A culpa é dos ricos!

Por Emerson Sousa e Fábio Salviano

Atente para o fato de que toda a miséria existente no Brasil tem uma única fonte: os Ricos.

Entenda-se por Ricos as pessoas que percebem uma renda familiar bruta (antes dos impostos), por adulto, da ordem de R$ 75.831,91 mensais, conforme definição da World Inequality. Abaixo disso, não se é Rico!

Sim, os Ricos são os responsáveis pelas péssimas condições de vida no Brasil porque eles utilizam o poder político que a sua riqueza lhes concede para alterar “as regras do jogo” e fazer com que toda a coordenação das relações sociais de produção os favoreça, diminuindo-lhes os custos e ampliando os seus ganhos.

Assim, desde as regras de tributação até à prestação de serviços públicos, passando pelas regulações trabalhistas e ambientais, todas as ações são conduzidas de modo a não afetar as formas pelas quais os Ricos ficam ricos. Nesse sentido, veja quantos Ricos são políticos e compare com o número de trabalhadores.

Porém, essa não é uma ideia nova. Em uma de suas últimas entrevistas, o economista paraibano Celso Furtado já alertava para o fato de que as elites econômicas brasileiras (e as latino-americanas também) apenas poderiam adotar um estilo de consumo semelhante aos das elites europeias se concentrassem renda.

O que explica esse fenômeno é o fato de que a nossa estrutura produtiva – suportada por atividades primárias, como o Agronegócio – apenas produz itens de baixo valor agregado o que resulta num reduzido nível de riqueza per capita.

Então, por que o Brasil, simplesmente, não altera a sua estrutura produtiva para uma com maior valor agregado? Porque os Ricos não querem! Por sinal, da Patagônia até à margem sul do Rio Grande, esse é um problema que se abate por toda a América Latina.

E os Ricos não querem isso por três motivos:

1- Eles ganham muito dinheiro com a produção e exportação de commodities e com a importação de bens manufaturados, eles teriam prejuízos caso isso se modificasse. Para se ter uma ideia de como isso funciona, lembre que a escravidão foi abolida no Império Britânico em 1833, mas, no Brasil, somente em 1888, mais de meio século depois, porque era lucrativa para os traficantes, os armadores e os financistas do Rio de Janeiro;

2- Diferentemente das demais pessoas, Ricos não trabalham! Ou seja, eles não são remunerados pela venda de sua força-de-trabalho. Eles auferem renda negociando com capitais, e o surgimento de uma nova casta de Ricos faria com que os atuais passassem a enfrentar maiores níveis de concorrência por capitais e, também, por mão-de-obra, diminuindo os seus ganhos;

3- Uma alteração dessa natureza também modificaria o contexto de distribuição de poder político, decorrência direta da redistribuição de renda. Afinal, um povo menos aprisionado pelas correntes do subdesenvolvimento é um povo que possui mais controle sobre seus destinos.

O Brasil já tentou fugir desse esquema – também chamado de pacto colonial – onde ele passaria a deter uma posição mais autônoma no cenário da divisão internacional do trabalho, mas não conseguiu.

Isso começa na Ditadura Vargas (1930-1945), com a industrialização brasileira assumindo o papel de Política de Estado, segue pelas décadas posteriores e apresenta a sua última demonstração de força com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), já no mandato do ditador Ernesto Geisel (1974-1978). Daí em diante, tudo o que se viu foi o retorno do Brasil à condição de país primário-exportador.

Então, os Ricos são a causa de todas as nossas mazelas sociais porque com uma estrutura produtiva primarizada não tem como suportar um sistema de proteção social e nem, muito menos, permitir a existência de níveis de renda condizentes com a dignidade humana, porque ela requer altos níveis de concentração de renda.

Como o Brasil vem se reprimarizando, a estrutura de proteção social prevista na Constituição Cidadã de 1988 torna-se insustentável. Por isso a promoção de sucessivas “reformas” desde a sua promulgação.

Mas insustentável porque, como bem mostram os países desenvolvidos, só é possível um alto padrão de vida para toda a Sociedade com os Ricos pagando muitos impostos para que o Estado possa fornecer serviços públicos gratuitos de qualidade.

(Aceita, que dói menos: não existe essa de desenvolvimento social com baixa carga tributária e Estado mínimo).

No âmbito Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nada menos do que 27 dos seus 36 membros possuem carga tributária acima dos 30% do Produto Interno Bruto (PIB), sete acima dos 40% e somente um abaixo dos 20%, o México.

Por sinal, lembre-se disso toda vez que algum parvo aparecer dizendo que a nossa Carta Magna só prevê direitos e, não, deveres.

Então, desde o início da década de 1980, o projeto dos Ricos é o de encontrar uma Administração Política que garanta alguma estabilidade social para o país (mesmo que a base de carros blindados e segurança particular), mas sem mexer na fonte de seu poder político: a concentração de renda.

Consequentemente, se ainda for do interesse do povo brasileiro dar um padrão de vida digno para todos, calcado na Solidariedade, na Igualdade e na Cidadania, a primeira coisa que deve ser feita é garantir, de forma democrática, a derrota política dos Ricos.

Emerson é economista, Fabio é sociólogo.

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