Comentários sobre a entrevista de Flavio Dino

Em sua entrevista ao Roda Viva, o governador do Maranhão, Flavio Dino, consolidou a imagem do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) como um ponto de equilíbrio dentro do campo progressista, hoje dilacerado por divergências ainda conectadas às estratégias políticas e eleitorais de 2018.

Dino tomou muito cuidado para defender as duas grandes correntes ideológicas da história recente brasileira, e que seriam herança da “esquerda” ou do “campo popular”: de um lado, o “trabalhismo”, sob cuja égide foram estruturadas os fundamentos do Brasil moderno, com a montagem da indústria de base permitida pela criação de estatais como a CSN, a Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Eletrobras, o nascimento da legislação trabalhista e dos sindicatos, além da reforma do Estado, com a instauração do concurso público, o voto feminino e os modernos códigos penal e de processo penal; de outro, o “lulismo”, corrente de ideias que marcou o último período, caracterizada por políticas públicas voltadas ao combate à fome e à miséria, recuperação e ampliação do ensino superior, além do enfrentamento de alguns desafios energéticos e de infra-estrutura. Dino não usou exatamente essas palavras, mas é o que eu imagino o que ele queria dizer.

A fala de Dino reflete a leitura que o governador vem fazendo das polêmicas recentes dentro do campo popular, mais especificamente entre duas importantes lideranças nacionais: Lula e Ciro Gomes. A primeira pergunta do Roda Viva abordou exatamente esse ponto. 

Para Dino, penso eu, não se trata apenas de diferenças de ordem partidária; há alguma coisa mais profunda, uma diferença de ideias, projetos e valores, para a qual seria necessário encontrar pontos de convergência, e esta seria uma responsabilidade que ele, Flavio Dino, estaria disposto a assumir.

Além disso, esse discurso em prol do respeito a essas duas correntes também é uma maneira inteligente e elegante que Flavio Dino encontrou para defender tanto Lula como Ciro como lideranças importantes.

Nas redes sociais, os debates sobre uma eventual candidatura de Flavio Dino para a presidência da república, possibilidade que Dino hoje autoriza com um sorriso nos olhos, soam um tanto românticos, e até mesmo ingênuos, porque não vem acompanhados de reflexões pragmáticas sobre as articulações necessárias para levar adiante uma candidatura como essa, tampouco dissertam acerca das ideias e projetos em torno dos quais ela poderia ser construída. Hoje o mais importante, para o campo progressista, é oferecer à opinião pública não apenas um nome capaz de chegar ao segundo turno e de, efetivamente, vencer o segundo turno, mas capaz também de trazer estabilidade política e segurança jurídica ao poder Executivo.

O desafio maior, no Brasil de hoje, não é apenas encontrar pontos de equilíbrio dentro do campo progressista, mas sobretudo procurar o equilíbrio na política de maneira geral. Mais do que nomes, é hora de pensar que projetos, valores, estratégias, e formatados em qual linguagem, seriam necessários para formar uma nova hegemonia moral e política no país?

O governador do Maranhão fez uma crítica direta, por exemplo, à estratégia de vender “nostalgia” de um passado “glorioso”, referindo-se cifradamente à estratégia petista de transformar as eleições em juízo eterno sobre o que seus governos fizeram. Por mais glorioso que seja o passado, analisou Dino, com ar irônico, “precisamos falar dos sonhos de futuro”. Se seguirmos por esse caminho, conclui, obteremos expressivas vitórias em 2020 e 2022. Com a linguagem suave que lhe é peculiar, Dino deixou claro que, para ele, a melhor estratégia política para o campo progressista vencer eleições é oferecer um projeto de desenvolvimento e geração de empregos, ao invés de ficar eternamente promovendo plebiscitos sobre o passado.

Flavio Dino, no entanto, ainda abusa dessa mesma sintaxe política, como se viu na entrevista, quando rebateu jornalistas perguntando se o povo tinha sido tão feliz como nos anos petistas. Os repórteres se viram obrigados a lembrá-lo que a crise econômica se abateu sobre o país ainda sob o mandato de Dilma Rousseff. A resposta de Dino, de que o ano de 2015 teria sido marcado por sabotagens políticas de toda ordem, o que é verdade, envereda contudo por uma vitimização, como se viu nas eleições de 2016 e 2018, com baixo poder de convencimento. As sabotagens existiram, mas foram a consequência de uma sucessão de erros políticos que vinham se acumulando desde o início da era Lula, em especial a ausência de estratégias corretas na relação entre poderes, com indicações mais responsáveis para a PGR e STF; além da omissão incompreensível no campo da comunicação popular.

Dino defendeu a famigerada “lista tríplice”, dizendo ainda que ela deveria ser constitucionalizada, ignorando que o ativismo por vezes criminoso do Ministério Público brasileiro nasceu justamente de um corporativismo desequilibrado e descontrolado, cevado, entre outras causas, também pela lista tríplice.

Quando a esquerda se viu diante do dilema da prisão de Lula, o governador do Maranhão foi o primeiro grande quadro político do campo progressista a defender, numa entrevista à Folha de São Paulo, em maio de 2018, a união de todos os partidos em torno de Ciro Gomes. E na entrevista para o Roda Viva, Flavio Dino voltou a sustentar que o trabalhista permanece como uma alternativa a ser considerada por todo o campo progressista. 

 

Na época, Dino não entendeu muito bem porque as reações, dentro do campo petista, foram tão negativas à sua proposta, talvez porque a sua própria relação com o PDT não seja tão tensionada como tem sido a do PT do Sudeste, um adversário histórico do PDT desde os tempos de Brizola. 

As relações de Flavio Dino com o PDT são muito orgânicas, até porque as lutas antioligárquicas do estado, contra os Sarney, tiveram como liderança, durante algum tempo, o trabalhista Jackson Lago, eleito governador do Maranhão em 2006, e derrubado por um golpe judicial em abril de 2009.

O líder do governo Dino na Assembleia Legislativa é um deputado do PDT, Rafael Leitoa. O prefeito da capital, São Luis, é Edivaldo Holanda Júnir, do PDT. E Flavio Dino, em 2018, fez campanha para eleger, para o Senado, Weverton Rocha, um quadro trabalhista histórico. O que se fala, nos corredores políticos de São Luis e Brasília, aliás, é que haveria um acordo tácito com Dino de que Weverton seria seu sucessor em 2022. 

Por outro lado, apesar de suas palavras sempre elogiosas em favor do Partido dos Trabalhadores e do ex-presidente Lula, Flavio Dino tem um histórico conturbado com o PT em seu estado, porque o PT foi um poderoso aliado do clã Sarney até as eleições de 2014.  A sua luta para se afirmar como principal liderança política do Maranhão foi construída contra Sarney, contra o PT e… contra Lula. Hoje é muito difícil pensar isso, mas Flavio Dino, por conta da oposição do PT à sua primeira campanha para governador, apoiou Aécio no primeiro turno de 2014; no segundo turno, porém, Dino apoiou Dilma…

Entretanto, hoje, essas diferenças com o PT estão resolvidas. O partido o apoiou em 2018 e qualquer observação superficial das redes constata que Flavio Dino é um dos nomes mais queridos do campo progressista, em especial do eleitor mais fiel ao PT e ao ex-presidente Lula. Flavio Dino tem sido abertamente cortejado pelo PT de todas as maneiras. Tem assinado manifestos junto com Fernando Haddad, participou dos últimos dois programas do Painel do Haddad, e suas posições hoje são muito mais próximas às narrativas mais caras ao PT, como a bandeira Lula Livre, do que das posições, muito críticas à herança petista, de Ciro Gomes.

Por conta dessa proximidade maior com o PT, me parece que uma candidatura Flavio Dino avançaria mais facilmente sobre o eleitorado petista do que sobre o eleitorado de Ciro Gomes, habituado a uma avaliação mais crítica do legado dos governos Lula e Dilma.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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