Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor

O dia era sábado, 6 de outubro de 2018. Véspera do primeiro turno da eleição.

Eu e dois amigos estávamos na estrada, voltando de uma viagem, quando paramos para almoçar em alguma cidade do interior de São Paulo.

Perguntei ao garçom que cidade era aquela. Ele respondeu que estávamos em Eldorado. Outro funcionário trouxe-nos o suco de limão que havíamos pedido e perguntou:

Vieram conhecer a cidade do Bolsonaro?

Dissemos que paramos lá por acaso e o simpático senhor disse que a família do ex-capitão, inclusive mãe e irmãos, ainda mora lá. Um dos meus amigos perguntou se o pessoal lá votava em Bolsonaro. A resposta:

Vota, todo mundo vota. Menos o pessoal dos quilombos…

Bolsonaro falou o seguinte sobre as comunidades de descendentes de escravos:

Quilombolas é outra brincadeira. Eu fui num quilombola [sic] em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Acho que nem pra procriador serve mais.

O dia era domingo, 7 de outubro de 2018. Dia do primeiro turno da eleição. Salvador, Bahia.

O mestre de capoeira Moa do Katendê, ícone da cultura afro-brasileira, foi morto a facadas por um apoiador de Bolsonaro após dizer que era contra o ex-capitão.

O dia era segunda-feira, 8 de outubro de 2018. Dia seguinte ao primeiro turno da eleição. São Paulo, capital.

Fui ao mercado e puxei o assunto eleitoral com a moça do caixa e o brother que ajudava a colocar as compras nas sacolas. Ambos tinham justificado o voto mas, caso votassem, não escolheriam Bolsonaro. “O pessoal tá iludido”, a moça falou. “Eu tô até com medo de sair na rua. (Apontando para a pele do próprio braço) Negra, né.”

O dia é incerto, mas foi logo após o primeiro turno da eleição. O local é Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco.

O trecho a seguir é de uma matéria do Diário de Pernambuco:

Ayanna tem 10 anos. É negra. Estuda numa pequena escola particular no bairro de Candeias, Jaboatão dos Guararapes, e este ano não quis participar das comemorações do Dia das Crianças. Em casa, relatou à família que tinha vivido uma ameaça logo após a divulgação do resultado do primeiro turno. Um menino, da mesma idade, se aproximou e disse: “Ayanna, aqui não é lugar para você. Você não vai poder estudar mais nesta escola porque não combina com sua cor. Sua família é negra e vocês têm que viver separados de nós. Bolsonaro já ganhou e garantiu que vai resolver essa mistura. Se seus pais vierem falar merda, a gente mete bala”.

Segundo contou a mãe, Josivânia Freitas, a filha foi vítima de uma sequência de outras frases intimidatórias e preconceituosas. Teria sido chamada de “burrinha” em ocasião anterior. E questionada: “Você estuda nesta escola por causa de bolsa?”, teria perguntado o mesmo menino a Ayanna.

A garota transferiu a pergunta à mãe: “Mamãe, o que é bolsa?”. Josivânia explicou que era um benefício de gratuidade para alguns alunos, mas que, no caso dela, a escola era paga pela família. Ayanna chorou, não quis ir à escola nos dias seguintes e os pais analisam se será preciso transferir a menina da unidade educacional.

É evidente a tragédia que a eleição de Bolsonaro seria para a população negra do nosso país.

E o que o outro candidato, Fernando Haddad, representa para os negros e negras do Brasil?

Bom, a sua gestão no Ministério da Educação e o período de governos do PT proporcionaram o maior acesso de negros e negras ao ensino superior já visto na história do país. Milhares de famílias viram suas primeiras gerações ingressarem nas universidades.

Estudantes de todo o país compartilharam, nos últimos dias, fotos ao lado de placas de inauguração de unidades de educação federal criadas por Haddad. Na foto que ilustra este post, duas meninas negras apontam para a placa que celebra a inauguração de um Instituto Federal de Educação no RN.

Mais da metade da população brasileira se identifica como preta ou parda.

Como cantam os Novos Baianos, chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor.

Ele não. Haddad sim.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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