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O que nos resta

(Foto: Francisco Proner Ramos) Por Rogerio Dultra dos Santos O que aflige o futuro do país é a ausência do acerto de contas com o seu passado autoritário. Nós simplesmente não conseguimos romper com as heranças culturais, políticas e institucionais plantadas pelas nossas experiências ditatoriais. Este conjunto histórico de transições inacabadas nos legou uma ordem […]

8 comentários
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(Foto: Francisco Proner Ramos)

Por Rogerio Dultra dos Santos
O que aflige o futuro do país é a ausência do acerto de contas com o seu passado autoritário. Nós simplesmente não conseguimos romper com as heranças culturais, políticas e institucionais plantadas pelas nossas experiências ditatoriais.
Este conjunto histórico de transições inacabadas nos legou uma ordem social essencialmente frágil, incapaz de projetar para frente um destino distinto de nossa tradição de exclusão e violência.
Misóginos, machistas, preconceituosos e racistas, estamos bem distantes da propalada – e sempre mal interpretada – cordialidade.
A escravidão, o latifúndio e as hierarquias de mando nos forjaram muito mais profundamente que o futebol e o carnaval. Nossa história não é nem a de malandros, nem a de heróis. É a história de genocídios sucessivos, de encarceramentos em massa, da exploração mais vil e sistemática de nosso povo e das execuções de jovens negros, sem processo.
Somos, assim, apenas o que nos permitiram ser, sem pedir licença, pela pura necessidade do capital.
Não somos o país do futuro, mas somente uma promessa de pagamento, um derivativo.
A democracia foi uma quimera, alimentada pelo frenesi constituinte de 1988 que, por sua vez, impregnou-se da ressaca do soçobro das diretas.
Dada a anistia ampla e irrestrita aos torturadores, temos agora sua apologia liberada ao Palácio do Planalto.
A ideia de representação política está sob sítio. Nossos parlamentares, sofrendo o estado de exceção.
O povo está submetido, mais uma vez, à angústia de ter que procurar o que comer.
E dadas as circunstâncias, parece que só haverá futuro garantido quando a democratização da barbárie, quando a dor de se saber excluído atingir os que aclamaram ativa ou silenciosamente a subtração das regras do jogo.
A nossa redenção, mais uma vez, pode ser que só se dê pelo sofrimento. Ou será que vale fazer uma ponte eleitoral com os representantes do dominiodo fato?
Essa conciliação, desculpem o chulo, é um acordo cara-cu. E nós sempre nos acoitamos para a lei e a ordem dos sertões, submissos diante do que consideramos fatalidade. Como um mantra, cortam-nos a cabeça.
Ainda assim insistimos. Sabemos que o confronto pega primeiro quem mais precisa.
Mas lidamos, enfim, com a explicitação do nosso destino, até então encoberto para nós, que somos jovens.
Para ficar claro: com a nossa história na cadeia, ninguém está mais a salvo.
Já pisaram em nossos jardins.
Não existe ninguém por nós, só nós mesmos.
É a nossa tragédia. E é preciso dizê-la.
Porque a tragédia é a pedagogia feita em catarse. É conservadora. Porém, ao mesmo tempo, civiliza.
É dela que extraímos, desde sempre, a lição do que não fazer, do que é proibido, porque fadado ao fracasso.
Desde Antígona, os nossos heróis morreram de sentenças judiciais. E é nessa tragédia que sempre nos tornamos narrativa, nação. Tragédia é interdição, mas também produz o novo.
Nos interditaram a política e o direito.
Nos tomaram até o caminho do velho, do acordo.
No acordo respiramos, sobrevivemos, mas perdemos. Sob as regras do jogo, sentimos a morte e a traição.
Hoje está mais claro que a palavra é resistência. Resistência é reconstrução. É a esperança de que, finalmente, acabem as ilusões. E que a sua lembrança não as faça róseas, mas que refunde a responsabilidade por vias que somente nós, unidos, podemos singrar.
Não deve haver, repito, ilusões. Deuses ex-Machina a nos levarem num carro alado.
Aprendamos a renascer como Fênix.
Saibamos escapar das burocracias contemporizardoras e encaremos o abismo da derrota.
Caiamos de pé.
É assim que poderemos ter um futuro inédito a celebrar. Futuro que honrará a nossa história. História de fé no outro, de fé na vida, de amor e de esperança.
Porque somos trabalhadores. Não somos burgueses, nem pretendemos ser senhores do mato de nossas senzalas.

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Rogerio Dultra

Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.

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Comentários

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Flatulêncio Petista

30/07/2018 - 00h01

Queridos comoanheiros,

só estou passando pra avisar que o choro é livre, mas o Lula não

Flatulêncio

Olívia Xavaskinha

29/07/2018 - 23h57

O CHORO É LIVRE,

O LULA NÃO!

BOLSONARO 2018!

Jose Armando Esper

02/05/2018 - 20h34

parabéns pelo texto – escrito com todo o vigor e coragem

eu parto de outro pressuposto – um outro lugar
para mim a Constituição de 1988 é ilegítima – não teve a legitimidade de ser discutida com a população e sequer os seus capítulos foram votados num simples plebiscito
esse outro lugar e tempo de onde eu venho é a chamada transição democrática de onde surgiu a chamada Nova República.

É dessa transição que tento compreender o nosso trágico presente.

José Ruiz

02/05/2018 - 08h20

valeu pelo texto, abraços..

Antonio Passos

02/05/2018 - 01h10

Discordo de certos aspectos. Não, a nossa democracia e a constituição de 1988 não foram uma farsa. Tanto que, durante 13 anos o PT governou o país e mostrou que ele era viável, possível. Encantamos o mundo.! Isto é fato. Sim, a elite cruel e escravagista esteve lá o tempo todo, mas calada, quieta, esperando sua vez.
E porque a hora da direita chegou, ou voltou ? Esta é uma pergunta que terá inúmeras respostas dos historiadores. Mas uma coisa é inegável, a elite escravagista voltou ao poder nos braços e conduzida pela classe média. Sem o apoio desta seria impossível o golpe. A grande questão neste país, que já foi largamente debatida, mas que sempre terá espaço para mais teorias é: porque temos a classe média mais alienada e imbecil do mundo ? De onde veio tanta pequenez de espírito, tanta indigência mental ? Só a Globo não explica, apesar dela ser um componente fundamental nisto.

    Rogerio Dultra

    02/05/2018 - 09h24

    Prezado Antônio,
    Obrigado pela sua análise.
    Não acredito que a constituição foi uma farsa, mas uma quimera, especial e principalmente dadas as condições históricas e sociológicas para a sua concretização. E dado que as forças do atraso continuaram, sim, a operar o seu desmonte, desde o primeiro momento. E o fizeram através de instituições cevadas pelos governos do PT, diga-se de passagem.
    Sucumbindo todos ao punitivismo e, com a exceção dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas, nenhum direito social de fundo foi positivado no período.
    O desmonte da Constituição vem desde Collor e FHC. Continuou com os governos do PT no que se refere, por exemplo, à continuidade das políticas de concessão de rádios e TVs, e isto reforça o seu argumento sobre a lavagem cerebral das classes médias.

Bernardo Oliveira

01/05/2018 - 21h32

Saudações caro Rogério Dutra.
Belo texto, uma porrada no estômago em forma de palavra. Um respiro contido entre letras. Um fraterno abraço.

    Rogerio Dultra dos Santos

    02/05/2018 - 19h17

    Obrigado, Bernardo!


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