Bira Marques: “a polarização não ajudou o campo progressista”

Alessandro Molon, Bira Marques e Carlos Siqueira. Divulgação.

Na manhã da última sexta-feira, 20, encontrei Bira Marques, secretário estadual do PSB no Rio de Janeiro, no tradicional Cavé, para uma conversa e uma entrevista.

O Cavé fica na Sete de Setembro, rua que é o coração do velho centro e que hoje se tornou uma espécie de “corredor” da esquerda partidária, porque abriga, a pouca distância uma da outra, as sedes de PT, PDT e PSB. A sede do PCdoB fica um pouco mais adiante, na Praça Tiradentes, e do PSOL, na Joaquim Silva, Lapa, também não muito longe.

Com 45 anos, Bira Marques já é um político relativamente experiente. Foi vereador em Niteroi, pelo PT, migrou para o PSB em 2018, e exerceu, durante alguns meses, a função de secretário de Governo do prefeito de Niteroi, Rodrigo Neves (PDT).

Na conversa que precedeu a entrevista, Marques admitiu a hipótese do PSB ter candidatura própria para o Rio de Janeiro, com o próprio Alessandro Molon, deputado federal e presidente da legenda no Rio, mas deixou claro, aí já na entrevista, que o foco do partido, neste momento, não é propriamente definir um nome, e sim encontrar um ponto de equilíbrio na política, que permita ao campo progressista fugir da polarização identitária, e costurar acordos em torno de programas e projetos.

Trechos:

(…) Nós [estamos] fugimos da polarização porque as últimas duas eleições, seja a nacional, em que Bolsonaro saiu vitorioso, ou a municipal, onde o Crivella saiu vitorioso, a polarização não ajudou o campo progressista. É uma pauta de muito mais interesse dos conservadores.

(…) Aqui na capital, tivemos, mês passado, uma longa conversa com o presidente do PDT, Carlos Lupi, com a Martha Rocha, com o Ismael, secretário geral do PDT, e o deputado federal Alessandro Molon. Depois, convidamos o PV, até o PCdoB e o PCB. Estamos inaugurando semana que vem um ciclo de debates para conversar sobre pautas para a capital. Mais do que dizer que estamos com A ou com B, o importante é afirmar uma posição neste campo, que possa não só fazer um amplo debate com a sociedade, mas que comece do jeito certo, que é por um programa. Isso pode culminar em um nome que tenha a chance não só de competir mas sobretudo governar a cidade do Rio de Janeiro.

(…) É importante destacar, quando falamos da soberania nacional e da questão econômica, sobre a importância de ter um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que dê ao povo e à população a clareza de que defender o Brasil e a Soberania Nacional é defender as indústrias nacionais, com geração de emprego agregando valor à economia. Temos que pensar bastante sobre isso. Que indústria nacional é essa? Que indústria gera valor agregado, transforma matéria prima e gera renda e capital pro Brasil? É importante nos debruçarmos sobre esse debate no próximo período.

Abaixo, a íntegra da entrevista. Os áudios dela, para quem quiser conferir, estão aqui e aqui (há muito ruído, por ter sido feita num café).

***

O CAFEZINHO: Na avaliação do PSB, há um campo aberto dentro da centro-esquerda, já que o PT, empurrado pelas circunstâncias históricas, acabou voltando para uma área da esquerda mais identitária, juntando-se ao PSOL, enquanto o PSB tem preocupações diferentes dessas. Você acha que isso pode causar alguma dificuldade em uma aliança com Freixo?

BIRA: O PSB está fazendo um grande debate interno. Presidente Siqueira está conduzindo o que chama de “autorreforma”. É um partido histórico, de 72 anos de vida, que está repensando todo seu programa e sua forma de organizar o partido, deixando-o mais atualizado, dinâmico e transparente. Sobretudo, queremos ser um partido mais popular e capaz de dialogar com a população. Usando toda forma de diálogo para que coloquemos no centro do debate em nosso partido o combate à desigualdade. Temos a avaliação de que a desigualdade é o maior problema do Brasil, seja ela econômica, social, de gênero, de raça… O Brasil ainda é um país desigual e todo o debate que temos feito é para consolidar dentro de nosso campo uma política que se transforme em políticas públicas e projetos de lei no futuro que devolvam para a população o protagonismo e a defesa da soberania nacional. É nosso grande desafio a nível nacional.

Aqui no Rio de Janeiro, sob a liderança do Presidente Molon [presidente do partido no estado], estamos fazendo um amplo debate interno no partido porque, ao longo dos últimos anos, antes de assumirmos a executiva estadual, o partido perdeu um pouco sua identidade. Estamos retomando essa identidade partidária em um momento muito interessante, pois a nível nacional também se está discutindo um projeto para o Brasil do PSB. Estamos nessa fase de conversar com diretórios municipais, fazer mudanças, reorganizar rumos. Estamos fazendo o diálogo também através da Fundação João Mangabeira, aqui no RJ, que é uma fundação que nos ajuda a discutir programas e projetos políticos. É uma fase muito interessante e gostosa.

Aqui na capital, tivemos, mês passado, uma longa conversa com o presidente do PDT, Carlos Lupi, com a Martha Rocha, com o Ismael, secretário geral do PDT, e o deputado federal Alessandro Molon. Depois, convidamos o PV, até o PCdoB e o PCB. Estamos inaugurando semana que vem um ciclo de debates para conversar sobre pautas para a capital. Mais do que dizer que estamos com A ou com B, o importante é afirmar uma posição neste campo, que possa não só fazer um amplo debate com a sociedade, mas que comece do jeito certo, que é por um programa. Isso pode culminar em um nome que tenha a chance não só de competir mas sobretudo governar a cidade do Rio de Janeiro.

Nós fugimos da polarização porque as últimas duas eleições, seja a nacional, em que Bolsonaro saiu vitorioso, ou a municipal, onde o Crivella saiu vitorioso, a polarização não ajudou o campo progressista. É uma pauta de muito mais interesse dos conservadores. Queremos discutir com a sociedade como um “todo”, obviamente com a identidade clara de um programa. Esse é o momento que estamos vivendo e temos convicções de que seja o melhor caminho para o município.

O CAFEZINHO: o estado do RJ, e a capital também, têm uma população evangélica muito grande, sendo o estado com mais evangélicos do país. O Crivella foi eleito, segundo pesquisas que analisei, com até 80% dos votos de evangélicos. Os evangélicos são cerca de 30-40% da população [na verdade, dos eleitores] do Rio de Janeiro. Você não acha que um candidato a prefeito que tem 70-80% dos votos de evangélicos inviabiliza a vitória de qualquer outro candidato?

B: O maior problema do Brasil, como falamos, e o RJ não é diferente, é a desigualdade. O campo progressista precisa voltar a ter a capacidade de dialogar com evangélicos porque as dores e dificuldades dos evangélicos não são diferentes das dificuldades que elencamos como prioritárias para a política funcionar. Temos uma leitura de que quando saímos da polarização, também conseguimos entrar nesse campo de diálogo. O caminho para a gente é o diálogo, apresentar alternativas e dizer que precisamos nos reorganizar.

Particularmente, o PSB tem uma relação muito boa com o mundo religioso. É só você ver a caminhada do Presidente e Deputado Federal Alessandro Molon, que ao longo de sua vida, tanto na igreja católica quanto na evangélica, sempre teve votações extraordinárias. Sabendo fazer o trabalho com honestidade e clareza, conseguimos furar esses bloqueios. É um momento delicado, mas é um momento em que se tem que combater fake news, já que tem muita mentira nesse processo. Mas tenho convicções de que no campo político, eleição ajuda a esclarecer muita coisa.

O auge dessa disputa mais acirrada, na nossa leitura, foi a eleição do ano passado. Então estamos voltando para o campo da racionalidade. Será uma campanha muito racional. Embora a política seja feita de paixão, temos que discutir as cidades. É botar a bola no chão e jogar. E nesse sentido, os debates sobre trânsito, transporte, segurança pública, educação de qualidade, SUS, o turismo no Rio de Janeiro, a cultura… tudo precisa ser colocado em debate. Vamos trabalhar nessa direção. Por isso os seminários, por isso os segmentos sociais… para montar um projeto para o Rio de Janeiro que seja viável e devolva o caminho do Rio, que está passando muita dificuldade. Temos clareza de que o mundo evangélico será um mundo com o qual conversaremos, até porque é o nosso caminho. Não há “nós contra eles”. Tem pessoas sofrendo nas ruas, nos bairros, nas comunidades e precisamos compreender os medos e tudo isso que aconteceu nesse recente período. Interpretar, compreender e ajudá-los numa relação dialética a também compreender. Ouvi-los também e, trazendo as pautas para dentro de nosso partido, poderemos, no período eleitoral, apresentar uma candidatura, seja ela qual for, para que vençamos as eleições.

O CAFEZINHO: Um debate muito intenso que o campo progressista vem enfrentando já há algum tempo e que acaba se acentuando muito com a eleição do Donald Trump é a maneira como foram conduzidas as discussões identitárias nos EUA, que acabaram levando a classe média, pobre, trabalhadora e branca a votar em Trump, e que antes votava em peso no Partido Democrata. Na sua opinião, como conciliamos, dialeticamente, a necessidade de termos políticas identitárias – afinal, são justas e importantes – mas não fazer com que isso se torne uma armadilha para a esquerda perder a eleição?

B: Temos três coisas muito importantes nessa discussão. Primeiro, que deveríamos trabalhar novamente um projeto de soberania nacional. Essa pauta sempre foi nossa: a de defender o povo brasileiro. Mas quando as coisas se acirram, parece que a bandeira brasileira não é nossa e é do campo da direita. Dizem que somos os vermelhos. Isso é uma mentira.

A segunda é a questão do trabalho. Isso nos religa de maneira clara à população que se afastou do campo mais progressista quando se radicalizou a questão identitária, que fala por uma parcela, mas não pelo todo. Estamos com desemprego altíssimo.

Por fim, o que é fundamental é garantia dos direitos individuais. Isso também é muito caro para a população brasileira e precisamos fazer o debate no lugar correto. Respeitando o mundo religioso, respeitando os dogmas religiosos, não ultrapassando os limites que as igrejas colocam, garantindo também que os indivíduos tenham sua posição de livre escolha.

Esse é nosso grande desafio, por isso coloco numa forma mais ampla: a soberania nacional, a questão do trabalho e a questão dos direitos. Quando apenas pegamos um e intensificamos, como é o caso da narrativa dos direitos individuais, e isso é expresso claramente nas pautas identitárias, acabamos nos afastando da população mais pobre, na nossa leitura. Nosso grande desafio é religar realmente a população a um programa que as pessoas pensem “esse está me defendendo e defendendo o povo brasileiro”.

Por isso que lá nos EUA os operários que votavam sempre em democratas gradativamente foram deixando de votar. Pois quando se começa a perder o emprego, você percebe que eles rejeitam os imigrantes por acharem que são adversários. Aí, se começa a ver onde estão as figuras defendendo a população, mesmo que seja uma falsa defesa. Temos essa leitura, porque quando falamos que o problema é a desigualdade, percebemos que quando o discurso conservador coloca os costumes como pauta central, ele camufla os maiores problemas do Brasil. O Brasil precisa voltar a discutir seus problemas e apresentar soluções para seus problemas. Nesse sentido, é com muita conversa e com as pessoas entendendo que isso é sério e pra valer. É o caminho.

O CAFEZINHO: Recentemente, o PSB reformulou sua posição em relação à Venezuela. Você não tem receio de que esse reposicionamento possa acabar jogando água no moinho do imperialismo norte-americano para golpear a Venezuela?

B: Essa é uma deliberação do Partido de, se não me engano, três semanas atrás. É importante falar da resolução completa. O PSB surge para ser o socialismo democrático, então defendemos a democracia. Somos contra quaisquer ditaduras, sejam de esquerda ou de direita. Defendemos a democracia. A mesma resolução que fala dessa questão do Maduro também diz que defendemos a soberania da Venezuela e que os problemas da Venezuela têm que ser resolvidos na Venezuela. Nós somos contra qualquer tipo de movimento dos EUA ou de qualquer outro país, inclusive o Brasil, intervir na Venezuela. Acreditamos no diálogo, mas combatemos a radicalização. A decisão está calcada no relatório que a Bachelet fez, onde ela diz que direitos humanos na Venezuela estão sendo negados a diversos venezuelanos. É nesse contexto.

O CAFEZINHO: Voltando agora para o RJ, apesar de não estarmos em época eleitoral, os cariocas estão todos por aí nos bares e cafés discutindo política sobre quem votar no ano que vem. Já tem o esboço de algum programa econômico para recuperação do RJ?

B: Vamos iniciar o ciclo de debates nesse campo progressista com PDT, PSB, PCdoB, PCB, PV e trazer várias autoridades da área para nos ajudar a elaborar de maneira participativa e colaborativa e certamente no mês de abril teremos concluído esse ciclo para apresentar ao município um programa viável, sério e comprometido feito por várias mãos.

Nós compreendemos que, ao mesmo tempo que é importante uma rede de proteção pública, é muito importante olhar para o mundo produtivo e empresarial, obviamente colocando o emprego como centro do debate, além do empreendedorismo. Consideramos que as iniciativas empreendedoras precisam ser valorizadas cada vez mais nesse mundo que é diferente do mundo do século XIX.

O CAFEZINHO: Uma coisa que mudou muito é a questão do trabalho. Hoje temos 24 milhões de brasileiros trabalhando por conta própria, mais de 10 milhões de trabalhadores do setor privado sem carteira de trabalho; no geral, já temos menos trabalhadores com carteira assinada que a metade do total de trabalhadores. Você acha que a esquerda perdeu a maneira de se comunicar com essa população [sem carteira, por conta própria, etc] porque ela pensa diferente e é mais empreendedora, tem uma mentalidade diferente do pensamento clássico sindical, raciocinam de maneira diferente? Como a esquerda pode voltar a se comunicar com essa população?

B: Temos observado algo que veio com o advento do neoliberalismo, Thatcher, Reagan, tudo aquilo vem junto com uma mudança no mundo do trabalho. Na esquerda clássica, o trabalho organiza a luta. Os sindicatos, e o próprio PT surge e é fruto do movimento sindical, [os sindicatos] sempre foram muito importantes. Então há agora um ataque brutal ao mundo sindical. Isso é importante resgatar também, é muito importante para a gente. A organização é importante, fundamental e estratégica. Por outro lado, precisamos ter a capacidade de dialogar com aqueles que estão fora dessa organização. Voltar a gerar emprego no Brasil, logo, capital nacional ser valorizado com estratégias de defesa da indústria nacional, que é fundamental.  E, por outro lado, abrir um campo de diálogo com empreendedores, dando mais garantias, mais suporte, mais qualificação para que os negócios não terminem no primeiro ou no segundo ano. Não podemos deixar isso virar movimentos individuais. Na nossa leitura, os governos precisam e devem contribuir para que as pessoas tenham um trabalho de formação e que essa formação ajude na construção de empregos e renda sobretudo.

O CAFEZINHO: O discurso da relação patrão-empregado num país que já tem 24 milhões trabalhando por conta própria, 4 milhões de empreendedores, uma população tão grande que ela também “é” patrão, tem relação diferente com o capital. Ela quer contratar pessoas. Não é que ela quer “pagar um salário menor”, é que a burocracia do Estado, muitas vezes, pro pequeno. é muito mais cruel que para o maior. O grande não paga imposto, fica devendo milhões, faz o REFIS. O pequeno não, o pequeno a Receita vai lá e pega ele. Bota uma ação trabalhista e “mata” ele. Enquanto o grande tem um escritório de advogados enorme… Você acha que a esquerda perdeu também o diálogo com esse pequeno empreendedor e deixou ele ir pra direita?

B: Acho que faz parte deste ciclo. Quando se conhece um pouco a história, sabe-se que é feita de ciclos. Há o esgotamento de um modelo e ele precisa se repensar. Por isso o PSB está fazendo sua autorreforma. Repensar práticas, repensar organização, as pautas, mas nunca perdendo de vista a garantia do direito. Não podemos flexibilizar aquilo que é garantia do trabalhador. Precisamos fazer uma reforma tributária, porque hoje se acaba taxando mais aqueles que estão na classe média e na classe trabalhadora. Isso precisa ser repensado. Em todos os países desenvolvidos do mundo, quem ganha mais paga mais, ajuda a equilibrar um pouco a sociedade. Um dos problemas que nós temos no Brasil da desigualdade são os privilégios, que tem muitos para os superricos. O problema é que muitas vezes a gente comunica mal e a classe média compra a ideia de que é ela que será mais taxada. Pelo contrário, ela é a mais taxada hoje. No Brasil 1% da população tem quase 50% da renda. É nesse 1% que a gente tem que chegar para ter um pouco mais de garantias, e aí fazemos a reforma que tenha um pouco mais de condições de garantir que o menor sobreviva. Tudo tem que ser repensado.

Mas quem historicamente fez os direitos no Brasil são os que têm os privilégios e usufruiam melhor dos benefícios da lei. O PSB está disposto a encarar esse debate. Estamos encarando ele. Por isso, por exemplo, não éramos contra a Reforma da Previdência. Fomos contra aquela Reforma da Previdência. Consideramos necessário fazer uma Reforma, mas aquela que não protege o povo trabalhador não nos interessa. Compreendemos e até achamos importante a expectativa de vida do povo brasileiro aumentar. Se olhar 50 anos atrás, a expectativa era muito menor, mas isso não pode ser um sacrifício para aquele que comece a trabalhar mais cedo trabalhe muito mais e ao final de sua vida de trabalho tenha uma renda muito pequena.

É importante destacar, quando falamos da soberania nacional e da questão econômica, sobre a importância de ter um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que dê ao povo e à população a clareza de que defender o Brasil e a Soberania Nacional é defender as indústrias nacionais, com geração de emprego agregando valor à economia. Temos que pensar bastante sobre isso. Que indústria nacional é essa? Que indústria gera valor agregado, transforma matéria prima e gera renda e capital pro Brasil? É importante nos debruçarmos sobre esse debate no próximo período.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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