As intermináveis intrigas contra Ciro Gomes

Porto Alegre-RS, 30.08.2012 - A candidata a prefeitura da cidade, Manuela D'Ávila(PCdoB), participa do cafe da manha com Deputado Federal Ciro Gomes. Foto: Tomás Edson/Agência Freelancer/Divulgação

Desde algumas semanas, Ciro Gomes tem ocupado, todos os dias, o centro da agenda política nacional.

O dia de hoje não fugiu à regra. Seja para qual lado você olhasse, lá estava ele. No Painel da Folha, no Brasil 247, no Antagonista, no blog do Josias de Souza, nas discussões das redes sociais. Criticado, elogiado, xingado, defendido. Visto com desconfiança, raiva, admiração, esperança, confusão.

O MBL e bolsominions passaram a atacar Ciro Gomes dia e noite, com a delicadeza que lhes caracterizam. Os primeiros focam mais nos defeitos pessoais do candidato, os segundos, em suas supostas alianças com os “comunistas”.

O Antagonista, porta-voz do “mercado” e da “Lava Jato”, atacou-lhe pela manhã, por causa de entrevista de seu irmão, Cid Gomes, à Folha, em que este reafirma que Ciro não será escravo de dogmas neoliberais, incluindo aí o famigerado “tripé econômico”.

No Brasil 247, a crítica veio por outro ângulo. A manchete diz que “Antes da eleição, Ciro loteia governo com partidos de direita”. É uma reação ligeiramente exagerada à reportagem na Folha, que descreve um mero jantar do candidato com Rodrigo Maia e outros personagens do “centrão”.

No próximo sábado, o presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, em sua análise semanal, certamente dará mais algum veredicto terminal sobre o direitismo inexorável de Ciro Gomes.

Cada um puxa Ciro para um lado.

Como se não bastasse tanta atenção, agora à tarde, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta, aponta seus canhões para… Ciro Gomes. Em entrevista publicada com destaque na Folha, Pimenta diz que “Brizola deve estar se revirando no túmulo”.

O comentário ácido de Pimenta se deve, aparentemente, a uma provocação da jornalista da Folha. A revista econômica Americas Quarterly, uma das mais importantes do mundo, publicou hoje uma excelente entrevista com Ciro Gomes. A entrevista está na capa do site da revista.

(Quanto ao título da reportagem, pode provocar um pouco de confusão. O que Ciro diz é o seguinte: “Meu projeto é de centro-esquerda. Muito claramente. O Brasil não precisa e não pode suportar um governo esquerdista radical”. Original: “My project is the center-left. Very clearly. Brazil does not need, and cannot endure, a leftist government.” Não foi exatamente isso que Lula fez?  E não é uma cristalina verdade? Pareceu-me que Ciro adotou uma retórica inteligente para desarmar espíritos conservadores e ao mesmo tempo manter uma posição ideológica firme.)

Pimenta não deve ter lido a entrevista. Provavelmente respondeu à repórter com base no que ela disse. Há uma pergunta na entrevista que é a seguinte:

Americas Quartely? Você acredita que uma reforma da previdência é necessária?
Ciro Gomes: Sim, claro.

Daí Ciro Gomes esclarece que sua reforma não é, obviamente, a de Michel Temer. É o que ele vem explicando em todas as mil e uma entrevistas e palestras que dá, generosamente, todos os dias.

É claro que o Brasil precisa de uma reforma da previdência. Lula já defendeu, em milhares de ocasiões, a necessidade de reformar a previdência. Lula, aliás, durante seus governos, fez várias minirreformas na previdência. Algumas a um custo político alto. A redução de alguns privilégios do setor público deixaram marcas profundas na relação do PT com a  esquerda mais radical. Dizem que o PSOL surgiu neste momento.

Em seguida, a Folha diz que “o pedetista fez duras críticas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chamando de trágico o governo petista”.

As críticas de Ciro a Lula, na entrevista ao Americas Quarterly, são as mesmas que ele faz publicamente, em qualquer entrevista. E ele não diz que o governo do petista foi “trágico”. Isso é uma pequena “fake news” da Folha.

O que Ciro diz é, textualmente: “Lula tinha todo o poder do mundo para reformar o país. Mas ele optou por um projeto de construção de poder. E essa tem sido a tragédia brasileira”.

Ora, qualquer crítico à esquerda e à direita tem falado a mesma coisa do PT e de Lula há anos, inclusive dentro do próprio PT. Isso não exclui as grandes conquistas dos governos Lula e Dilma. O jingle da campanha de Dilma em 2014 dizia “que tá bom vai continuar / O que não tá a gente vai melhorar”, e vinha inteiramente ancorado no lema de mudança.

O PT governou o Brasil por 13 anos. Se o partido não pode ser responsabilizado pelo golpe que derrubou uma presidenta honesta, deve-se fazer as necessárias críticas às vulnerabilidades, essas sim, produzidas pela inação petista, que permitiram esse golpe: ausência de um sistema de inteligência e contrainteligência, nomeações desastrosas para o STF, submissão aos corporativismos do MPF e da Polícia Federal, e concessões às pautas punitivistas e reacionárias que levaram à aprovação de leis de exceção, como a da Ficha Limpa, da Delação Premiada, da Organização Criminosa, e Antiterrorismo, todas agora usadas contra o campo progressista.

Fazer críticas a Lula e ao PT não é um crime nem “falta de caráter”, como disse Paulo Pimenta, alegando que “Lula não pode se defender”.

Como assim? Lula está preso, mas tem podido se reunir a qualquer momento com seus correligionários. Tanto é que já fez diversos comentários sobre Ciro Gomes. O último deles, aliás, defendia que o PT tratasse Ciro Gomes como “aliado” e do “mesmo campo político”.

Aí está o problema. O PT quer quer Lula seja candidato à presidência da república, e não aceita que ele seja criticado? Como isso é possível?

Se Lula é “candidatíssimo”, então o debate, necessariamente, terá de conter uma avaliação crítica da era petista.

Como é possível fazer o debate político no país sem criticar o governo que administrou o país de 2003 a 2016, que nomeou 9 dos 11 atuais ministros do Supremo (afora os que já saíram: Joaquim Barbosa e Ayres Brito…), e que foi sucedido pelo vice-presidente golpista escolhido pelo próprio PT?

Até mesmo para entender as coisas boas que o PT fez, e foram muitas (embora infelizmente pouco mostradas por um governo que, misteriosamente, nunca entendeu o valor da comunicação), é preciso mostrar o que se fez de errado.

Ciro Gomes está fazendo críticas transparentes, públicas, sinceras, que precisam ser feitas, que deveriam estar sendo feitas pelo próprio PT.

Quanto ao jantar de Ciro Gomes com membros do DEM, foi apenas um jantar. É muito interessante e promissor que setores da centro-direita estejam se sentindo atraídos pelos discursos do candidato do PDT. Isso tem de ser incentivado pela esquerda, e não criminalizado.

A atração da centro-direita por Ciro Gomes pressupõe vários fatores:

  • Este setor da centro-direita quer se afastar do extremismo de Jair Bolsonaro, o que é um ótimo sinal. O próprio Rodrigo Maia já andou falando que votaria em Ciro contra Bolsonaro.
  • Políticos profissionais como Rodrigo Maia estão recebendo pesquisas que mostram o potencial de votos de Ciro Gomes. Ele é um candidato que está avançando nas pesquisas, e tem um perfil muito desejado pelo eleitor atual.
  • A centro-direita já começou a admitir o fracasso econômico dos delírios neoliberais de Michel Temer, e entendem que é melhor perder alguns aneis, através de tributação progressiva, impostos sobre herança e sobre lucros, do que perder os dedos, através do aprofundamento do caos e da violência.
  • Este flerte do DEM com Ciro Gomes isola Geraldo Alckmin, candidato do PSDB, o partido mais orgânico das elites rentistas, núcleo do  golpe. Isso é muito bom!

Na matéria da Folha que descreve o jantar, descobrimos que um dos presentes era Orlando Silva, líder do PCdoB na Câmara dos Deputados. A presença de Orlando produziu, lamentavelmente, estranha animosidade em setores do PT, com a eclosão de pelo menos um choque duro entre quadros, iniciado por provocação de um importante intelectual petista.

Recentemente, a mesma coluna Painel da Folha publicou que o PT tinha duas metas políticas principais: a primeira era neutralizar qualquer acordo do PSB com Ciro Gomes; a segunda era conquistar possível aliança com o PSB. Sempre é bom lembrar que Ciro Gomes, desde o ano passado, vinha falando em entrevistas que uma chapa dos sonhos seria composta entre ele e Haddad, ex-prefeito de São Paulo. Dezenas de grupos de whatsapp, entusiastas da ideia, foram criados ao final do ano passado, pensando nessa possibilidade. Mas Ciro teve de parar de falar em aliança com o PT porque parte do partido começou a reagir muito agressivamente a qualquer possibilidade de aliança que não implicasse, necessariamente, na manutenção da hegemonia petista.

O PT tenta sabotar a candidatura de Ciro Gomes pela esquerda, e agora também pela direita? Pelos debates que tenho acompanhado nas redes sociais, há muita gente perplexa com o súbito purismo esquerdista do PT, que chega ao ponto de patrulhar – e censurar – jantares de seus companheiros!

O jantar nem quer dizer nada, por enquanto. Josias de Souza, por exemplo, acredita que DEM e seus parceiros do “centrão” estão mais para Alckmin do que para Ciro.

O PT apenas conquistou postos de poder, nos municípios, nos estados e na presidência da república, depois que começou a fazer alianças com a direita. A eleição em São Paulo vencida por Haddad nasceu de uma aliança com PP, na qual Maluf exigiu fotos públicas abraçado a Lula e Haddad. Quanto tentou se reeleger, com poucos aliados, Haddad não chegou sequer ao segundo turno. Todos os governadores petistas estão, neste exato momento, estabelecendo alianças com a direita, tanto para as eleições de outubro, como para formar, desde já, maiorias legislativas a partir dos novos governos.

Seja quem for governar o país a partir de 2019, terá de negociar com a direita. Terá de jantar, conversar, estabelecer pactos. Ciro Gomes está fazendo Política. Tivesse feito um pouco mais de política, Dilma talvez tivesse conseguido evitar a tragédia do golpe.

O campo progressista precisa construir alianças com setores mais amplos da sociedade. O isolamento apenas nos conduzirá a etapas mais sombrias do golpe. Essas alianças entre a esquerda e setores mais abertos da direita é um clássico mundial. Foi a fórmula de sucesso, por exemplo, do socialismo escandinavo dos últimos 50 anos.

Essa aliança entre progressistas e setores do “centrão” é necessária para vencer as eleições, neutralizar o fascismo (que é diferente da direita) e, sobretudo, governar o país com um mínimo de estabilidade.

Se o PT resolveu jogar duro para evitar que Ciro consiga apoio do PSB e do PCdoB, numa tática egoísta e ciumenta, segundo a qual “se não vier comigo, também não vai com ele”, como reclamar que Ciro vá caçar tempo de TV e recursos partidários junto a outros partidos? É uma tática inteligente de Ciro: se as negociações com PSB estão travadas por causa dos avanços do PT, então ele está livre para procurar as legendas da centro-direita, até mesmo para se tornar mais atraente ao PSB. Como dizia Brizola, “a carroceria do caminhão cabe todo mundo, mas na boleia só quem se confia”.

A entrevista de Ciro a Americas Quarterly, volto a dizer, está muito boa. Não acredite nas repercussões sensacionalistas das redes partidárias. Leia no original, se puder.

Segue um trecho muito emblemático das ideias progressistas de Ciro Gomes:

Nosso país fez uma lei, que eu ajudei a escrever, chamada Lei da Partilha. Sob esta lei, a gente tem 70% das reservas livres para o capital estrangeiro. A gente reservou 30% dessas reservas para a Petrobras e o mercado doméstico. Eu estou convencido de que o Brasil está vivendo sob um golpe. O que o golpista faz? Ele aprova uma lei que anula a Lei de Partilha.

Para ser transparente com o investidor estrangeiro, estou anunciando e vou repetir para você: todos os campos brasileiros vendidos lá fora após o golpe e depois da anulação da Lei da Partilha, serão expropriados – com a devida compensação.

Pronto! Como é possível que, com um discurso desse, repetindo até na mídia internacional, setores do PT queiram pespegar em Ciro a pecha de “direitista”?

Segundo a matéria da Folha que trata do tal jantar de Ciro com caciques da centro-direita, o candidato “sustentou posições que defende publicamente e que são tabu para partidos de viés mais conservador, como a tributação de fortunas e heranças, mas se mostrou aberto ao diálogo”.

Este é um trecho que passou despercebido para os internautas mais aferrados às manchetes. A própria presença de Orlando Silva foi um sinal importante. Embora a matéria fale que este veio acompanhado de Rodrigo Maia, me parece mais lógico que tenha sido um convite do próprio Ciro Gomes, em busca de uma testemunha confiável, para a História, de que o jantar foi um evento republicano, onde se discutiu Política, com P maiúsculo.

As eleições deste ano ainda são uma incógnita. Não se sabe se Lula participará. Quer dizer, perante o comportamento do judiciário brasileiro, até se sabe, mas não se pode falar disso muito alto, para não ferir ouvidos sensíveis. Não se sabe quem Lula indicará para substituí-lo. Não se pode ter confiança de que a esquerda já tem “lugar garantido” no segundo turno. Serão dois candidatos de direita? Será um petista e Bolsonaro? Será Ciro Gomes?

O campo progressista, todavia, precisa pensar para além das eleições. Precisa construir alianças para governar. Precisa de um presidente que inspire confiança na sociedade de que não será cassado ou preso a qualquer momento por este judiciário enlouquecido. Não adianta também eleger Lula e vê-lo ser cassado no dia seguinte. O campo progressista precisa ainda conquistar apoio no judiciário, nas polícias e nas forças armadas. Não dá para se ancorar apenas nas “ruas”, não num país com a nossa extensão continental. É preciso ter divisões armadas a nosso lado.

Um governo precisa, além disso, construir sua própria mídia, e incentivar o surgimento de um sistema de comunicação mais plural: esta é uma luta que qualquer governo progressista, a partir de agora, terá de assumir, se quiser sobreviver.

Estas não são missões para nenhum salvador da pátria, mas para toda a classe trabalhadora organizada. Para derrotar o golpe, reitero, será preciso pôr as intrigas de lado e dar um voto de confiança aos companheiros dos partidos aliados, o que inclui ouvir e aceitar críticas, olhar a conjuntura com humildade e entender que, neste momento, a união é essencial.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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