Valter Pomar: Resposta a Miguel do Rosário

Fotos: Ricardo Stuckert / Instituto Lula

Miguel do Rosário leu e comentou texto de minha autoria, criticando a possibilidade de apoio do PT ao Ciro Gomes, possibilidade atribuída a Jaques Wagner, que publicou desmentido a respeito.
O texto de Miguel do Rosário está aqui: https://www.ocafezinho.com/2018/05/03/ciro-gomes-e-o-pt/
Miguel do Rosário inicia sua crítica com quatro afirmações, que listo a seguir, em sequência de minha responsabilidade:
-diz que “alguns amigos” pediram para criticar minha posição;
-afirma que só “por algum milagre” o PT conseguirá levar adiante a candidatura Lula;
-afirma que não entende o que significaria uma “anticandidatura”;
-afirma que minha posição é “Lula, ou nada!”.
Começo pelos “amigos”: há uma enorme pressão para que o PT desista da candidatura Lula.
Esta pressão vem de todos os lados, inclusive de gente progressista.
Mas a quem interessa que o PT desista da candidatura Lula? Quem será beneficiado por isto? O PT? A esquerda? Os progressistas? Os que lutaram contra o golpe? O povo brasileiro?
A resposta é: nenhum dos anteriores.
Quem seria beneficiado se o PT desistir da candidatura Lula será, única e exclusivamente, o golpismo. Pois tirando Lula da disputa, o caminho estará aberto para uma vitória do golpismo nas eleições presidenciais de 2018.
Miguel do Rosário afirma que só por um “milagre” Lula será candidato.
Bizarro este jeito de argumentar. Lula não está morto. É o líder das pesquisas. Não teve seus direitos políticos cassados. Por estes e outros motivos, sua candidatura não depende de milagre: depende de luta, de pressão social.
É difícil? É difícil. Muito difícil. Mas só seria impossível se achássemos que depende de um milagre.
O grande problema dos que defendem Plano B é exatamente este: por achar impossível,desistem antecipadamente de lutar em favor da candidatura Lula.
O curioso é que acham impossível garantir a candidatura Lula, mas acham possível vencer as eleições sem Lula.
Acreditam que, mesmo preso, mesmo sem poder fazer campanha, mesmo sem poder aparecer no horário eleitoral gratuito, Lula seria capaz de transferir votos e levar alguma candidatura para o segundo turno, como fez com Dilma em 2010.
Por acreditarem nisto, não conseguem nem mesmo compreender o que seria uma “anticandidatura”. Acham que isto seria “nada”. Acham que isto seria “abandonar o processo eleitoral” ou “participar dele pela metade”, pensando “apenas” em “denunciar golpe ou fraude”.
Comecemos eliminando esta falsa polêmica: não conheço ninguém que defenda “abandonar” o processo eleitoral.
A discussão se limita a tática que deve ser adotada nas eleições presidenciais, na hipótese do golpismo ter êxito em interditar a candidatura Lula.
Ninguém questiona o lançamento de candidaturas parlamentares, ao senado e aos governos estaduais.
Portanto, além de não proceder, chega a ser ofensivo acusar a esquerda de pretender “deslegitimar uma eleição que envolverá quase 150 milhões de eleitores, e dezenas de milhares de candidatos para os mais diversos cargos estaduais e federais, é desrespeitar a democracia”.
Se há alguém desrespeitando a democracia e deslegitimando as eleições, é o golpismo, não a esquerda. O que defendemos é impedir a fraude; e, caso não consigamos impedir, defendemos deslegitimar a fraude. Onde está, portanto, a real divergência? Está em saber se “eleição sem Lula é fraude”, ou não.
 
A fraude
Para Miguel do Rosário, denunciar golpe ou fraude converte-se num detalhe, que ele chega a resumir na palavra “apenas”.
Segundo ele, “quanto à denúncia de fraude e golpe, a estratégia de combatê-los não pode ser emulando os piores exemplos da direita venezuelana”, “pondo a culpa no processo eleitoral, e não no adversário”.
Repito a frase: o erro estaria em por a “culpa no processo eleitoral, e não no adversário”.
Vamos por partes: se Lula for impedido de ser candidato, o “processo eleitoral” terá sido fraudado pelo “adversário” (prefiro falar em inimigo, correndo o risco de Miguel do Rosário achar isto uma expressão deselegante).
O que fazer diante disto? Depende.
Há situações em que a esquerda participou de eleições fraudadas, há situações em que as boicotou. Não se trata de uma questão de princípio, mas de tática.
Os que defendem como única hipótese, em qualquer cenário, participar “normalmente” da eleição, consideram sempre o melhor cenário: que será possível disputar, que será possível ir ao segundo turno, que será possível vencer.
Não percebem e/ou não concordam que o golpismo está preparando uma eleição “pela metade”. Que sem Lula a eleição estaria fraudada, o resultado estaria definido de antemão. Se for este o contexto, é essencial denunciar isto antecipadamente.
Não apenas pela denúncia em si, mas também porque esta denúncia nos fortaleceria inclusive eleitoralmente e nos prepararia para fazer uma oposição à altura ao governo golpista que, neste cenário citado, emergiria da fraude eleitoral.
Em nossa opinião, se efetivamente ocorrer, a interdição de Lula tornaria muito pouco provável, para não dizer praticamente impossível, que a esquerda possa estar no segundo turno das eleições presidenciais de 2018.
Neste contexto, se não deixarmos claro que se trata de uma fraude, vamos legitimar a fraude. E seremos duplamente derrotados: não poderemos nem mesmo reclamar que fomos vítimas de uma fraude.
 
Lula ou “nada”
Por isto é que, na minha opinião, só há duas alternativas aceitáveis no que diz respeito à eleição presidencial: ou participamos com Lula candidato; ou participamos com o objetivo de denunciar a fraude, deslegitimar o resultado e criar assim melhores condições para fazermos oposição ao futuro governo federal.
E como participar denunciando a fraude? Neste momento, considero duas hipóteses de ação no tal cenário: ou não substituir Lula, caso ele venha a ser “interditado definitivamente”; ou lançar em seu lugar uma “anti-candidatura”, que tenha como objetivo denunciar o golpe e defender o PT.
“Anticandidatura”, neste caso, quer dizer: sabemos que a eleição foi fraudada.
Participaremos, para denunciar o ocorrido, sem ter a ilusão de que haverá vitória.
Sem que sirva como modelo para o nosso caso, mas apenas como exemplo de algo que recebeu o mesmo nome, recomendo ler a seguinte documentação:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal/UG/textual/documentos-sobre-a-anti-candidatura-de-ulysses-guimaraes-e-barbosa-lima-sobrinho-a-presidencia-e-vice-presidencia-da-republica-incluindo-discurso-
Miguel do Rosário está preocupado não apenas em “participar da campanha presidencial”, mas também em “emplacar uma boa bancada no congresso e nas assembleias legislativas”.
Concordo com ambas as preocupações. Mas se Lula for arbitrariamente impedido de participar da disputa presidencial, e até mesmo impedido de fazer campanha, considero necessário adotar uma política criativa, ao invés de repetir o feijão-com-arroz das eleições ocorridas desde 1989 até 2014.
Pois caso interditem Lula, as eleições de 2018 estarão fraudadas antes mesmo de ocorrerem e, portanto, nossa tática deve inovar.
Não basta, neste cenário, uma “estrategia política e eleitoral consistente, íntegra, substantiva”. É preciso uma tática eleitoral de novo tipo, consistente com uma nova estratégia, que seja capaz de enfrentar uma situação completamente diferente do que ocorreu desde 1989.
Miguel do Rosário chega a afirmar que “o último bastião da nossa democracia são as eleições de 2018”. Mas logo em seguida afirma que não acha “inteligente encará-las como uma batalha de vida ou morte”.
Se de fato as eleições de 2018 forem nosso “último bastião”, então penso que cabe travar uma batalha de “vida ou morte”.
Isto não quer dizer que, se perdermos, “acabou-se o mundo, podemos ir para casa”.
Explico: o golpe de 2016 revelou que os capitalistas brasileiros não querem conciliação e que as direitas não querem respeitar o resultado da eleição.
As eleições de 2018 podem reverter isto; ou podem ser mais um “golpe dentro do golpe”. Para reverter, Lula tem que ser candidato.
Se Lula não for candidato, teremos consumado outro “golpe dentro do golpe”.
Prevalecendo esta segunda opção, o mundo não terá acabado, nem iremos para casa. Mas ficará mais do que evidente a necessidade de adotar outra estratégia, muito diferente daquela que a esquerda brasileira adotou desde 1989.
Miguel do Rosário vislumbra isto, quando diz que os “horizontes pós-eleitorais permanecem tomados de perspectivas infernais, perdendo ou ganhando”. Mas não percebe que, se Lula for impedido de participar, os horizontes pré-eleitorais já serão infernais.
Por isso mesmo, embora não aprecie os termos, não discordo do objetivo de tratar as eleições “como um valor em si mesmo, como uma oportunidade de transformá-lo num processo de educação política”.
A questão é como fazer isto: de um jeito tradicional ou de um jeito criativo, coerente com a situação nova criada pelo golpe?
Miguel do Rosário reconhece que o impeachment foi golpe e também reconhece que a retirada de Lula do pleito corresponde a uma insuportável fraude no processo eleitoral.  Concorda que isso deve ser denunciado agora e sempre.
Mas não percebe que frente a esta situação insuportável, é preciso travar a luta democrática de outro jeito.
No fundo, no fundo, Miguel do Rosário é mentalmente um conservador, que não consegue enxergar outras formas de participar das eleições, que não as de sempre.
Acha que lançar uma anticandidatura, ou defender o voto em Lula mesmo que ele não esteja na urna eletrônica, é igual a desistir da luta democrática.
A divergência nesta questão está, reitero, em que — mesmo caso Lula seja interditado — Miguel do Rosário propõe intervir nas eleições do modo tradicional, ou seja, de modo similar a como fizemos entre 1989 e 2016.
Não considera a necessidade de adotar, frente a uma situação muito diferente, uma tática também muito diferente.
Ou melhor dizendo: ele propõe sim uma mudança importante. A saber: que neste caso o PT considere apoiar a candidatura a presidente de Ciro Gomes.
Ciro Gomes
Miguel do Rosário defende que o PT deva se aliar a Ciro Gomes. É direito dele, assim como é meu direito, como filiado ao PT, considerar que isto é um imenso erro.
Da mesma forma, é direito de Miguel do Rosário achar “deselegante” que eu fale da “condição hegemônica do PT”, embora eu considere que o termo deselegância deveria ser proibido, num debate envolvendo Ciro Gomes.
Agora, deselegante ou não, os fatos são: o PT é muitas vezes maior e mais influente, eleitoralmente e socialmente, do que os demais partidos de esquerda, populares, progressistas.
Isto não tira o direito de Ciro, Manuela e Boulos serem candidatos. Mas vale o mesmo para o PT: é absolutamente legítimo que o PT tenha o direito de decidir o que fazer de si mesmo.
Aliás, Miguel do Rosário acha legítimo e propõe que o PT decida descarregar toda sua força em favor de uma candidatura de outro partido. Isso em si também não é um problema de princípio.
O problema são os motivos. Vejamos o que ele diz: “mesmo na vazante, o antipetismo ainda é extremamente pesado, e perigoso, porque não é mais apenas um sentimento de antipatia política contra um partido. O antipetismo incorporou elementos emocionais próprios do fascismo, e contaminou setores poderosos dos estamentos, em especial suas áreas mais burocráticas e autoritárias (…) Neste sentido, de pensar uma estratégia que nos permita driblar o ódio fascista, que infectou setores poderosos do Estado, e que parecem dispostos a abandonar qualquer escrúpulo democrático, brandindo, a todo momento, intervenções militares, é que vale a pena discutir uma aliança com Ciro Gomes.”
Ou seja, o PT cresceu depois do golpe, mas o antipetismo também cresceu, então para “driblar” o antipetismo, o PT poderia apoiar uma candidatura de outro partido. Qual? A de Ciro Gomes.
Aliás, Miguel do Rosário admite candidamente que “Ciro Gomes tem feito críticas duras ao PT, mas isso todo o mundo faz, inclusive o próprio PT. Não concordo com todas as críticas de Ciro ao PT. Mas concordo com outras. E, o que me parece mais interessante, algumas de suas críticas estão quase mudando minhas ideias”.
Miguel do Rosário tem todo o direito de apoiar Ciro Gomes. Mas ele o faz exatamente pelo mesmo motivo que eu acho incorreto que o PT apoie Ciro Gomes.
Reproduzo a frase: “Deve ser verdade que Ciro Gomes tenha uma estratégia “sem o PT”. Mas este é o ponto em que nos perguntamos: e daí?”
Para quem não é do PT, para quem não compreende o papel que o PT jogou e joga na história brasileira, a questão pode ser resumida assim mesmo: “e daí?”
Mas para quem compreende que a existência do PT foi decisiva para libertar a classe trabalhadora brasileira da condição de linha auxiliar de partidos burgueses e pequeno-burgueses de centro-direita, a simples hipótese de apoiar Ciro Gomes consistiria num enorme retrocesso estratégico.
Exatamente porque no centro está a luta de classes, não me engano, não subestimo nem superestimo os discursos e  o programa defendido por Ciro Gomes. O que interessa é: que classe social e que projeto histórico ele representa?
Miguel do Rosário cobre o PT de elogios, mas a conclusão que ele tira é pedir ao PT que apoie uma candidatura não apenas de outro partido, mas de outra vertente sócio-política.

O Partido dos Trabalhadores é o eixo ao redor do qual a maior parte da esquerda brasileira se fortaleceu desde 1989 e vem resistindo ao golpe desde 2016. Renunciar voluntariamente à esta condição (hegemônica: a palavra é esta, deselegante ou não), tendo como argumento esconder nosso partido e suas lideranças atrás de um biombo, que nos permita (supostamente) driblar o antipetismo, não contribuiria para derrotar o golpismo, nem ajudaria a esquerda a reencontrar nosso caminho para o poder, para as reformas democrático-populares e para o socialismo.

Finalmente
O texto de Miguel do Rosário é extenso e algumas coisas que ele diz são, do meu ponto de vista, corretas. Por exemplo quando ele afirma que corremos, nós do PT, o risco de cair na armadilha do debate principalmente judicial, deixando de lado o essencial, que é o debate sobre os rumos do Brasil do ponto de vista da classe trabalhadora. Assim como está certo em dizer que “o PT cometerá um erro se construir uma estratégia sem Ciro Gomes”, aos quais acrescento Boulos e Manuela D´Ávila.
Apesar destes acertos, a posição defendida por Miguel do Rosário é no fundamental incorreta. Isto porque, ao defender o apoio do PT a Ciro, ele na verdade defende desistir da candidatura Lula. Ou seja, defende desistir da única chance real que temos de derrotar o golpe nas eleições 2018.
Como citamos antes, Miguel do Rosário acha que só por um “milagre” Lula será candidato.
Não acredito em milagres. Mas se é para discutir nestes termos, então prefiro dizer que só por um “milagre” o PT desistirá de lutar pela liberdade e pela candidatura de Lula.
Eleição sem Lula é fraude!
Redação:
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