Algumas observações sobre a formação dos blocos parlamentares

O bloco liderado pelo PT. Foto: Lula Marques.

Com os blocos formados, podemos analisar alguns pontos. Primeiro, lembremos os números. O governo Bolsonaro, reunindo a nata da direita ideológica e fisiológica, formou um bloco com 301 deputados, dos seguintes partidos: PSL, DEM, PSDB e MDB.

É um bloco grande, mas insuficiente, por exemplo, para aprovar uma PEC, ou seja, uma Proposta de Emenda Constitucional, onde se dão as mudanças mais perigosas, que mudam efetivamente as leis. Para isso, são necessários 308 votos. Não quer dizer que Bolsonaro não consiga “pescar” esses sete votos fora do bloco, mas o fato é que sozinho, o seu bloco não tem esses votos.

Essa é uma pequena, mas importante, vitória da oposição sobre o governo Bolsonaro. E só aconteceu por causa da divergência ideológica entre esses dois campos políticos da esquerda, que vem se afastando desde o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, o petismo (ou neopetismo, para alguns) e o trabalhismo.

O campo trabalhista não conseguiria realizar seu projeto, de atrair o centro, se tivesse decidido seguir sob as asas do PT. Por outro lado, se a esquerda se “unisse”, conforme o desejo do PSOL, que lançou a hashtag #esquerdaunidajá, aí sim que ela ficaria realmente isolada, porque alguns partidos hoje atraídos para o bloco trabalhista tenderiam a entrar no blocão do governo.

Os partidos da esfera petista se reuniram num bloco com 97 parlamentares, com PSOL, PT, PSB e Rede. A presença proeminente do PSOL, legenda bastante radical de esquerda (na melhor acepção do termo “radical”), somada à linha política também muito arrojada trazida por Gleisi Hoffmann, dão ao bloco uma coloração fortemente vermelha.

O PSB entrou no bloco petista meio que por acaso. O partido tinha entrado, depois disse que não queria mais, e aí, quando se viu completamente isolado, entrou de novo, após algum tipo de desentendimento com o PDT, com quem havia firmado compromisso, meses atrás, de se aliar na Câmara.

A Rede tem uma deputada, Joenia Wapichana, uma indígena (a primeira eleita na história) combativa, respeitada no meio acadêmico que estuda e defende os índios no Brasil, e tende naturalmente a fazer parceria com o PSOL, legenda que se tornou extremamente importante para as causas indígenas.

O bloco petista, todavia, nasce com uma esquizofrenia original: não tem (pelo menos no momento em que foi inscrita) uma candidatura unificada. Uma parte votará no candidato do PSB, o alagoano JHC, figura algo misteriosa (ao menos para a esquerda), que teve um desempenho eleitoral extraordinário em seu estado, e a outra, em Marcelo Freixo. O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta, defendeu hoje que a bancada deveria optar por Freixo. Isso deve ter soado deselegante ao PSB, que tem seu candidato próprio, com chances maiores de obter um resultado mais encorpado, por ser um partido bem maior que o PSOL. Se o bloco definir, até o momento de iniciar a votação, por uma candidatura unificada, terá dado um grande passo, mas é improvável. Pela sinalização de Pimenta, só restaria ao PSB retirar sua candidatura e apoiar Freixo, mas o candidato do PSB já gastou muito dinheiro promovendo sua candidatura, enchendo a Câmara de bonecos e santinhos.

O bloco trabalhista enfrentará o problema de lidar com partidos pequenos, fisiológicos, mas conseguiu o seu intento, desenhado desde o primeiro turno das eleições de 2018, de oferecer efetivamente uma via progressista alternativa ao PT, e ao mesmo tempo sinalizar ao centro político, da Câmara e da opinião pública.

Aliás, é impossível desconhecer que havia muito mais em disputa na Câmara do que a formação de blocos. Por trás das movimentações petistas e trabalhistas, via-se nitidamente uma queda de braço silenciosa, de olho em 2022.

O PT conseguiu uma grande vitória, muito comemorada quinta à noite, ao atrair para o seu bloco o PSB, implodindo o bloco que o PDT vinha costurando nos últimos meses. Numa dessas loucas ironias da história, o elemento-chave para trazer o PSB para a esfera petista foi o presidente do partido, Carlos Siqueira, pertencente ao grupo que articulou para derrubar e substituir Roberto Amaral, fazer o partido apoiar o PSDB, nas eleições de 2014, e, em seguida, defender o impeachment de Dilma Rousseff.

Por um momento, parecia que o PT conseguira isolar o PDT exatamente da mesma maneira que havia feito no primeiro turno das eleições presidenciais do ano passado. A deputada Jandira Feghali, um dos mais respeitados quadros da esquerda, que tem uma ligação muito orgânica com o PT, furou o que parecia ser, até então, a orientação comunista, de manter uma distância respeitosa, mas segura, do PT, e participou da reunião em que as lideranças de PT, PSB e Rede, discutiram a formação do bloco. A presidente do PCdoB, Luciana Santos, também participou da reunião, que gerou uma série de fotos de impacto, imediatamente divulgadas por lideranças petistas e pssolistas, além de notícias que davam (açodadamente, como se viu) como certa a presença do partido no bloco petista.

Entretanto, o líder do PCdoB na Câmara é Orlando Silva, que tem uma postura mais autônoma em relação ao PT. Na hora do gongo final, o PCdoB optou por manter o compromisso, firmando há meses, de se aliar aos trabalhistas. O partido acabou sendo o fiel da balança nessa disputa, porque se ele aderisse ao bloco petista, este ficaria maior que o bloco trabalhista, o qual chegou a 105 deputados. E assim os trabalhistas obtiveram sua primeira – ainda modesta – vitória na disputa com o petismo pela liderança da oposição na Câmara (e na opinião pública), conquistando o segundo maior bloco da Casa. Com isso, os trabalhistas podem reivindicar a liderança da Minoria, embora, diz a imprensa, o PT já tenha contestado isso. Há uma outra diferença: para obter apoio do PSB, os petistas prometeram lhes dar prioridade em tudo que conseguissem (espaço em secretarias, vagas em comissões, etc), ao passo que o PDT formou seu bloco com o cearense André Figueiredo na Câmara já eleito como sua liderança.

O tamanho do bloco governista, de qualquer forma, dá conta de aprovar Leis Complementares, que precisam apenas de 257 votos, e Leis Ordinárias, que pedem maioria dos deputados presentes. E ele poderá também presidir quase todas as comissões importantes. Neste ponto, a oposição não conseguiu muita coisa.

Na minha opinião, agora cabe às lideranças e militâncias, trabalhistas e petistas, se esforçarem para reduzir a toxicidade que tomou conta dos debates interpartidários. A divergência no campo progressista é salutar, e a competição pela liderança política na sociedade estimula os dirigentes partidários a trabalharem e estudarem mais, e isso é ótimo. Tudo que não precisamos é de uma esquerda preguiçosa, que não lê e não trabalha.

Mas é preciso manter a divergência em alto nível, sem golpes abaixo da cintura, centrada em projetos e ideias, porque não podemos esquecer que, parodiando Raulzito, longe da cercas embandeiradas que separam quintais, existe um povo inteiro, mais de duzentos milhões de brasileiros, precisando de uma classe política comprometida com seu bem estar.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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