ou examinados adequadamente. Sem essa base empírica, nenhuma ação concreta deve ser adotada, além de mais pesquisas e iniciativas educacionais, desde que sejam claramente avaliadas.

Além disso, embora a maior parte do foco esteja em como a tecnologia ajuda a criação barata e imediata de desinformação e sua disseminação, o relatório afirma claramente que “a má informação é um problema multifacetado, não possui uma única causa raiz e, portanto, não tem uma única solução, o problema também envolve alguns atores políticos, mídia e atores da sociedade civil “.

Em um momento em que muitos atores políticos parecem acreditar que a solução para a informação falsa na internet seja uma lei contra a “fake news”, o relatório especifica claramente que não é, pedindo cautela e apontando o ceticismo para qualquer regulamentação de conteúdo.

O relatório inclui uma série de recomendações que, em nossa opinião, darão uma contribuição significativa ao debate, a evidência empírica e nossa capacidade de intervir. Entre elas, estão:

1. O abandono claro e inequívoco do termo “fake news” que a Comissão Europeia estava usando inicialmente. É um termo inadequado que não explica a complexidade da situação e gera confusão na mídia e debates políticos, bem como no tratamento do tema pelos pesquisadores.

2. Um apelo claro para apoio financeiro para meios de comunicação independentes, verificação de dados e fontes, e alfabetização de mídia e informação. O relatório aponta especificamente a necessidade de financiar iniciativas independentes, livres da interferência de autoridades públicas ou empresas de tecnologia que possam ser tentadas a usar esses projetos como uma vitrine em suas relações públicas.

3. Um apelo às plataformas para que compartilhem os dados. A comunidade de verificadores e “fact-checkers” pedem às plataformas mais acesso aos dados há anos, é especialmente importante que o Google, o Facebook e o Twitter se comprometam com isso. Eles concordaram publicamente em trabalhar em conjunto com pesquisadores que avaliam de forma independente a disseminação e o impacto da desinformação. O relatório chama especificamente as principais empresas de tecnologia a fornecer dados que permitam uma avaliação independente de esforços, como os rótulos de verificação de erros do Google, o uso do Facebook de artigos relacionados que desmintam certas publicações ou o rebaixamento de publicações com desinformação no ‘News Feed’.

4. Um pedido para que instituições públicas em todos os níveis da União Europeia compartilhem os dados de forma rápida e eficiente quando solicitado por organizações de verificação de dados, corrigindo-os quando apropriado. Isso significa reconhecer que os atores políticos e as instituições desempenham um papel crucial na melhoria do nosso ecossistema de informação.

5. A criação de uma rede de centros de pesquisa sobre desinformação na União Europeia. Nosso conhecimento atual se concentra quase que exclusivamente em dados dos EUA e é vital que a União Europeia colete dados de estudos transfronteiriços para compreender as diferenças e nuances no escopo, escala e impacto da desinformação nos 28 estados membros.

6. A insistência em uma abordagem colaborativa que envolve todos os atores relevantes, com um processo previamente estruturado que documentará os progressos realizados e irá apontar os atores que não tomam suas responsabilidades a sério.

Esse relatório também é o início de um processo. A parte do relatório que possivelmente chama mais atenção é o Código de Boas Práticas proposto, que inclui 10 sugestões de princípios direcionados especificamente às plataformas de tecnologia. O Grupo de Alto Nível recomendou a criação de uma coalizão formada por diferentes atores que garanta a implementação do código, monitorando-o e revisando-o continuamente. O relatório estabelece, para isso, um calendário ambicioso.

Sem dúvida, este relatório será submetido a um exame minucioso, possivelmente linha a linha. Tendo em conta a diversidade dentro do grupo de especialistas, isso deve ser lido como um documento de consenso. Nós que escrevemos aqui somos pessoas imersas neste tema que dedicam nosso dia a dia pensando em desinformação e acreditamos que este relatório fornece um ponto de partida importante a partir do qual todos os atores envolvidos neste problema podem trabalhar juntos. Isto é, em muitos aspectos, mais importante para nós do que um documento conciso ou intelectualmente preciso.

Após 18 meses de conferências e debates consecutivos sobre esse tema, é hora de fazer um investimento significativo em projetos de pesquisa independentes, alfabetização em mídia e tecnologia e sua avaliação. É hora de parar de falar e começar a atuar. Se este relatório consegue iniciar esse processo, podemos olhar para trás e ver esse momento como um marco importante na resposta coletiva à informação falsa.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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