Temperamento numa hora dessas?

No 1º Congresso Nacional dos Policiais Antifascismo, Ciro Gomes e a deputada Maria do Rosário tiveram uma discussão acalorada, a qual girou em torno das responsabilidades da esquerda pela eleição de Bolsonaro.

Ciro fez uma análise que eu definiria como dura e certeira – ele mesmo definiu-a como “gélida e doída”. Com o “doída” Ciro se referiu a si próprio, querendo dizer que não sentia nenhuma alegria em demonstrar o desastre da estratégia de Lula e do PT nas últimas eleições.

Ciro cedeu o microfone algumas vezes durante sua fala para Maria do Rosário fazer uma defesa de Lula. Rosário fez basicamente uma chantagem emocional – segundo a deputada, era sua “obrigação moral” defender Lula, já que Lula não estava lá para se defender – e uma insinuação sem pé nem cabeça de que Ciro estava avalizando o projeto anticrime de Moro.

Ciro, em outro momento de sua fala, disse que bater nos adversários é moleza. Difícil mesmo é avaliar os erros cometidos pelo nosso campo.

A escolha do PT e de uma parte da militância de esquerda parece ser a do caminho mais fácil. Muito combate à direita – o que é obrigação de qualquer progressista, por óbvio – e pouco ou nada de avaliação dos próprios erros.

Tantas questões fulcrais a serem debatidas e o trecho do debate que viralizou é o do momento em que os ânimos de Ciro, de Rosário e de membros da plateia se exaltaram e o pededista mandou um “Unidade é o cacete! Unidade é só na luta!”. Em seguida, Ciro pontuou a falsidade do chamamento do PT à unidade dando o exemplo da eleição para a presidência da Câmara, quando o PT compôs uma frente com o PSOL mas não deu todos os votos da sua bancada a Marcelo Freixo – também presente na mesa do congresso dos policiais antifascistas. 

E estamos nós, trágica e novamente, falando do temperamento de Ciro Gomes. Pipocaram análises pueris de sites e quadros da esquerda. Ciro explodiu de novo, está magoado, está com ódio etc. Alguns insinuaram até mesmo que Ciro “não está bem”, um disparate tendo em vista a acuidade de suas análises. Tal postura combina bem com a mídia conservadora, costumeiramente diversionista. Não com o campo progressista.

Sobre o conteúdo da análise do pedetista, silêncio. Nada. Zero. Deve ser mesmo porque quando se trata de conteúdo, a coisa fica mais complexa.

Ciro apontou corretamente que não foi feito nada de relevante na área da segurança pública durante o tempo em que estivemos no poder – e destacou que estava usando a terceira pessoa do plural. Escancarou, mais uma vez, a irresponsabilidade levada a cabo por Lula e pelo PT, com sua bizarra estratégia eleitoral que nos legou um governo protofascista e um presidente paranoico, lunático e com um severo déficit cognitivo.

Em vez de debater sobre essas graves e urgentes questões, vamos discutir o temperamento de Ciro? Sério?

Lula “não pode se defender” porque está preso, e este fato é mais uma evidência de que erros crassos foram cometidos. Um presidente extremamente popular está preso sem provas. Vamos apenas bradar contra a injustiça ou avaliar os erros estratégicos que cometemos para as coisas degringolarem a este ponto? Se não fizermos o balanço, a chance de cometermos os mesmos erros no futuro é altíssima.

A luta pela emancipação do povo brasileiro é maior do que qualquer político do passado, do presente ou do futuro. Ela é parte da luta milenar pela libertação de todos os povos oprimidos que construíram a história humana na Terra. Vamos ficar com melindres e discussões tolas sobre temperamento diante de um desafio grandioso desses? Ou vamos debater com seriedade e objetividade as questões de fundo, os nossos erros e projetos?

Além do mais, o debate acalorado fez com que o 1º Congresso Nacional dos Policiais Antifascismo – que seja o primeiro de muitos! – ganhasse uma visibilidade na mídia conservadora que provavelmente não teria de outra forma. Se for para provocar um debate mais profundo dentro da esquerda e ainda divulgar o antifascismo, que Ciro continue explosivo.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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