O significado da continência de Bolsonaro ao assessor de Trump

A mão da continência chega a tremer

A continência que Bolsonaro prestou ao receber em sua casa John Bolton, assessor de Donald Trump, na semana passada, rendeu tanto que o G1, site de notícias da Globo, soltou esta matéria ontem, com aquele estilo professoral de chamada: “entenda o que o gesto significa”. Se você quer entender de verdade, recomendo a leitura de outras opiniões, porque o que a Globo fez foi tentar passar pano para Bolsonaro e sua bizarra continência.

A bizarrice já começa com o fato de Bolsonaro receber um assessor de Trump, quando o protocolo diplomático é chefe de Estado se reunir apenas com outros chefes de Estado, justamente por uma questão de hierarquia e para não demonstrar subordinação.

Basta inverter a situação para perceber o absurdo: imaginem se Trump receberia um assessor de Bolsonaro – ou de qualquer presidente. É claro que não.

O ato de bater continência, então, demonstra uma completa submissão. O fato de o assessor ter ignorado a continência e cumprimentado normalmente Bolsonaro torna a situação ainda mais patética.

Segundo o Regulamento de Continências, Sinais de Respeito e Honras Militares, a continência só deve ser prestada para outros militares ou para autoridades, a bandeira ou o hino nacional. Não há nada sobre “assessor de presidente”…

O coronel entrevistado pelo G1 disse que é “perfeitamente cabível” cumprimentar um civil, desde que se tenha “muito apreço” pela pessoa. Ou Bolsonaro é um admirador do tal Bolton ou é apenas um lambe botas dos Estados Unidos.

Considerando que muito provavelmente Bolsonaro não encontrará nenhum outro assessor de presidente que não o dos EUA, muito menos baterá continência, podemos afirmar, sem medo de errar e apenas para confirmar todos os outros indícios, que teremos um presidente melancolicamente subserviente aos Estados Unidos.

E por que isso é ruim? O Fernando Brito, do Tijolaço, vai no ponto: “o alinhamento total ao governo americano implica em tomar partido na guerra comercial evidente em que este se lançou contra a China. E só alguém muito tolo acha que o gigante oriental não retaliará, ao menos com um discreto afastamento”. A China responde por algo próximo a 40% de todo o nosso comércio exterior.

Encerro o post com uma história contada por Lula, o presidente do período em que o Brasil mais foi respeitado internacionalmente, sobre uma reunião do G8 (matéria completa aqui):

Lula, que durante dois dias foi o anfitrião de quatro cúpulas presidenciais, contou uma lembrança ocorrida durante a reunião do Grupo dos Oito (G8, as sete nações mais ricas do mundo e a Rússia) em 2003, em Paris, para exemplificar quão ruim pode ser o servilismo político.

“Eu cheguei e todo o mundo estava sentado, cumprimentei, e quando o presidente (dos Estados Unidos, George W.) Bush entrou, todo o mundo se levantou e eu, junto com (o então secretário-geral da ONU) Kofi Annan, disse: não vamos nos levantar”.

“Não nos levantamos e Bush se dirigiu para nos cumprimentar sem nenhum problema, sem fazer nenhuma diferença”, acrescentou.

Que diferença, não?

“Acho que muitas vezes o comportamento super serviçal na política é o que faz com que as pessoas não sejam devidamente tratadas e devidamente respeitadas”, disse ainda o ex-presidente.

Quem não respeita a si próprio, jamais será respeitado pelos outros.

Ao menos podemos recorrer ao bom humor para lidar com as patacoadas de Bolsonaro e sua Trump, quer dizer, sua trupe. Divirta-se.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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