PT inventou o jogo do perde-perde-perde

Marília Arraes e Silvio Costa. Foto: Robério Sá.

A “genial” jogada do PT, retirando a candidatura de Marília Arraes, representou uma inovação no campo das derrotas políticas: o perde-perde-perde.

Em matéria de erro político, é um salto mortal triplo escarpado.

Enquanto inocentes do Brasil inteiro – eu, inclusive – botavam fé numa possível união da esquerda, o partido consegue a proeza de produzir uma tremenda cizânia no campo progressista, passando a perna na militância petista de Pernambuco, em Marília Arraes, na maioria dos diretórios do PSB que apoiavam Ciro, além de, é claro, no PDT.

O PT conseguiu ficar mal com todo mundo.

Os únicos argumentos que alguns heroicos colegas têm reunido, para defender a decisão do partido, é dizer que as salsichas serão servidas ao final da festa. Ou seja, o espetáculo da sua fabricação é feio, nojento, sujo, mas ao cabo o Brasil poderá provar uma deliciosa iguaria: a vitória da esquerda nas eleições de outubro e um governo renovador a partir de 2019.

Só que não haverá iguaria nenhuma, porque Lula não será candidato, e o seu substituto representará, forçosamente, um logro diante do eleitor a quem o partido prometia que o presidente seria Lula, só Lula e mais ninguém.

Vamos por partes.

Perde Ciro, naturalmente, que teria mais tempo de televisão se obtivesse uma aliança com o PSB. Mas Ciro, com 28 segundos por dia, continua tendo muito mais tempo de TV, por exemplo, que Bolsonaro e Marina, que terão, cada um, 4 e 3 segundos, respectivamente. A propaganda eleitoral vai começar só no dia 31 de agosto, e durará apenas 45 dias (em 2014, eram 3 meses de campanha).

 

Até lá, não haverá nenhuma propaganda na televisão. Haverá somente candidatos participando de sabatinas, entrevistas e debates. Como não existe vácuo em política, o espaço da esquerda será preenchido por Ciro Gomes, cujo bom desempenho nessas ocasiões (desde que consiga controlar seu temperamento colérico) é elogiado até pelos petistas mais disciplinados.

Perde o PSB, que passa a imagem de partido pusilânime, covarde, assim como foi durante o impeachment, que apoiou em peso. O PSB de Pernambuco, em especial, ganha a antipatia mortal da militância petista do estado. Os petistas de PE comeram o pão que o diabo amassou durante o segundo turno das últimas eleições presidenciais, lutando para eleger Dilma sem apoio do governo do PSB, que apoiou Aécio. Em seguida, os mesmos militantes sofreram o diabo durante o período de resistência ao impeachment, também apoiado pelo PSB de Pernambuco. E agora, após um meticuloso e belíssimo trabalho de base, construindo uma candidatura orgânica, ideológica, autêntica, sofrem essa rasteira, patrocinada mais uma vez pelo governo do estado.

Perde a Marília, que foi terrivelmente humilhada, vítima de uma decisão que a Executiva Nacional não teve sequer a delicadeza de lhe comunicar antes, evitando que ela passasse pelo vexame de ir às redes dizer que era “boato”. A vereadora disse que está “recorrendo” da decisão.

A vereadora é um dos principais quadros da esquerda pernambucana. Apesar de jovem, 34 anos, está na política há 20 anos, tendo começado sua militância ao lado do avô, Miguel Arraes, fundador e patrono do PSB. Em 2014, Marília abandonou a sua candidatura para a Câmara Federal por não apoiar os rumos do PSB, que se inclinava rapidamente à direita. Em fevereiro de 2016, no auge da luta de resistência ao impeachment (que era apoiado pelo PSB), Marília Arraes sai do partido e se filia ao PT.

Por fim, perde o PT. Se o PSB tivesse decidido pela aliança nacional com Lula, tudo bem. Mas não. O PSB optou pela neutralidade. Ou seja, alguns diretórios vão apoiar Lula, outros, Ciro. Marcio França deve dar o palanque a Geraldo Alckmin (único a ganhar, aliás, com esse “acordo”). O PT não ganha um segundo a mais de tempo de TV.

O que o PT poderia efetivamente ganhar, o apoio de Marcio Lacerda em Minas, dificilmente se concretizará, porque Lacerda também se sentiu traído, e não seria impossível que apoiasse Anastasia. A única coisa que realmente serve ao PT é o suposto “isolamento” de Ciro Gomes. Os petistas pensam que, com Ciro fora do jogo, abrir-se-á magicamente um espaço vazio para a aposta arriscada que o partido está disposto a fazer, nomeando um substituto para o PT aos 44 minutos do segundo tempo, com a inabalável fé de que haverá transferência maciça de votos de Lula para o “poste”.

A jogada, no entanto, pega mal com amplos setores da militância de esquerda, que não gostaram de ver tão de perto as salsichas da realpolitik sendo fabricadas. A jogada, portanto, pode reverter em favor de Ciro, o único que emerge dessa história como não tendo passado a perna em ninguém.

Esse é o ponto mais preocupante para a legenda: a emergência de um sentimento antipetista não mais entre bolsominions, não mais entre os inocentes do Leblon que votam no PSOL, mas numa ainda emergente militância trabalhista, muito qualificada nos debates da internet, e que não gostou nada de ver o PT, acossado pelo egoísmo e medo de que um colega da esquerda se coligasse com o PSB e ganhasse musculatura, optar por uma verdadeira automutilação, como foi a retirada da candidatura de Marília Arraes.

Na verdade, os gênios do PT demonstraram que ainda não compreenderam que política é comunicação. Agora é possível entender que o golpe não foi dado apenas por causa dos tropeços políticos da Dilma. O próprio PT, o tempo inteiro, estava por trás do processo, dando maus conselhos, escondendo-se, sinalizando para o lado errado, ajudando o governo, de todas as maneiras, a dar tiros e mais tiros no próprio pé.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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