A professora, a desembargadora e a ilusão do ego

O livro escrito pela Débora - prefaciado por João Ubaldo Ribeiro.

Por Pedro Breier

A desembargadora Marilia Castro Neves ficou famosa por postar um comentário no Facebook dizendo que Marielle Franco “estava engajada com bandidos”, “foi eleita pelo Comando Vermelho” e que “seu comportamento, ditado por seu engajamento político, foi determinante para seu trágico fim”.

Com a notoriedade, apareceram outras postagens da desembargadora e descobriu-se que o nonsense reacionário é sua marca registrada – além, como não poderia ser diferente, do “apoio incondicional” a Sergio Moro.

Marilia, em sua cegueira, conseguiu criticar o fato de “o Brasil ser o primeiro país a ter uma professora portadora de síndrome de down (…) que será que essa professora ensina a quem???? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?”.

A professora chama-se Débora Araújo Seabra de Moura e trabalha há 13 anos em uma escola de Natal (RN). Débora escreveu uma carta em resposta à desembargadora, na qual explica, amorosamente, o que ela ensina aos alunos.

Aprendamos com Débora. Não direcionemos ódio ou raiva para pessoas como Marilia.

Marilia está, assim como a maior parte da humanidade, dormindo.

Vivemos sob o império do ego. Me sirvo da definição de ego do Marcos de Aguiar Villas-Bôas em um belo artigo na Carta Capital (Por uma educação que desfaça as ilusões do ego):

Numa visão mais ampla e conectada com a psicanálise e a educação, o ego é a personalidade; é a mente, segundo Jung, Osho, Eckhart Tolle e outros sábios. Trata-se do “eu” criado pelas vivências socioculturais de cada indivíduo, que se associa a um conjunto de ilusões, condicionamentos e preconceitos formados a partir da compreensão limitada de mundo que todos temos e da falta de uma educação voltada para as inteligências intrapessoal (autoconhecimento e automelhoramento) e interpessoal (sociabilidade, empatia, paciência, tolerância etc.).

Na nossa compreensão limitada do mundo, acreditamos que somos separados uns dos outros. Que o jogo da vida é selvagem e que temos que ser egoístas para sobrevivermos.

Não por acaso o nosso sistema econômico é o capitalismo, uma espécie de corrida maluca totalmente injusta onde o deus supremo é o capital. O ser humano, reparem no absurdo, fica em segundo plano.

Vivemos na ilusão.

O fato é que o universo na verdade é um só e, portanto, está todo interligado, como atestam tanto os grandes mestres espirituais quanto as teorias mais aceitas da física.

Se este incomensurável universo está, na verdade, todo entrelaçado, imagine o nosso planeta, o nosso país, a nossa cidade.

O ódio ao diferente expresso nas palavras de Marilia reflete isso: a ilusão de que podemos ser felizes se pensarmos somente em nós mesmos.

Não podemos.

No máximo alguns conseguem encastelar-se em condomínios de luxo, sob a proteção de altos muros e seguranças armados. Até que a horda de excluídos se revolte e tudo venha abaixo.

Mas a humanidade há de despertar.

E então Marilia e quem mais estiver dormindo entenderão a beleza de podermos ser diferentes e, ao mesmo tempo, irmãos.

A beleza de viver sob o império da compaixão, da solidariedade e do amor.

Abaixo, a linda carta da Débora para a Marilia. Você é foda, professora.

 

 

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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