Comentários sobre novas revelações do Intercept

Foto: Daniel Marenco / Agência Globo.

Na parte 5 da série de matérias conhecidas sob a hasthag #VazaJato, divulgada ontem, o Intercept trouxe um novo lote de mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol, que merecem contextualização e comentários.

Vale observar que o vazamento, segundo apurou a Polícia Federal até o momento, veio do celular de Deltan Dallagnol, e não de Moro. O Telegram tem uma vulnerabilidade, que é o fato de todas as suas mensagens permanecerem guardadas na nuvem (ou seja, na internet, fora do celular da pessoa). Se um hacker clonar o celular de alguém (o que é uma operação relativamente simples), poderá ter acesso a todo o conteúdo publicado na conta Telegram do proprietário do aparelho. Aparentemente, o verdadeiro dono do celular tem de autorizar o acesso, e parece que Dallagnol, inadvertidamente, autorizou.

É plausível supor que o Intercept recebeu o vazamento por volta do dia 28 ou 29 de maio último, já que, segundo a troca de notas entre Globo e Glenn, o jornalista do Intercept foi à Globo no dia 29, para sondar a emissora sobre possível interesse em fazer cobertura do caso.

Antes de qualquer coisa, vale assistir Sergio Moro, em entrevista para Pedro Bial concedida em 9 de abril deste ano. No minuto 5:09 do vídeo abaixo, ao comentar sobre o vazamento que ele mesmo promoveu, ilegalmente, no dia 16 de março de 2016, de conversa travada entre a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula, Moro se justifica, em tom levemente indignado, alegando que o problema não era a divulgação ou captação, e sim o “áudio em si”.


Pois é, Moro. Concordo. Quer dizer, no seu caso estava errado, porque você era um juiz, e um juiz não pode vazar áudio captado ilegalmente. Isso é um crime e, em muitos países (nos EUA, por exemplo), você estaria preso. No caso de um jornalista, dá-se o contrário. A divulgação é a regra, desde que obedecidos alguns critérios de proteção à intimidade alheia e que se mantenha o foco em conteúdos com valor jornalístico e político, como é o caso das conversas vazadas pelo Intercept. Aí, sim, podemos afirmar convictamente que o problema não é a divulgação, e sim “o diálogo em si”.

Vamos às mensagens vazadas.

Reparem quem é citado por Sergio Moro logo no início do diálogo: Fernando Baiano.

No dia anterior ao diálogo travado, “alguém” havia vazado a delação de Fernando Baiano ao Jornal Nacional, que atingia Eduardo Cunha e… Lula.

A estratégia da Lava Jato, em consórcio com a grande imprensa, era fazer um ataque duplo ao governo: desmoralizando o PT, de um lado, com vazamentos sistemáticos e ilegais de delações, e fazendo pressão sobre Eduardo Cunha, através das mesmas delações, vazadas igualmente de maneira ilegal, para que este acelerasse o processo de impeachment. A ameaça a familiares de Cunha parece ter sido determinante para que o deputado se mantivesse sempre alinhado aos objetivos desse consórcio tácito estabelecido entre Lava Jato e algumas corporações de mídia, que era promover uma mudança de regime.

Agora vamos às capas dos jornais no dia 16 de outubro de 2015, quando foi travado esse diálogo.

Capa da Folha:

Lendo a reportagem da Folha, nota-se que o jornal usou todos os artifícios possíveis para transformar uma delação sem nenhuma prova numa notícia que atingia diretamente o ex-presidente Lula.

A manchete traz o nome de Lula. Bumlai é descrito apenas como “amigo de Lula”, e somos apresentados por um personagem misterioso chamado “nora de Lula”, contra a qual também não se oferece nenhuma prova. Tanto que até hoje, a misteriosa “nora de Lula” não foi acusada de nada. E a foto que ilustra a reportagem é de… Lula.

Capa do Globo:

Toda a imprensa estava mobilizada, a esta altura, para derrubar o governo, e a Lava Jato cumpria um papel fundamental, em vários aspectos:

  1. pressionando delatores, para que estes apresentassem denúncias que atingissem, preferencialmente, o PT, e especialmente Lula, que era, por sua popularidade e força política, o ponto de apoio mais importante do partido.
  2. vazando as delações à imprensa, de maneira seletiva e cúmplice, dando preferência explícita a alguns jornalistas, com objetivo de controlar a agenda política do país.

A delação de Fernando Baiano contra Lula não foi usada no processo contra o ex-presidente, porque não foi acompanhada de nenhuma prova.

Um mês depois de ter fornecido as informações que subsidiaram a imprensa, a oposição e o movimento pelo impeachment com as manchetes que mostramos aí em cima, Fernando Baiano é posto em liberdade por Sergio Moro.

Vamos analisar outro trecho divulgado pelo Intercept:

Esse trecho, em particular, é uma prova bastante explícita e contundente de cumplicidade entre o juízo e a acusação. Moro diz a Dallagnol que receia “reação negativa do STF” e pede para “avisarem pgr”. É o juízo, que deveria ser imparcial, ou seja, manter-se equilibrado entre defesa e acusação, atuando diretamente como instrumento de acusação, interferindo no Ministério Público, contra os interesses de três réus.

O trecho acima traz a apologia a um crime, a ser cometido por Dallagnol, com apoio moral de Moro, que seria forjar uma denúncia contra determinada pessoa, para obrigá-la a depor. E Moro aí novamente atua como parte interessada, repassando diretamente ao acusador informações contra um réu, que, no caso, seria o ex-presidente Lula.

O trecho acima, por sua vez, evidencia a mentalidade messiânica, além de ultra-politizada, de Sergio Moro, ao falar da “nossa [associando-se mais uma vez com a acusação] capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso não está no horizonte”.

É um discurso de militante político, não de juiz, e o fato do interlocutor ser o chefe da operação que investigava diversos parlamentares, a torna ainda mais escandalosa. Juiz e procurador estão associados com o mesmo objetivo político, que é limpar o congresso; em virtude dessa missão divina, vale qualquer coisa, inclusive infringir a lei. Para “limpar o congresso”, Moro e Dallagnol corromperam o judiciário e o ministério público, o que é muito pior, porque o cidadão pode trocar toda a classe política de quatro em quatro anos, mas juízes e procuradores não são eleitos e tem cargo vitalício.

Estes dois trechos de 21 de junho de 2016 e 31 de agosto de 2016 mostram que Sergio Moro exercia uma espécie de comando secreto da operação Lava Jato.

Sobre a “articulação com os americanos”, eu acho que devemos tomar cuidado com uma interpretação conspiratória dessa frase. A Lava Jato nunca fez segredo de que fez acordos com autoridades americanas. Eu tenho minhas suspeitas, e tenho apresentado muitos dados e informações neste sentido, de que havia interesse americano no avanço da Lava Jato, mas essa frase aí não quer dizer, em si, grande coisa.


O período dessas mensagens, que revelam a crescente intimidade entre Moro e Dallagnol, foi repleto de ataques muito duros da Lava Jato a Lula, como mostram as capas seguintes:

A Lava Jato apertava o cerco contra o ex-presidente, subsidiando a grande imprensa com manchetes bombásticas, sempre com base em delações obtidas pela dupla dinâmica formada entre a 13ª Vara de Curitiba e a Força Tarefa formada por procuradores federais também de Curitiba.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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