Wanderley Guilherme: Por que o brasileiro vota em Bolsonaro?

Robert Rauschenberg

Segunda Opinião

A IMPREVISÃO DEMOCRÁTICA

Por Wanderley Guilherme dos Santos

Voltou à moda rejeitar a capacidade da população de baixa renda e baixa escolaridade escolher corretamente em quem votar. Em versão mais radical, até a classe média é desclassificada (por exemplo, Ilya Somin, Democracy and Political Ignorance, 2013). Essa história começou na metade do século XX, quando pesquisas de opinião revelaram frequentes inconsistências nas respostas dos entrevistados. Eram pesquisas acadêmicas investigando a extensão em que as sociedades eram compostas por indivíduos dotados dos atributos racionais pressupostos pela doutrina democrática.
De acordo com a teoria clássica, os eleitores seriam conscientes da hierarquia de seus interesses e das políticas apropriadas à sua satisfação. Um eleitor, portanto, tinha clareza quanto aos fins que desejava e quanto aos meios para alcança-los. As pesquisas revelaram que as eleições não eram sempre assim. Em momentos diferentes das entrevistas surgiam contradições entre metas – por exemplo, a contradição entre redução de impostos e expansão de serviços públicos ou benefícios sociais -, além de aprovarem iniciativas opostas àquelas compatíveis com os fins procurados. Em suma, a democracia se sustentava, também, em eleitores sem os requisitos da teoria. Não obstante, suas escolhas eventualmente coincidiam com as da maioria, contribuindo para a consagração do vencedor.

A extensa lista de pesquisas eleitorais parece não registrar um só caso de completa ausência de contradições quanto a meios ou quanto a fins nas respostas dos entrevistados. Ao contrário, apontam os radicais contemporâneos, a crescente complexidade nos negócios de Estado aprofundou a incapacidade da maioria dos eleitorados discriminarem com clareza seus reais interesses e que políticas melhor os serviriam.

A detalhada pesquisa do IBOPE, uma semana depois do primeiro turno (13-14 de outubro) trás material suficiente para avaliação do nível de consistência do eleitorado, neste primeiro turno das eleições de 2018. Há inúmeros quesitos em que a clareza dos eleitores e eleitoras é flagrante. Por exemplo: denominei de agnósticos os entrevistados que não se sentiam nem otimistas nem pessimistas em relação ao futuro do país. Os resultados indicaram que quanto mais velhos e de maior escolaridade, mais agnósticos, de um lado, e quanto mais jovens, mais otimistas.

Subterrâneo às perguntas há um sempre um conceito do que se entende por consistência. Ademais, o suposto de que o eleitor vota segundo seu presumido interesse desconsidera outros determinantes do voto: ideologia, sistema de crenças cívicas ou urgências de conjuntura. Por isso, embora tomado como exemplo de intenção de voto inconsistente, a propensão majoritária do eleitorado feminino em um candidato declaradamente misógino se explique por pressões de circunstância, antes que por ignorância sobre seus interesses.

Item externo à consistência ou inconsistência do eleitorado, o momento em que decidiu em quem votaria, nas eleições de 7 de outubro, trás uma associação perfeita entre nível de renda e rapidez de decisão: quanto menor a renda, maior a porcentagem de eleitores que decidiram o voto no dia da eleição. A associação me parece de alta relevância por revelar que nada menos do que 21% do eleitorado de renda familiar até um salário mínimo decidiram em quem votar no mesmo dia da eleição. As surpresas do primeiro turno sugerem ser possível que o eleitorado surpreenda algumas das sólidas expectativas de vários candidatos. É o que se chama de imprevisibilidade democrática.

Wanderley Guilherme dos Santos: Cientista político brasileiro, autor de muitos livros. Mais: https://www.ocafezinho.com/wanderleyguilherme/
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