Cronus continua devorando seus filhos

Por Gustavo Castañon

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes” – Albert Einstein

A visão de Lula, um senhor de 73 anos que era recebido com pompas em palácios e parlamentos, entrando pela porta de uma prisão para dar entrevistas, depois de meses silenciado inconstitucionalmente, causa revolta e comoção.

Causa revolta principalmente porque qualquer brasileiro que raciocine sabe que Lula está preso numa operação do Departamento de Estado Americano, uma nova operação Condor judicial que se espalha por toda América Latina. Não é por um triplex e um sítio que nunca foram dele. Causa comoção porque Lula foi um presidente que, embora mediano, fez muito mais bem do que mal ao Brasil, principalmente à parcela mais pobre da população.

E a revolta e comoção são péssimas lentes para a realidade.

Porque a realidade é que a montanha pariu um rato. Esperada como um grande evento messiânico por parte da militância petista e apocalíptico por parte do governo, a entrevista de Lula só mostrou um homem moído preso num tempo que não existe mais, sem conseguir mais pensar o país nem sair do labirinto de ódios internos que nega sentir de dois em dois segundos. Humano, demasiado humano.

Houve pontos altos, como a denúncia do imperialismo americano assaltando o país e quando o homem por trás do mito, comovidamente deixou soltar que era mais fácil ter morrido no lugar do neto.

Mas a entrevista “chapa vermelha” cuidadosamente preparada e articulada com Florestan Fernandes Júnior e Mônica Bergamo não ofereceu qualquer saia justa ao ex-presidente, e sim perguntas anteriormente acertadas para que ele passasse os recados políticos que queria passar.

O primeiro recado é que ele despreza as outras forças políticas, particularmente de centro esquerda.

Com seu silêncio, trata o PSOL e o PSB como satélites, e com suas falas, manda recados ao PCdoB e PDT para que voltem a se enquadrar. Chegou a afirmar textualmente, com ênfase, logo de início, que “O PT provou que é o único partido que existe nesse país. O resto é sigla de interesses eleitorais em momentos certos.”

Um chocante nível de ódio, desprezo e arrogância com forças políticas aliadas de uma vida toda.

Ao afirmar o PT como dono de 30% do eleitorado, distorce a realidade de um partido que tem hoje somente 14% de preferência nacional. Distorce mais ainda ao omitir que o maior partido do país é o anti-PT, com 38% de preferência.

Mas o recado está dado e é claro. O campo progressista tem que voltar a posição de seu capanga e se recolher a sua insignificância.

O segundo recado é o ódio por Ciro Gomes.

É flagrante para um psicólogo a incongruência entre a comunicação verbal e não verbal de Lula quando fala de Ciro, sua indignação com o fato de ele manter suas críticas ao PT e não aceitar sua tutela, com sua a petulância de desafiar a liderança de Lula no campo progressista.

Em sua relação com Ciro, Lula se comporta como assediador que não aceita o não de uma mulher como resposta. E não, é não. Parece que aos 73 anos ele ainda não aprendeu uma lição elementar: é saber ouvir coisas que ele não gosta, suportar os contrários dentro daquilo que ele considera seu curral, o campo popular.

E projeta isso em Ciro.

Ao convidar Ciro para visitá-lo na prisão, Lula quer sair do terrível isolamento político ao qual está condenado e fagocitá-lo. Ao acreditar que o pedetista teria qualquer motivo, hoje em dia, para cometer um suicídio desses, se mostra fora da realidade. Antes das eleições, quando o Brasil precisava da conversa dos dois, Lula simplesmente se recusou a recebê-lo.

Agora, Inês é morta.

O terceiro recado foi para a elite brasileira.

Lula acena com mais do mesmo, uma bandeira de rendição na forma de “perdão”. Num lapso de inconformismo exige dela uma autocrítica por ter abandonado ele como seu operador. Volta a, inacreditavelmente, depositar suas esperanças em “provar sua inocência”, o que segundo ele é ser absolvido pelo judiciário. Acena ao STJ e a todo mundo político dizendo que tem um único inimigo prioritário, a operação lava-jato.

Nisso ao menos, acerta. Com anos de atraso, Lula descobriu que não há forças no Brasil que possam aceitar sua rendição em troca do fim da operação.

Acena inclusive a Mourão, reforçando as suspeitas de que de fato o PT esteja conversando sobre um país pós Bolsonaro.

Mas o quarto recado, e o mais chocante, foi para o próprio PT.

Ignorou os quadros do partido e não deu nenhuma indicação de passagem de bastão e formação de novas lideranças. Ao contrário, afirma que viverá até os 120 anos e só pensa em voltar a correr o país em campanha. Que vai disputar as próximas eleições. Ele não está em estado de negação, provavelmente, mas enviando um recado enfático: quem manda sou eu e não abrirei caminho para ninguém.

Gleisi pode se preparar para o novo mandato à frente do partido.

Como disse o Cappelli, Lula aprisiona o PT com ele em Curitiba para não deixar que eles o abandonem. Eu diria mais. O que Lula gostaria mesmo é de aprisionar Ciro com ele, assim como também Dino e o PSB. O que lhe falta é poder para isso.

Porque ele sabe que abandonou um por um os companheiros que caíram pelo caminho, e que no PT real, poucos pestanejariam em abandoná-lo se seu capital político se esvaísse um pouco mais.

Então está dado. Lula quer repetir tudo o que destruiu o país. Quer imobilizar as forças de esquerda em torno dele, colocar na rua uma candidatura fictícia, acenar com a banana do apoio dele a três ou quatro ao mesmo tempo, impedir o surgimento de novas lideranças no PT e fora dele, desconstruir toda reorganização política mais ampla em que ele não seja protagonista.

Para quem, fora do PT, ainda acreditava que era possível uma reorganização do campo progressista com Lula, sua entrevista foi terminal.
Quem precisava de desenho está desenhado: Lula só pensa em seu jogo de poder pessoal.

O PT é seu refém.

Ele prefere perder as próximas três eleições para Bolsonaro, Mourão, Dória, Huck ou até o Carluxo, do que ajudar alguém que não seja ele a vencer. O sofrimento do povo brasileiro e a destruição de nossa nação são para ele um detalhe.

Que saudades da grandeza que teve Brizola em 89 e 98. Perto dele, Lula é um anão. Não lhe falta sabedoria política, mas sim, amor ao país.

Acredito particularmente que as principais lideranças dos demais partidos do campo, Ciro, Dino, Câmara e Freixo deveriam momentaneamente dar passos atrás em suas pretensões eleitorais para articular a criação de uma nova esquerda, sem hegemonismos.

Temos que nos preparar para que as eleições municipais de 2020 coloquem o PT não na posição de único partido do país nem de partido cassado, mas de somente mais uma força política, que já teve sua chance e precisa abrir espaço.

Quanto à Lula, espero que possa voltar para casa em breve. Que não seja mais proibido de falar, mesmo porque, já sabemos o script.
A direita não precisa mais calá-lo.

Porque já sabemos que Lula não se arrepende de nada, não aprende nada e não muda nada.

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